A guinada certamente surpreendeu a muitos dos milhões de leitores do Pravda [“Verdade”, em russo, uma primeira página reproduzida acima]. Numa clara admissão de que a imprensa da União Soviética é monótona e desinteressante, o jornal oficial do PC soviético (11 milhões de exemplares diários) afirmou, em editorial, dias atrás, que “é preciso escrever histórias de maior interesse humano”. E, num solene recado aos demais jornais e revistas do país, todos pendurados em ordens dos ministérios ou sindicatos que representam, esclareceu: “Os leitores não querem apenas notícias (leia-se: declarações oficiais), mas sérias e significativas discussões de outros temas de alto interesse”.
Os trabalhadores, exemplifica o Pravda, querem saber como e onde obter bônus especiais, quais as colônias de férias ainda com vagas disponíveis no momento, ou quais lojas oferecem vantagens aos consumidores. O editorial pede também um fim às histórias de trabalhadores-heróis, que sempre terminam com enfadonhas louvações à ideologia marxista, e sugere que, no plano visual, os jornais publiquem gráficos e ilustrações mais criativos.
Dias depois, outra sacudida na empoeirada rotina da imprensa em Moscou: o veterano editor do Izvestia (“Notícias”, em russo, com 8,6 milhões de exemplares diários), Piotr Alexeyev, de 70 anos, foi sumariamente aposentado e substituído por Lev Tolkunov, de 64, ex-diretor da agência de notícias Novosti.
É a marca do novo líder do país, Yuri Andropov, fazendo-se sentir na imprensa da URSS. A mudança não é nova: dias após a morte há três meses (em novembro de 1982) do antigo chefe do PC, Leonid Brejnev, o Pravda já trocara seu estilo relatorial por notícias menores, separadas, com apresentação e títulos mais movimentados, para marcar a presença de líderes estrangeiros em Moscou.
Tais medidas harmonizam-se, também, com a investida de Andropov em outras esferas de poder que a doença e a lentidão de Brejnev, em seus meses finais, praticamente reduziram ao imobilismo político. Num ritmo surpreendente, o novo líder já afastou três ministros e vários altos burocratas – uma “limpeza” que atingiu tanto autoridades corruptas como figuras muito ligadas ao governo anterior.
Assim caíram, entre grandes amigos de Brejnev, o vice-primeiro-ministro Valentin Makeev, o ministro do Interior Nikolai Cholokov, e o antigo porta-voz do Kremlin para assuntos externos, Leonid Zamyatin.
Vasto ataque – Nas últimas semanas um vasto ataque a alguns endêmicos problemas da vida soviética – como o alcoolismo, a corrupção e a vadiagem – também levou a polícia às ruas, bares, cinemas e até às saunas das grandes cidades – dos quais muitos cidadãos foram tirados e conduzidos à delegacia mais próxima, quando não conseguiam justificar sua ausência do local de trabalho.
Se Andropov pretende levar a sério tal campanha, tem pela frente uma missão quase impossível, já que o alcoolismo se tornou um problema de proporções pantagruélicas na URSS, o interesse em permanecer nas fábricas – principalmente entre os jovens – é rigorosamente nulo, e tantos de resto pacatos e comportados cidadãos fazem de tudo para chegar às lojas em horas mais fáceis, sem filas, antes que se esgotem as mercadorias mais procuradas.
No estilo, pelo menos, Andropov — que durante 15 anos chefiou a KGB, a polícia política soviética — já inovou. Dias atrás, ele apareceu de surpresa numa fábrica de subúrbio, em Moscou, e conversou longamente com os operários. Perguntou-lhes sobre salários, sobre as razões do absenteísmo, e fez uma advertência que o ministro Delfim Netto por certo endossaria e aplaudiria: “Aumentos salariais, se não correspondidos por aumento na produção de bens, não garantirão uma melhora real de vida”.
É difícil imaginar até que ponto esse esforço pode influir na eficácia da economia soviética – onde os males são mais profundos, e questões como a estratégia, produção e distribuição de bens na sociedade dependem de todo um sistema político centralizado e inflexível.
Matéria publicada na Revista Veja em 16 de fevereiro de 1983 sob o título “Com mais vigor”