BRASÍLIA, 2 – A falta de informação e a desorientação em que se encontram as lideranças governistas no Congresso dão bem a medida do grau de importância que o Executivo confere ao seu dispositivo político.
A base parlamentar governista, a rigor, tem sido informada apenas pela imprensa dos últimos acontecimentos, e desconhece o que está por vir de parte do governo. Na Câmara e mesmo no Senado, as contestações aos ataques oposicionistas – quando feitas – são com base em generalidades.
Por outro lado, a área oposicionista – e mesmo setores governistas – mostra-se apreensiva pelo fato de a ida do presidente da República ao Sul ter transferido, na prática, as decisões para os comandos militares, que em situações como a que atravessa o País acabam por levar ao chefe do Executivo fatos consumados.
Paralelamente, a distância que separa o presidente dos centros políticos nacionais afasta-o da influência e das ponderações parlamentares que, mesmo não sendo levadas em alta conta, não se podem considerar prescindíveis.
As lideranças governistas não estão de posse de informações seguras, e também não demonstram especial estímulo em defender o situacionismo.
Isso ficou patente, por exemplo, nas sessões de hoje do Senado e da Câmara. Nesta, entre outros fatos, pelo silêncio da liderança majoritária diante do verdadeiro tumulto provocado pela bancada da oposição da Guanabara, em face dos incidentes ocorridos [durante manifestações contra o governo] no Estado. Naquele, pela ausência em plenário de qualquer porta-voz governista durante o longo e contundente discurso do senador Arthur Virgílio [MDB-AM].

O líder Ernani Sátyro [ARENA-PB], por exemplo, não sabia hoje se falaria ou não na Câmara, em resposta ao discurso do líder oposicionista Mario Covas [MDB-SP]. Limitou-se a tomar posição contrária à criação de uma Comissão Geral do Congresso para investigar violências policiais contra estudantes, proposta pela oposição.
Já na quinta-feira, quando se iniciaram os distúrbios, o Congresso somente teve a palavra do governo às 22:30, e graças aos esforços dos vice-líderes Ultimo de Carvalho [MG] e Wilson Roriz [CE] junto ao ministro Rondon Pacheco [Casa Civil], que, casualmente, se encontrava reunido com o senador Daniel Krieger [RS, presidente da ARENA].
Ante a insistência dos vice-líderes, o ministro Rondon Pacheco transmitiu informações sobre os incidentes da Guanabara, após conversa telefônica com o general Jayme Portella [chefe do Gabinete Militar da Presidência], de vez que o ministro Gama e Silva [da Justiça] não foi encontrado. Mesmo assim, a nota lida na tribuna pelo sr. Ultimo de Carvalho foi imprecisa, não refletindo, com exatidão, o que havia ocorrido.
Desnecessário
As áreas parlamentares arenistas mais responsáveis, ainda que falando apenas em nome próprio, não creem que um eventual endurecimento do governo fuja às limitações constitucionais. Isso seria “indesejável e desnecessário”, já que, de um lado, o governo tem na Constituição todos os instrumentos necessários para controlar a situação nacional, mesmo na hipótese de haver um agravamento e, de outro, uma solução extraconstitucional faria voltar à estava zero o processo de normalização das instituições que, bem ou mal conduzido, “é preferível ao arbítrio”.
O estado de sítio é a medida suprema admitida, ainda que remotamente, pelos setores parlamentares governistas que, contudo, não veem qualquer possibilidade imediata de decretação da medida. Somente um fato novo, que se revestisse de especial gravidade, seria capaz de justificá-lo. O líder Ernani Sátyro encara o estado de sítio como “medida constitucional”, isto é, não suscetível de causar espécie caso decretado. Todavia, não vê qualquer razão para que se fale na medida. Do mesmo entendimento participam deputados da responsabilidade do sr. Ruy Santos [Arena-BA].
(Artigo de Ricardo Setti publicado a 3 de março de 1968 no jornal O Estado de S. Paulo, sob o título original de “Base política desinformada”)