O general Costa e Silva [regressou ontem de viagem oficial ao exterior e reassumiu em Brasília o Ministério da Guerra, em cerimônia realizada no Palácio do Planalto pouco antes das 18 horas. Ao receber o cargo do general Décio Escobar, chefe do Estado-Maior do Exército, que o substituíra pela segunda vez, disse o ministro que “depois da Revolução, restabelecidas a hierarquia e a disciplina nas Forças Armadas, é fácil um chefe sair de seu posto e ser substituído”, pois “comandos e chefias independem de homens”.
[O Exército, na ocasião, se constituía como ministério, e sua designação ofical era Ministério da Guerra, nome que foi alterado em 1967, no governo Costa e Silva, para Ministério do Exército. Em 1999, por lei de iniciativa do presidente Fernando Henrique Cardoso, deixou de ser Ministério e passou a ter à frente o comandante do Exército, submetido à autoridade do ministro da Defesa, função criada no mesmo ano.]
Acrescentou que as organizações, os princípios, as ideias, estas sim, são insubstituíveis e, portanto, “a Revolução é insubstituível” e jamais o Exército permitirá que ela seja desvirtuada.
[NOTA: Na época os integrantes do governo, em especial os militares, mas também a imprensa que apoiou o golpe militar de 1964 referiam-se a ele como “Revolução”, com “R” maiúsculo. No Estadão, antes de o jornal passar a opor-se ao regime quando da edição do Ato Institucional número 5, que instituiu a ditadura pura e simples, era obrigatória esta forma de tratamento. A natureza do regime também explica o enorme espaço destinado a temas militares, mesmo que fossem, como no caso deste post, a simples cerimônia de um ministro reassumir seu posto.]
Em seguida, disse o ministro que reassumia suas funções com a melhor disposição para alcançar os objetivos traçados no início de sua administração: reaparelhar o Exército em todos os sentidos; continuar a impulsionar a solução do problema de moradia da família militar, já equacionado; e, principalmente, concorrer para manter a unidade e a coesão das Forças Armadas, particularmente do Exército, para que os princípios revolucionários mais se afirmem e se fortaleçam”.
Exército coeso
O general Decio Escobar, em breve discurso, afirmou que o general Costa e Silva recebia o Exército como o havia deixado: “ocupado em sua labuta normal, unido, coeso, atento às ordens, dos chefes, fiel às suas obrigações constitucionais e revolucionárias”.
“No momento – acrescentou – é patente que sobrelevam nas missões do nosso Exército as concernentes à segurança interna, que inclui a das instituições que nos regem. Mas seria impossível olvidar que o papel do Exército nas chamadas ações cívicas tende a crescer e, paralelamente, aumentar-lhe a valia e o prestígio perante a Nação”.

Referindo-se, mais adiante, ao comportamento do Exército na atual conjuntura, disse que aquela Arma “apoia vigorosa e conscientemente o governo constituído, revolucionário nas suas origens e nos seus fins. Não importa o que digam e propaguem os adversários, de todos os matizes, da Revolução. O Exército está alheio à política facciosa e não é mentor do governo. Além do poder que lhe confere a lei, sua austeridade, senso de responsabilidade e tradições de civismo, dão-lhe força moral bastante para conter ímpetos contrarrevolucionários ativos, sem necessidade de recorrer às armas de que é detentor”.
Concluindo, disse o general Decio Escobar que o Exército há de corresponder às diretrizes e instruções de seu chefe, ao qual apresentou as “mais afetuosas e cálidas saudações e votos de perene felicidade”.
No Rio
O general Costa e Silva embarcou no aeroporto Santos Dumont, no Rio, às 9 horas, com destino à Capital Federal. Evitou qualquer contato com a imprensa. A viagem foi feita num avião Avro da FAB, no qual também viajaram o general Decio Escobar e assessores diretos do ministro da Guerra, além dos deputados [da Arena, o partido oficial do regime] Ernani Satiro, Ossian Araripe, Furtado Leite e Dulcino Monteiro.
Antes de embarcar, o ministro permaneceu durante cerca de meia hora na “sala das autoridades” do aeroporto, palestrando com os generais Decio Escobar e Adalberto Pereira dos Santos, comandante do I Exército.

Em Brasília
O ministro chegou a Brasília às 11 e 40. Aguardavam-no no aeroporto o chefe do Gabinete Militar da Presidência da República, general Ernesto Geisel; o comandante da 11ª Região Militar general Nogueira Paes; o comandante da Base Aérea e mais cerca de 40 oficiais, 30 do Exército, 20 da Aeronáutica e 2 da Polícia Militar. Ali estiveram também o tio do ministro, sr. Adroaldo Mesquita da Costa, consultor-geral da República, e os deputados Croaci de Oliveira, Abrahão Sabbá, Mario Gomes e Janari Nunes.
Após receber as homenagens de estilo de um contingente da Aeronáutica, o ministro cumprimentou as autoridades que o esperavam, manifestando-se surpreso com a presença do general Ernesto Geisel, [chefe do Gabinete Militar do então presidente Castello Branco], que lhe explicou estar ali para lhe apresentar os cumprimentos em nome do presidente da República. Evitando novamente qualquer declaração à imprensa, o general Costa e Silva retirou-se logo em seguida, acompanhado pelo general Escobar, para sua residência oficial, no Setor Militar Urbano do Distrito Federal.
(Reportagem de Ricardo Setti, de Brasília, para o jornal O Estado de S. Paulo, publicada a 23de fevereiro de 1966 sob o título original de “Ministro Costa e Silva reassumiu”