BRASÍLIA, 6 – Não se pode dizer que a proibição das atividades da Frente Ampla tenha colhido de surpresa a área parlamentar, pois, aguardava-se, de parte do governo, uma providência restritiva ao movimento, assim que a crise atual desse os primeiros sinais de recrudescimento.

Ainda ontem, antes que se tivesse notícia da Portaria do ministro da Justiça, Gama e Silva [proibindo a atividade do movimento de iniciativa do ex-presidente Juscelino Kubitschek e seu antigo adversário Carlos Lacerda, ao qual se juntaria também o ex-presidente João Goulart, derrubado pelo golpe de 1964], um parlamentar situacionista com trânsito na área militar apontava a Frente Ampla como a primeira vítima de um processo de endurecimento do governo, iniciado ainda durante as manifestações estudantis, e o fazia mais com base na perspicácia política do que em informações.

A ação contra a Frente Ampla, a esta altura, seria a principal resposta do governo às pressões de seus setores militares mais impacientes com o que, há algum tempo, foi classificado de “tibieza” do Executivo no trato com as movimentações de políticos cassados.

Ao mesmo tempo seria providência – talvez a primeira de uma série – apta a aplacar a afoiteza daqueles mesmos setores, desejosos de uma mudança institucional que propiciasse poderes ao governo para, mesmo, impedir pronunciamentos e atitudes de parlamentares “francamente hostis ao regime”.

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Reprodução de fragmento da matéria publicada © Reprodução

O fortalecimento de setores militares tidos como “duros”, por sinal, é francamente admitido na área parlamentar como consequência imediata da crise que ora dá sinais de entrar em declínio. Outra consequência apontada de imediato é a reaproximação do presidente da República com seu dispositivo militar, pela atitude considerada firme com que o chefe do governo enfrentou os últimos fatos.

A crise teria tido, também, o condão de propiciar, ainda que não em caráter definitivo, uma reaglutinação de setores militares eventualmente discordantes ou mesmo conflitantes. Os parlamentares com maior acesso aos militares lembram que a união é o primeiro resultado de qualquer agressão, frontal ou dissimulada, às Forças Armadas como um todo, como o que teria ocorrido durante as últimas manifestações, inclusive dentro do Congresso Nacional.

(Artigo de Ricardo Setti publicado no dia 7 de abril de 1968 no jornal O Estado de S. Paulo sob o título de “Não houve surpresa”)

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