BRASILIA, 4 – As notícias sobre a iminente decretação do estado de sítio que circulavam com insistência no Congresso colocaram em xeque os entendimentos visando a constituição de uma comissão de alto nível destinada, em primeira etapa, a colaborar para a solução da atual crise [com sucessivas manifestações estudantis de protesto contra o regime militar, reprimidas pelas polícias estaduais, com abusos e prisões].
Paralelamente, as lideranças governistas começaram a tomar consciência de que o eventual apoio ao esforço de iniciativa do senador do MDB Mario Martins [GB] acarretaria, inevitavelmente, uma capitis diminutio para o governo que, pela simples aceitação de uma comissão mediadora, estaria admitindo seu malogro político.
Esse entendimento, ainda apenas esboçado, talvez seja o móvel da recusa formal do sr. José Bonifacio [ARENA-MG], hoje dada a conhecer, em participar de quaisquer gestões envolvendo a comissão de alto nível. Acredita-se que o presidente da Câmara, por trás das alegações de que o assunto foge totalmente a sua competência, entreveja a inconveniência de uma ação, que pode ter resultados diversos de seus objetivos e até mesmo contrários.
O vice-presidente Pedro Aleixo, indagado a respeito, opinou pela desnecessidade e mesmo impropriedade da comissão – evidentemente pelos mesmos motivos. Não é outro o ponto de vista do vice-líder governista no Senado, sr. Eurico Rezende [ES].
Objetivos
A comissão de alto nível teria em vista, inicialmente, manter entendimentos com o governo visando propiciar soluções para a atual crise decorrente das manifestações estudantis. Ao mesmo tempo, enfocaria o problema estudantil em si, em âmbito nacional, com a finalidade de permitir uma reaproximação da classe estudantil com as classes dirigentes.
A maior prazo, e com maior discrição, iniciaria uma tentativa de aproximação do governo – e dos militares – com a classe política, baseada, fundamentalmente, na insuspeição e no passado dos integrantes da comissão. Esse objetivo seria parte do objetivo maior – a abertura para a democratização plena da vida nacional.
O presidente do Senado, sr. Gilberto Marinho [ARENA-GB], já deu hoje a colaboração que lhe foi solicitada pelo sr. Mario Martins, tendo mantido contacto telefônico com o marechal [Eurico Gaspar] Dutra, a quem informou do projeto de ser o ex-presidente, ao lado do ex-ministro [da Justiça e do Supremo Tribunal Federal] Prado Kelly, do brigadeiro Eduardo Gomes e do senador Milton Campos [ARENA-MG], incumbido de iniciar entendimentos com o presidente Costa e Silva.
O ex-presidente, no seu estilo de atuação, declarou-se apenas “cientificado”, aguardando o prosseguimento dos entendimentos para uma decisão final. O senador Gilberto Marinho também manifestou ao senador Milton Campos [Arena-MG] os propósitos da comissão. O ex-ministro da Justiça mostrou-se pronto a qualquer esforço “que resulte benefício ao País”. O ministro Prado Kelly, ex-presidente da extinta UDN, assentiu em entender-se com o brigadeiro Eduardo Gomes, com o mesmo propósito. O nome do marechal Odylio Denis [ex-ministro da Guerra dos presidentes Juscelino Kubitschek e Jânio Quadros] chegou igualmente a ser cogitado.

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Como a prever a possível decretação do sítio, as lideranças governistas na Câmara e no Senado concordaram com as ponderações oposicionistas no sentido de que não fossem votados hoje os requerimentos apresentados, na Câmara e no Senado, propondo o recesso do Congresso durante a Semana Santa.
Os líderes oposiconistas Mario Covas [SP] e Aurelio Vianna [GB] mantiveram sucessivos entendimentos com a liderança do governo. Após encontro do sr. Aurelio Vianna [com os líderes do governo no Senado e na Câmara] srs. Filinto Muller [MT] e Ernani Sátyro [PB], decidiu-se aguardar até a próxima terça-feira para submeter à votação os requerimentos apresentados respectivamente pelo deputado padre Medeiros Neto [ARENA-AL] e pelo senador Correia da Costa [ARENA-MT].
A oposição considerava “inconcebível” aprovar-se o não funcionamento do Congresso na iminência de um agravamento da crise. O líder Mario Covas chegou, inclusive, a ameaçar com obstrução do MDB à votação do requerimento, na Câmara, por entender que o recesso seria a omissão do Legislativo “num momento grave da vida brasileira”.
(Artigo de Ricardo Setti publicado no jornal O Estado de S. Paulo a 5 de abril de 1968 sob o título de “Comissão Mediadora”)