BRASÍLIA, 23 – O lento e complexo processo de gestação do projeto das sublegendas [espécie de três subpartidos dentro dos partidos, pensadas de encomenda para, nas eleições, poder abrigar até três correntes adversárias dos antigos partidos que aderiram em massa à legenda do governo] parece aproximar-se do seu final, com o anúncio, de fontes parlamentares governistas, de que a matéria vai ao Congresso no fim deste ou em princípio do próximo mês.

A presteza com que o governo gostaria de ver equacionada a questão esbarrou no grande número de controvérsias – imprevisíveis pelo menos quanto ao grau – surgidas dentro das áreas parlamentares oficiais e dos próprios quadros do Executivo.

Do estágio em que se encontra o projeto governista, pouco ou nada se sabe, com exceção de certas linhas gerais colhidas por parlamentares, que privam da intimidade dos ministros Rondon Pacheco [Casa Civil] e Gama e Silva [Justiça]. É certo, contudo, que o ministro da Justiça deverá encaminhar o projeto ao presidente Costa e Silva ainda nesta semana – provavelmente quinta-feira – para que o chefe do governo, em seguida, o submeta ao crivo da cúpula da ARENA, antes de ser encaminhado ao Congresso.

Foi assumido, a propósito, compromisso com os senadores Daniel Krieger [RS, presidente da ARENA] e Filinto Muller [MT, líder do governo no Senado], que convenceram o marechal Costa e Silva da necessidade de prévia apreciação do conteúdo do projeto, visando constatar sua adequação à “realidade política do Congresso”.

A tendência do governo, segundo círculos parlamentares, é no sentido de incluir a soma de votos nas sublegendas para pleitos majoritários – governador e senador [seria eleito o candidato mais votado da legenda mais votada, somados todos os votos das sublegendas, e não o candidato que obtivesse individualmente o maior número de votos, coração da ideia de um pleito majoritário].

Figuras eminentes do governo – como o ministro Gama e Silva e o senador Filinto Muller – consideram inconstitucional a soma de votos. O ministro da Justiça, por exemplo, entende que tal providencia fere frontalmente o princípio da maioria, assegurado na Constituição. Quando menos, no entender do ministro, desfigura o caráter majoritário das eleições para governador e senador, que pouco iriam diferir das eleições em que o voto de legenda desempenha papel preponderante.

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Reprodução de fragmento do artigo como foi publicado © Reprodução

O ministro, segundo revelam parlamentares de maior acesso a seu gabinete, confessou a seus assessores a surpresa pelo “extremo casuísmo” com que foi elaborado o anteprojeto de sublegendas, de autoria dos srs. Filinto Muller, Ney Braga [PR], Ruy Palmeira [PB] e Mem de Sá [RS]. O ministro – ainda no dizer daqueles parlamentares – considerou facilmente identificáveis os políticos aos quais se dirigiam, especificamente, dispositivos do anteprojeto. 

Favorável

O senador Aarão Steinbruch, do MDB fluminense, talvez seja o único parlamentar da oposição favorável à sublegenda, com o voto vinculado [todos os candidatos votados pelo eleitor deveriam pertencer ao mesmo partido – a senador, deputado federal e deputado estadual, nas legislativas, e a prefeito e vereador, nas municipais].

Argumenta o senador, inicialmente, que “onde o MDB é fraco, continuará fraco com ou sem sublegenda, e onde é forte, não dará condições de vitória a ARENA”. Por outro lado, o sr. Aarão Steinbruch vê dois aspectos favoráveis na sublegenda, com vinculação do voto: de parte do MDB, obriga o partido a realizar campanha de cunho ideológico, afastando em grande parte a “fisiologia” [apelido dado à prática da política para obter vantagens pessoais]; de parte do eleitor, qualifica o voto, que passará, no seu entender, a exprimir uma tomada de posição mais nítida com relação ao atual estado de coisas.

O senador Aarão Steinbruch não ignora que a conjugação daquelas duas fórmulas desejadas pela ARENA poderá diminuir os quadros do MDB, tanto no âmbito federal como nos estaduais e municipais. É de opinião, entretanto, que “o que o MDB perde em número ganha em homogeneidade e autenticidade”.

Artigo de Ricardo Setti, de Brasília, publicado no jornal O Estado de S. Paulo a 24 de março de 1968, sob o título original de “Sublegenda vai ao Congresso”

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