BRASÍLIA, 7 – Alguns políticos têm mantido contatos nos últimos dias com setores militares do governo, tentando sensibilizá-los para a necessidade da criação de novos partidos políticos, como única fórmula de se possibilitar a comunicação do governo com o povo. Acreditam que somente com a organização de novos partidos, em bases autênticas, poderá o governo atravessar esse fosso que o separa da opinião pública.

Em outros países, como observa o deputado Francelino Pereira, da ARENA de Minas Gerais, a ponte para essa comunicação é constituída pelos partidos políticos. É através deles que o governo chega ao povo. Mas aqui, atualmente, estamos sem partidos políticos autênticos. A ARENA e o MDB são apenas siglas, sem contexto ideológico ou emocional. O artificialismo de ambos não permite uma comunicação efetiva. A corrente emitida pelo governo e — aqui se entende o governo como o todo, inclusive o Poder Legislativo — é obstruída pelos maus condutores e chega ao povo muito enfraquecida.

As lideranças que despontam nos círculos estudantis, operários e empresariais, nota o sr. Francelino Pereira, desprezam as suas agremiações políticas. Tudo explode à revelia dos dois partidos. Os deputados e senadores são marginalizados. Prevalece apenas a oposição extraparlamentar, que ganha as ruas, as universidades, os sindicatos e até as repartições públicas O povo ignora as duas agremiações, afasta-se da vida partidária e, segundo seus interesses de grupo ou classe, vai-se arregimentando em movimentos isolados.

A solução para isto, entende o parlamentar, está na criação de condições para a existência de novos partidos políticos, que possam dar guarida às novas lideranças, desfraldando as bandeiras das reivindicações que elas trazem à tona. Lembra, a propósito, que o ex-presidente Vargas, em situação idêntica, estimulou a criação do PTB — partido que, até sua extinção servia como catalizador às lideranças e reivindicações populares, ficando o PSD também getulista mais voltado para interesses de empresários, agricultores e classe média. Acha, assim, que uma abertura desse setor só poderia trazer benefícios ao presidente Costa e Silva, estabelecendo as condições para um diálogo com os setores mais reivindicantes da União.

Para a criação de novos partidos, diz o sr. Francelino Pereira, é preciso que se dê mais flexibilidade à atual legislação. Há um projeto de lei do deputado Humberto Lucena, do MDB da Paraíba, a ser apreciado ainda este mês pela Comissão de Justiça da Câmara. E para ele se voltam os deputados mais empenhados em romper as barreiras do bipartidarismo, mas sabem que estes têm que vencer as resistências do Palacio do Planalto.

O sr. Francelino Pereira é de opinião de que o projeto das sublegendas [espécie de subpartidos dentro dos dois partidos existentes, capazes de abrigar na mesma ARENA correntes oriundas de partidos tradicionais que eram rivais antes da extinção de todas as agremiações políticas, em 1965], recentemente aprovado, tem o mérito de manter viva a chama para a criação de novos partidos. Mas o influente deputado e ex-governador Virgílio Távora [ARENA-CE] não acredita que dessa chama venham a surgir novos partidos. A seu ver, a situação é exatamente a mesma de antes. As sublegendas, inclusive para governador, existem desde fins do governo de Castelo Branco e até hoje em nada favoreceram a criação de novos partidos.

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Reprodução da matéria publicada © Reprodução

Desmentido

O presidente da Câmara, deputado José Bonifácio [ARENA-MG], numa conversa hoje com o líder do MDB, Mario Covas [SP] e o deputado Edilson Távora [ARENA-CE], a propósito da distribuição do projeto do Plano Diretor da SUDENE, repeliu insinuações feitas por alguns setores parlamentares, segundo as quais o Gabinete Militar da Presidência da República estaria sugerindo nomes para presidente e relator da Comissão Mista que examinaria a matéria.

Segundo o sr. Bonifácio, os militares não pediram nada, nem pedem nada, “nem mandam nada aqui na Câmara”, tudo parte da premissa de que eles influem na Casa. “o que é absolutamente falsa”. Ao final da conversa o sr. José Bonifacio disse que mandaria o projeto às Comissões Técnicas e não a uma comissão especial. Atendia, portanto, à oposição. 

Embaixada

Já está praticamente assentada uma fórmula para que o sr. Moura Andrade seja nomeado embaixador do Brasil na Espanha, sem perder seu mandato de senador [da ARENA por São Paulo] , conforme determina a Constituição. O senador paulista não seria propriamente nomeado, mas designado para exercer “missão diplomática temporária”.

O cargo de embaixador é um cargo do Executivo e, portanto, não pode ser exercido por membro de outro Poder sob pena de perda de mandato. Mas uma missão diplomática temporária, desde que autorizada pela respectiva Câmara, pode ser exercida por um parlamentar, somente o Senado poderia opor objeções quanto á natureza dessa “missão diplomática”, que consistia em chefiar nossa embaixada em Madri. Mas não se acredita que venha a fazê-lo, até porque – como comentam alguns parlamentares – será esta uma oportunidade de o Senado aliviar-se do remorso do ter alijado o sr. Moura Andrade da presidência da Casa para atender aos desejos do Executivo. São Paulo é que ficará com um senador a menos, pois o sr. Moura Andrade não tem suplente.

(Análise de Ricardo Setti originalmente publicada a 10 de março de 1968 no jornal O Estado de S. Paulo, sob o título original “Com os militares”)

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