Robert Kennedy Jr., ex-democrata, observado por Trump, fala em evento de campanha do presidente (Foto: @MSNBC News)

Falta só o Senado confirmar, na semana que vem, para que um inimigo da ciência e de conquistas fundamentais da Medicina assuma, justamente, o Departamento do governo dos EUA que se ocupa da saúde dos americanos: Robert Kennedy Jr., advogado sem qualquer formação médica e inimigo público número 1 de vacinas, que ele assegura provocar problemas graves como o autismo – tese refutada por incontáveis estudos sérios – assumirá o Departamento de Saúde, com 80 mil funcionários e verba superior a um trilhão de dólares. Seu nome foi aprovado de forma apertada nesta terça-feira, dia 4, pela Comissão de Saúde do Senado com o voto de 14 republicanos e 13 democratas.

A escolha tem que ser confirmada na semana que vem pelo Senado, onde a oposição democrata tem 47 senadores contra 53 republicanos. Três desses inclinam-se a votar contra, o que faria com que o vice-presidente J. D. Vence, presidente do Senado, tivesse que desempatar – algo raríssimo ao longo da história do país, e que só aconteceu dias atrás com a super-polêmica indicação do ex-apresentador da Fox News Pete Hegseth como secretário da Defesa – e piloto da maior máquina de guerra do planeta.

Kennedy é mais uma escolha que não apenas os críticos incluem entre as “loucuras” do Donald Trump imperial que emerege deste segundo mandato presidencial.

Coerentemente com o objetivo de Trump de desmontar estruturas comprovadamente eficazes do governo americano, Kennedy defende medidas que vão na contramão do muito que realizou o Departamento ao longo do tempo: a adição de flúor na água, iniciada em 1945 e que hoje beneficia dois terços dos 347 milhões de americanos é combatida por ele, que diz, sem qualquer comprovação científica, que “o flúor é um resíduo industrial associado com artrite, fraturas ósseas, câncer dos ossos, perda de QI, problemas de neuro-desenvolvimento e doenças da tiróide”.

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Em evento em Filadélfia durante a campanha eleitoral do presidente Biden antes de sua desistência, da esquerda para a direita Maxwell Kennedy Sr., Joe Kennedy III, Kathleen Kennedy Townsend, Kerry Kennedy e Rory Kennedy, todos irmãos e críticos de Robert Jr. (Foto: @Alex Brandon/AP)
Os principais órgãos científicos do governo americano e diferentes instituições médicas renomadas já publicaram trabalhos desmentindo inteiramente a crença do Kennedy renegado – seu apoio à eleição de Trump foi criticado publicamente por quinze integrantes da mítica família — entre eles seis de seus oito irmãos vivos e a única filha do presidente John F. Kennnedy, Caroline Bouvier Kennedy, advogada e ex-embaixadora dos EUA no Japão, e pelo único neto do presidente assassinado, John Bouvier Kennedy Schlossberg, egresso da Universidade de Yale e da Escola de Direito de Harvard.

No capítulo crucial das vacinas, amplamente consideradas uma das grandes conquistas da saúde pública do século XX, elas combateram a poliomielite, hoje extinta em 194 países – as exceções são Afeganistão e o Paquistão – e várias outras doenças graves, como o sarampo e, segundo a Organização Mundial da saúde, salvaram mais de 150 milhões de vidas humanas mundo afora. Mas Kennedy há anos erigiu-se como um crítico das vacinas, fundando até uma ONG para “defender as crianças” de seus supostos perigos. Diante da comissão do Senado, ele desmentiu que seja anti-vacina, mas uma pesquisa do jornal The Washington Post em suas declarações nos últimos anos – o que incluiu consultar mais de 400 podcasts – mostrou que Kennedy criticou o uso de vacinas em 114 aparições públicas.

Ele chegou a dizer literalmente que as vacinas “envenenaram toda uma geração de crianças americanas” e que os médicos “massacraram todas essas crianças” ao aplicarem vacinas recomendadas pelas autoridades sanitárias federais. Em algumas declarações, foi criticado por estimular o antissemitismo e o preconceito contra cidadãos de origem chinesa, ao dizer que a vacina contra a Covid-19 “teve como alvo atacar brancos e negros”, e que as pessoas mais imunes à doença seriam ‘os judeus ashkenazi (europeus) e os chineses.” A declaração trazia implícita a ideia, comprovadamente desvairada, de que o vírus teria sido criado em laboratório.

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O dr. Anthony Fauci fala na Casa Branca, observado por Trump, em uma das inúmeras intervenções que fez sobre a Covid-19, muitas delas para corrigir afirmações absurdas do presidente sobre a doença (Foto: @Reprodução TV)
Pois esse homem vai mandar em programas de seguro saúde que protegem 165 milhões de cidadãos, como o chamado Obamacare, que permitiu que mais de 20 milhões de pessoas sem assistência médica pudessem adquirir um seguro saúde em condições favoráveis, o Medicaid, programa de assisstência médica criado em 1965 para famílias de baixa renda, crianças e outros beneficiários, o Medicare, destinado principalmente a cidadãos com mais de 65 anos; vai coordenar a resposta da saúde pública do país a epidemias e supervisionar o processo de aprovação de novas drogas, vacinas e outros instrumentos de combate a doenças.

A entidade mais conhecida em que esse não-médico vai poder colocar as mãos é o mundialmente renomado Center for Diseases Control and Prevention (Centro para Controle e Prevenção de Doenças), que seguidamente dá alertas que ajudam não só os EUA, mas os outros países do mundo sobre temas como novos vírus e novas ameaças de epidemia. Vai também ter sob sua asa o igualmente respeitado ational Institute of Allergy and Infectious Diseases (NIAID), o Instituto de Alergia e Doenças Infecciosas, do qual seu mais recente diretor, dr. Anthony Fauci, foi figura-chave no enfrentamente da Covid-19 e do estrago do tema que o presidente Trump fazia diariamente com declarações estapafúrdias.

Parece uma loucura, mas está prestes a se tornar verdade.

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