Um belíssimo leque do século XVII que pertenceu à musa de Marília de Dirceu, um dos poemas mais marcantes da história da literatura brasileira, está em algum lugar de São Paulo, dando sopa para um museu histórico brasileiro que queira enriquecer seu acervo.
Se há na praça um leque com história, é este. Sua antiga dona, Maria Dorotéa Joaquina de Seixas, a Marília do poema, era noiva de Tomás Antonio Gonzaga, o Dirceu, poeta e inconfidente que, por aliar-se à conspiração de Tiradentes contra o domínio colonial português, em 1792, amargou o desterro em Moçambique até sua morte, em 1810. O livro Marília de Dirceu, obra marcante da poesia brasileira de todos os tempos, seria publicado no ano do desterro em Lisboa.
Desinteresse do Ministério da Cultura – O leque foi oferecido em leilão a que estive presente realizado na Casa da Fazenda do Morumbi, espaço cultural instalado no local em São Paulo onde, no começo do século XIX, o padre Diogo Antonio Feijó ergueu uma construção antes de se tornar ministro da Justiça, senador e regente do Império.
A peça figurava entre as dezenas de quadros, móveis, porcelanas, candelabros e todo tipo de objetos de arte leiloados pela empresa Dutra Leilões, uma das maiores do país.
Preço mínimo: 14 mil reais, em valores 2024. Equivalente a um jantar para três casais em restaurantes de luxo de São Paulo ou do Rio.
Ninguém se interessou – muito menos qualquer funcionário do Ministério da Cultura. A empresa não informa quem é o proprietário, embora haja a possibilidade de a peça voltar a leilão.
Em outro leilão da mesma empresa a que assisti particulares arremataram toda uma vasta coleção de itens de uso pessoal do imperador D. Pedro II, inclusive um item raríssimo e absolutamente único: a túnica branca de batismo da princesa Isabel, em 1846.
Ninguém de alguma instituição cultural oficial apareceu sequer para ver o material.
Até boné de motorneiro de Jânio – Da mesma forma, em 1992, poucos meses após a morte de Jânio Quadros, ocorrida em fevereiro, fui como jornalista conferir o leilão de objetos pessoais do ex-presidente, realizado nas dependências da mansão em que viveu os últimos anos, no bairro do Morumbi, em São Paulo – cuja sacada o matreiro ex-presidente transformou em ponto de peregrinação de jornalistas em busca de atos e declarações.
Ninguém de qualquer museu ou instituição cultural oficial deu as caras. Tudo acabaria indo parar em mãos de particulares, não necessariamente adeptos do ex-presidente. Foram embora móveis, quadros, o retrato do presidente americano Abraham Lincoln com autógrafo, relógios, até seu famoso boné de motorneiro (condutor) de bonde com que se apresentou na vitoriosa campanha para prefeito de São Paulo em 1952, ostentando um número e a sigla da extinta Companhia Municipal de Transportes Coletivos (CMTC).
Esse tipo de coisa vem ocorrendo sistematicamente, há muitos anos, em leilão após leilão em São Paulo, no Rio de Janeiro e em outras cidades.
Goste-se ou não de Jânio, é claro que a coleção de seus objetos pessoais que a família, por alguma razão, não quis manter, deveria estar em algum acervo público, como ocorre nos países civilizados com seus antigos governantes.
Aqui, não. Fragmentando a memória nacional, aos poucos a estamos privatizando.
8 Comentários
Olá, Ricardo! O leque é bonito, mas as liras musicadas são mais belas! Vai lá conferir no meu canal: http://www.youtube.com/oplutao Abraço. Sérgio de Brito.
Prezado Setti, o sr. chegou a escrever alguma reportagem sobre esse leilão dos pertences do JQ?? Sim, escrevi na época. Infelizmente não tenho o material digitalizado. Mas escrevi a respeito mais de uma vez. Abraços, caro Gabriel.
Caro Setti, Bom reencontrar a informação de qualidade em Veja. Acho ruim para a democracia o esfacelamento da oposição no nível que, ao que parece, esta eleição produzirá. No entanto, é errado atribuir ao lulismo e ao PT o fracasso que é principalmente da própria oposição. Assistimos durante vários anos a oposição abandonar o debate de propostas e de idéias para esperar o dia redentor em que Serra chegaria para resgatá-la. Todas as fichas da oposição foram depositadas nisso, e o fiasco de Serra acabou por se tornar o fiasco de toda a oposição. Espero que essa lição inaugure um período de discussões mais aprofundadas, que permita o surgimento de partidos mais fortes e organizados. Abs Caro Vinicius, Concordo em que é ruim para a democracia o esfacelamento da oposição. Muito ruim. E não há como discordar de você em que a oposição foi incompetente em fazer oposição, como Serra está sendo um candidato zigue-zague, sem uma estratégia clara, sem assumir a defesa dos princípios de seu partido, sem atacar as imoralidades produzidas no período Lula -- o mensalão e muitos outros escândalos, o aparelhamento do estado por militantes, o abandono da meritocracia, a aliança com o que há de pior na política brasileira etc. Abraços do Ricardo Setti
Parabéns por nos revelar assuntos que não temos idéia que acontecem.
Muito bom ter jornalistas ligados na nossa política que também tem atenção para assuntos culturais desse jeito. Continue assim, prezado jornalista.
Valeu Ricardo, não tinha idéia disso. Onde estão os diretores dos museus brasileiros? Vão dizer que é falta de verba, mas o Covas fez a Pinacoteca uma beleza em São Paulo e o Serra realizou o museu do Futebol que é um dos melhores do mundo. Falam mal dos tucanos mas eu voto neles, chega de PT.
Que descaso, que absurdo. Continue cutucando esses assuntos que ninguém fala, Ricardo.
Século XlX x Século XXl Pedro ll x Luís Ll Teresa Cristina x Prima nula Isabel x Terrorista Chegamos no fundo do poço! Pena que os 80% não saibam distinguir entre o nascente e o poente; não saibam distinguir quem é quem... Senhor, onde iremos nós?! A lei do retorno é infalível; não se brinca com Deus. A infame traição que expulsou a luz fez a justiça do tempo trazer as trevas. Triste povo dos heróis-santos súbitos presidente da república, personagens do bbb, jogadores de futebol, celebridades vis, bandidagem & cia...