Depois de um longo período – provavelmente longo demais, para um líder de seu porte – em que manteve um perfil discreto, o deputado Luiz Inácio Lula da Silva voltou a exercer a atividade política com grande intensidade nos últimos dias, percorrendo diversos Estados brasileiros em campanha para candidatos do PT às eleições de outubro próximo. É uma pena que Lula não esteja, desta vez, e ao contrário do que ocorreu nas eleições de 1982, 1986 e 1989, pedindo votos para si próprio. Como se sabe, confessando-se “desencantado” com a Câmara dos Deputados, para a qual foi eleito em 1986 com a segunda maior votação já obtida por um deputado em todos os tempos no País, e após intensa controvérsia interna no PT, Lula decidiu não concorrer de novo. É sobre essa questão que talvez valha a pena fazer algumas considerações.

Embora Lula jamais tenha admitido de público, muito provavelmente seu desencanto tenha muito a ver não com a Câmara, mas com sua derrota na eleição presidencial do ano passado para o hoje presidente Fernando Collor. E não era o caso. Na verdade, o candidato da então Frente Brasil Popular exibiu, nos dias finais da campanha do ano passado, uma inegável maturidade diante do que poderia emergir das urnas. Lula considerava certa sua vitória, mas examinava com serenidade a possibilidade de não ganhar. Achava, e com razão, que já protagonizara uma vitória, ao disputar palmo a palmo a maioria absoluta com Collor, depois de ter, a certa altura da caminhada, batido num fundo de poço de miseráveis 5% das preferências eleitorais. Sentia-se sinceramente feliz com a aceitação surpreendente de sua proposta de mudanças radicais da sociedade por um percentual tão alto dos eleitores e com o grau de organização e empenho que o PT alcançara em todo o País, sem contar o que chamava de “elevação de nível de consciência do povo”.

Não é necessário ser petista nem simpatizante do PT para constatar que Lula, ao contrário do que sugere seu estado de espírito de hoje, teve razões para sair confortado da eleição presidencial. O deputado alcançou uma votação extraordinária, que englobou pouco menos que a metade do eleitorado. Consolidou, naquele momento, o PT como um partido que parecia forte e saiu do 17 de dezembro com o que se imaginava ser a estatura de principal líder da oposição brasileira. A dificuldade para Lula – e isso sabia em detalhes quem acompanhava mais de perto a campanha eleitoral – era engolir os golpes que sofrera de Collor na reta final, principalmente a exploração de episódios de sua vida pessoal na televisão. Mas mesmo isso, supunha-se então, não deveria fazer com que o deputado perdesse de vista os interesses superiores do País, que incluem, fazer uma oposição leal ao novo presidente da República.

Nem todos os prognósticos de então se cumpriram. A amargura pessoal de Lula foi um fator de obnubilação para o que em política, se chamaria sua obrigação de oposicionista. O presidente do PT apagou-se, saiu do debate, encolheu sua liderança e deixou de novo livre o terreno que ocupara, no qual muito provavelmente será novamente fincada a barraca do líder do PDT, ex-governador Leonel Brizola. O PT parece estar padecendo da mesma sintomatologia, e não parece viável imaginar-se que faça em 3 de outubro uma bancada no Congresso tão numerosa como sonhavam seus dirigentes ao final da campanha presidencial.

É lamentável que não seja mais possível a Lula rever sua decisão. Ela, em verdade, por mais que se reconheça a luta do deputado em favor da ampliação do espaço das liberdades no Brasil, tem o sabor de um desapreço pelo Legislativo e, portanto, pela democracia. Quando privilegia a política nas ruas pela desempenhada no plenário, nas comissões e nos corredores do Congresso, e por mais que suas razões possam ser pessoalmente respeitáveis, Lula envia uma mensagem no sentido do atraso para seus simpatizantes. O que vale, diz a mensagem, é o caminhão de som na porta da fábrica, e não a “democracia formal”. Depois de um desempenho espetacular na disputa pela Presidência em 1989, é melancólico ver que o deputado sai da trilha da política institucional dessa forma. De seu gesto, fica, além da decepção, a curiosidade: como é que Lula vai pedir votos para eleger candidatos do PT para um Congresso que ele próprio não apeteceu? Que argumentos vai usar?

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 26 de julho de 1990 sob o título “Falta Lula nesta eleição”

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