BRASÍLIA, 22 – Decidida de maneira definitiva a escolha do sr. José Bonifácio [Arena-MG], ficou evidenciado para os círculos políticos – inclusive da própria ARENA, que o elegeu – que a Câmara dos Deputados não encontrou, ainda, o presidente que a situação do País e especialmente a do poder civil exigem.

Diversos parlamentares, sem distinção partidária, lembram que o político mineiro está longe de reunir o conjunto de atributos que revelaram no cargo Nereu Ramos [antigo PSD-SC] e Ranieri Mazzili [antigo PSD-SP]– ainda que com as indiscutíveis reservas e, ultimamente, o sr. Adaucto Cardoso [Arena-GB]  que, de uma maneira ou de outra, tiveram uma atuação que resultou positiva para a instituição e mesmo para o regime.

Com efeito, a combatividade e o vigor de posições políticas nunca chegaram a qualificar a atuação parlamentar do novo presidente da Câmara que, a despeito de ser descendente dos Andradas [e de José Bonifácio de Andrade e Silva, o “Patriarca da Independência”], não pode ser considerado como tendo sombra de vocação de estadista.

O sr. José Bonifácio ascendeu ao posto mercê de um longo e persistente trabalho de arregimentação no plenário, iniciado já no ano passado. É muito conhecido na Câmara, chamado de “Zezeinho”, gozando de prestígio entre os deputados e jornalistas e, principalmente, entre o funcionalismo. Quando primeiro secretário da Mesa Diretora da Casa, cargo que exerceu por vários anos, conseguiu benefícios para os funcionários e, diga-se a seu favor, teve papel importante em prol da seriedade e rigor dos concursos públicos.

Moderado

Em termos políticos o sr. José Bonifácio se notabiliza por sua preocupação fundamental e provinciana: o controle do município mineiro de Barbacena que disputa há longos anos com o sr. Bias Fortes do antigo PSD e hoje também da ARENA. Em sua vida pública não há gestos que fundamentalmente revelem especial preocupação pelo regime ou pelas instituições. O novo presidente sempre foi moderado no estilo da antiga UDN mineira.

No episódio da corajosa recusa, por parte do deputado Adaucto Cardoso [ARENA-GB], em admitir como válidas cassações de mandatos parlamentares pelo ex-presidente Castelo Branco em outubro de 1966, por exemplo, o sr. José Bonifácio [então segundo vice-presidente da Câmara] coordenou o pronunciamento contrário da Mesa da Câmara à decisão do então presidente. O sr. Adaucto Cardoso, na ocasião, recebeu apenas o apoio do sr. Aniz Badra [Arena-SP], terceiro secretário, e renunciou à presidência em sinal de protesto. Como resultado teve sua recondução ao posto vetada no ano seguinte pelo Executivo.

[Vale lembrar que o deputado Adaucto Cardoso era um político conservador da ARENA carioca orindo da UDN e um dos líderes do que se chamava “Banda de Música” do partido, tal o estardalhaço oposicionista que faziam contra políticos como Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek. Filiou-se à ARENA, à qual foi leal, mas sentiu que neste episódio das cassações sua obrigação moral era defender o Congresso. Era um homem de caráter, admirável. Mais tarde, ministro do Supremo Tribunal Federal, interrompeu a seção, retirou sua toga e afastou-se do plenário, em protesto contra decisão da Corte de aceitar censura prévia a publicações em ceertos casos. Deixou o Supremo num gesto raríssimo e surpreendente, de grande repercussão].

O consenso geral da Câmara, contudo, é no sentido de que a renovação da Mesa traz algum saldo positivo. A atuação do sr. Batista Ramos [Arena-SP] desde que, em 1966, assumiu a presidência como vice do sr. Adaucto Cardoso, sempre foi considerada como excessivamente complacente para com as intenções e mesmo pressões do Executivo. Sua substituição, assim, é bem-vista.

Por outro lado, dois novos membros da Mesa, por sua atuação parlamentar, poderão contribuir para maior afirmação da Câmara: em primeiro plano, o novo vice-presidente, deputado Accioly Filho (ARENA do Paraná), considerado o parlamentar governista que se comportou com maior independência ao relatar um capítulo da atual Constituição, e que quase foi escolhido para a presidência da Comissão de Justiça; em menor grau, o sr. Matheus Schmidt, segundo vice-presidente do MDB gaúcho, substituto do sr. Getulio Moura [MDB-RS], que – este último – sempre teve atuação apagada no exercício do posto, sendo apontado por seus colegas oposicionistas como também “excessivamente complacente” para com os desígnios do Executivo.

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Em segundo lugar no recorte, reprodução da matéria publicada © Reprodução

(Artigo de Ricardo Setti publicado no jornal O Estado de S. Paulo a 23 de fevereiro de 1968 sob o título “Presidente da Câmara”. É o segudo texto da coluna reproduzida).

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