PLAYBOY ENTREVISTA FERNANDO LYRA
Uma conversa franca com o escudeiro de Tancredo sobre os bastidores da Nova República, TV, militares, greve, maconha, corrupção, as alegrias e o que não dá para fazer no poder.

“Botar pra quebrar”: os conservadores devem cair fora do governo e a tecnocracia que emperra a máquina administrativa deve ser quebrada.
Embora possa parecer uma análise de um cientista político do PT ou de algum Teotônio Vilela reencarnado, com todas as letras, e pela primeira vez, essa funda chacoalhada na Aliança Democrática, que passa por uma surpreendente autocrítica da Nova República, é de autoria de um dos membros mais visíveis do governo: o ministro da Justiça, Fernando Lyra. Não se diga que as reflexões um tanto explosivas que Lyra faz a PLAYBOY sejam fruto da inexperiência: poucos são os políticos do governo que carregam uma bagagem como a sua, que inclui cinco mandatos de deputado (um estadual e quatro federais) em dezenove anos de agitada carreira. Muito menos se imagine que o ministro costume dirigir palavras ao vento: seu currículo de notável farejador de caminhos inclui uma ida ao então vice-presidente do regime militar, Aureliano Chaves, para discutir uma certa questão que parecia inequivocamente exótica na época — a de uma Constituinte, no hoje longínquo ano de 1981. Por isso, ele passou alguns maus bocados entre seus então colegas dos “autênticos” do PMDB.
Mas, sobretudo, sua folha ostenta a lustrosa pérola de ter sido ele o lançador da ideia política que acabou, efetivamente, virando de pernas para o ar a recente história do país — a da candidatura de Tancredo Neves à Presidência da República. Era uma sugestão aparentemente tão extemporânea, na ocasião, que o próprio Tancredo, o primeiro a ouvi–la formulada por Lyra, durante um almoço no dia 16 de março de 1983 no Palácio das Mangabeiras, em Belo Horizonte, reagiu com o seguinte comentário:
– Ué… Isso é uma loucura, eu tomei posse ontem no governo de Minas!
Acabou, é claro, sendo uma ideia extremamente razoável e fecunda, como iriam comprovar 130 milhões de brasileiros. A partir desse episódio, Lyra deixou suas vestimentas de “autêntico” para tornar–se, cada vez mais, uma espécie de delfim ou “filho político” de Tancredo, em quem viu desde o início o grande nome capaz de armar a transição do regime. Tancredo utilizou os serviços de Lyra em toda a minuciosa, habilíssima costura política que o consagrou no Colégio Eleitoral e, depois, confiou–lhe missões delicadas durante a montagem de seu Ministério, como ele conta a PLAYBOY.
“Na luta dentro do governo entre negociação e repressão nas greves, a posição mais inflexível, pela formação dele, era a do general Ivan de Souza Mendes, chefe do SNI. Felizmente, a negociação venceu”.
Ele próprio ministro da Justiça designado por Tancredo e mantido pelo presidente José Sarney, este político de Caruaru (PE), 47 anos, casado, três filhas, apreciador de Stevie Wonder e Elba Ramalho, encontra-se, hoje, numa posição peculiar: respeita e é leal ao presidente, mas não pôde, com ele – e por razões óbvias — repetir a dobradinha que fez com Tancredo; esvaziado das funções de coordenador político do governo e um tanto isolado no Ministério, é, no entanto, paradoxalmente titular da pasta em cuja área a Nova República mais fez mudanças, a começar pelo enorme avanço em todo um elenco de liberdades públicas.
Ao deixar o poder, Lyra abandonará poucas mordomias. O deputado vai morar no mesmo lugar onde vive o ministro: o apartamento na verdejante Superquadra Norte 302, em Brasília, pertencente à Câmara e que ele ocupa desde 1972. (Lyra só tem um imóvel próprio, um apartamento comprado há doze anos via BNH em Piedade, no Recife, ampliado com o acréscimo do apartamento vizinho, adquirido em 1984. Nomeado ministro, não quis ir para uma das mansões oficiais no Lago de Brasília, que para ele tem “um estigma”.) No mais, os 12 milhões de cruzeiros líquidos de salário que lhe sobram por mês como ministro podem ser até menos do que voltará a receber como deputado, graças às sessões extraordinárias e outras vantagens, ele deixará de ter seu único agente de segurança fixo que aceitou ter – o delegado Edson Costa, da Polícia Federal — e, em vez do carro oficial equipado com telefone, voltará a circular exclusivamente em seu Monza quatro portas cinza metálico.
“E tem aquela história de eu não servir para ministro porque não sou jurista. Ora, eu não vim para aplicar a lei autoritária, eu vim para mudar a lei. Se fosse para aplicar, o melhor mesmo era o Buzaid”
Antes disso, para ouvir Lyra fazer um rico balanço de um ano da Nova República desde a eleição de Tancredo, a 15 de janeiro de 1985, PLAYBOY designou o redator-chefe Ricardo A. Setti. Ele relata:
“Enquanto o Landau preto de chapa verde e amarela singrava o Eixo Rodoviário de Brasília numa segunda–feira à noite, para me propiciar uma rápida carona – o ministro ia buscar um amigo no aeroporto – Fernando Lyra deu três telefonemas em 10 minutos. Isso dá a medida de duas coisas: o trepidante ritmo do ministro e as complexidades da missão de entrevistá-lo adequadamente. Lyra acorda antes das 7 da manhã, raramente dorme antes da l e ajuda suas seis pontes de safena (implantadas em 1978) a resistir à Nova República com 40 minutos de caminhada matinal diária. A dieta também colabora, se bem que, quando me convidou para almoçar em sua casa — com a esposa, Márcia, e o chefe de gabinete, Joaquim Falcão — um saudável cardápio de saladas, arroz, peito de frango ensopado com batatas e três tipos de fruta, o ministro repetiu três vezes, comeu depressa e por um triz deixou de resistir a um doce de goiaba com queijo branco. Deve ser por isso que, seja qual for o regime — político ou alimentar —, Lyra está sempre com 10 quilos a mais do que deveria.
“Houve falta de empenho das grandes lideranças do PMDB na campanha do Fernando Henrique em São Paulo. No fundo, foi ciúme: o pessoal o via como candidato a presidente, o sucesso dele ia ofuscar muita gente”
“A entrevista, feita em três sessões, encerrou–se com uma rodada de conversas numa suíte no 17° andar do hotel Caesar Park, em São Paulo – em que Lyra, antes da hora que havíamos marcado, contabilizou quarenta telefonemas dados e recebidos. As outras duas foram na sala de seu amplo apartamento em Brasília, decorada com obras de pintores primitivos e as ilustrações de Dez Sonetos com Mote Alheio, do poeta pernambucano Ariano Suassuna. Ali, naquele setor do prédio, ele é vizinho de elevador de onze deputados – três do PMDB, cinco do PFL, um do PDT, um do PDS e um sem partido. Haverá habitat mais apropriado para um político em tempo integral?”
PLAYBOY – O senhor está satisfeito com os rumos da Nova República?
LYRA – Ela está muito aquém do que eu imaginei e do que imagino. Mas, por outro lado, sou muito consciente de que esse projeto em curso não é meu, nem do presidente Sarney, nem de Tancredo, mas é um projeto da sociedade brasileira. Eu me angustiei muito nos primeiros cem dias de governo, mas, desde que entendi isso, me tranquilizei. Este governo está aí especificamente como instrumento da sociedade para executar a transição a caminho da democracia. Assim, em tudo o que for para liberalizar o processo, pode–se avançar que se estará sintonizado com a sociedade. Agora, tudo o que for polêmico, que não for consensual, tem, no momento, que ser feito pelo exemplo. Não se conseguem levar adiante os projetos que não tenham consenso, porque nós estamos vivendo – disso eu sou muito consciente, e a minha insatisfação talvez decorra disso — um momento de transição, um governo atípico.
PLAYBOY – O senhor acha que está sendo possível fazer as mudanças que eram e são reclamadas pela sociedade?
LYRA — As mudanças fundamentais na parte institucional estão sendo feitas. Não tenha dúvidas. Veja o que nós avançamos. As eleições municipais de novembro passado, por exemplo, foram as mais livres da história republicana: os partidos comunistas legalizados, todas as tendências explicitadas, sem Lei Falcão — todo mundo pôde dizer o que quis. Cada ato que eu pratico ou cada fato político que advém da minha ação no sentido da liberalização do processo me gratifica, me faz feliz. Quando discutimos a legalização dos partidos clandestinos, e de certa forma eu influí para que o Congresso aprovasse a abertura partidária, quando se quebrou a fidelidade partidária obrigatória, quando eu pude dizer que a censura política acabou — só para citar alguns exemplos — foi muito gratificante.
PLAYBOY – O senhor se sente à vontade no governo?
LYRA — Geralmente, sim. Vez por outra, não.
PLAYBOY – Quando é que o senhor não se sente à vontade?
LYRA – Quando a heterogeneidade fica muito explicitada e sinto que não há hegemonia para a gente avançar em algumas questões.
“Se resolveram não me conceder a Ordem do Mérito Militar? Nunca procurei saber. Essas coisas, é melhor não saber”
PLAYBOY – Em que se manifestou essa heterogeneidade?
LYRA — Numa questão ela ficou muito nítida: na luta que travamos desde o início do governo entre repressão e negociação – nos conflitos trabalhistas. Felizmente ganhou a negociação, mas eu temi muito em determinadas horas os efeitos da persistência no uso da velha frase “a lei é para ser cumprida”. Eu reconheço que é, mas a legislação tem que ser adaptada à nova época, e não houve tempo para isso — nem a legislação trabalhista, nem a Lei de Segurança Nacional, nem a Lei de Imprensa.
PLAYBOY – Quem defendia esta postura mais inflexível no governo?
LYRA — Geralmente, era o general Ivan (de Souza Mendes, ministro–chefe do Serviço Nacional de Informações). Ele, como eu, entende que a lei é para ser cumprida. Agora, a rigidez da legislação faz com que nós, políticos, tenhamos flexibilidade para aplicá-la ou não. E ele, não, por sua formação. Eu, que como ministro da Justiça sou o guardião da lei, fiquei em situações muito difíceis, porque eu tinha que discutir o cumprimento de leis que entendia defasadas. Mas, felizmente, conseguimos negociar.
PLAYBOY — Além do general Ivan, quem compartilhava esta posição menos flexível? O general Rubem Denys, chefe do Gabinete Militar?
LYRA – Não, não. O general Ivan era típico (dessa postura) porque ele tinha uma missão muito específica no governo. Isso criou dificuldades, mas superadas porque a negociação ganhou. O projeto da sociedade – e aí eu volto ao tema – era e é o da liberalização, e então a negociação ganhou longe da repressão. Por isso nós determinamos, por exemplo, que a Polícia Federal, dentro da lei, não pode efetuar prisões políticas. Isso foi cumprido à risca: em mais de quatrocentas greves, não houve nenhuma prisão política, que era um lugar–comum na velha República. Esse galardão eu vou levar quando sair do Ministério.
PLAYBOY – Em que episódio essa dualidade de posições foi mais acentuada?
LYRA — Foi quando houve aquela inconsequência durante a greve dos metalúrgicos em São Paulo, a invasão da fábrica da General Motors (de 24 a 28 de abril de 1985, em São José dos Campos). Ali eu me preocupei muito, porque houve uma inconsequência política grave na área dos trabalhadores. Outra greve que foi preocupante, em que pese não ter sido na área de produção, mas que afetou muito a classe média, foi a dos aeronautas e aeroviários (de 30 de abril a 4 de maio de 1985). Felizmente, quem me deu uma grande lição foi uma empresa. Aí eu ganhei a discussão usando o argumento capitalista: com a antecipação do entendimento havida na Transbrasil, a empresa provou que, quando o empresário tem visão para se antecipar, evita o pior.
PLAYBOY – Tais discussões envolveram que ministros dentro do governo?
LYRA — Foi no contexto dos ministros que tinham a ver com as greves. Eu, o (Roberto) Gusmão (ministro da Indústria e Comércio), o (Almir) Pazzianoto (ministro do Trabalho), o general Ivan e o José Hugo (chefe do Gabinete Civil da Presidência).
PLAYBOY – Fala–se com insistência que existe um desconforto dos militares membros do governo com sua presença no Ministério. O senhor seria um ministro “de esquerda”, e muitos de seus assessores também se alinhariam à esquerda, o que causaria o mal-estar. A revista Veja também mencionou, sem ter sido desmentida por ninguém, o episódio em que se decidiu não atribuir ao senhor a medalha da Ordem do Mérito Militar, no dia 7 de setembro do ano passado. O desconforto existe?
LYRA — De minha parte, não.
PLAYBOY — E da outra parte?
LYRA — Olha, eu tenho uma convivência muito boa com o general Ivan e não tenho nenhuma queixa dos outros ministros (militares), nenhum frisson. É uma convivência natural e normal. Não tenho por que me afastar deles.
PLAYBOY – Então por que o senhor sorriu quando eu mencionei o episódio da Ordem do Mérito Militar?
LYRA — (Sorrindo) Porque dessa questão eu soube pela Veja e nunca procurei checar se realmente correspondia ou não à verdade. Mas, realmente, como você me chamou a atenção, é algo que nunca foi desmentido.
PLAYBOY — O senhor admite, então, que pode efetivamente ter ocorrido?
LYRA — Pode ter ocorrido.
PLAYBOY – E por que o senhor não resolveu conferir?
LYRA — Porque não influi nem contribui para nada. Essas coisas, é melhor não saber. (Riso) Mas eu tenho a melhor impressão dos ministros militares deste governo.
PLAYBOY — O senhor tem convivência social com eles? Já convidou algum dos ministros militares para jantar em sua casa?
LYRA – Não. Não só eles, não convidei nenhum ministro. Eu só os encontro em recepções e solenidades ou quando o Ministério está reunido. Não tenho o hábito de fazê-lo.
“Muita gente tentou convencer o presidente de que seria bom para ele Jânio ganhar. Mas ele não embarcou nessa jamais”
PLAYBOY – Como é sua relação dentro do governo com políticos que foram seus adversários declarados, como o ministro das Comunicações, Antônio Carlos Magalhães?
LYRA — Eu me dou muito bem com ele. Porque com o Antônio Carlos é fácil: eu conheço quem é o Antônio Carlos e ele me conhece. O Antônio Carlos tem uma posição muito definida.
PLAYBOY – A posição assumida por alguns ministros na eleição municipal de novembro passado não azedou a convivência no Ministério? O chanceler Olavo Setúbal, por exemplo, foi muito criticado pelo senhor por ter apoiado o prefeito Jânio Quadros em São Paulo.
LYRA — Essa foi uma questão eleitoral, e eu como integrante de um segmento do governo fui, naquela época, duro com outros segmentos que torpedeavam o trabalho que fazíamos pelo atual processo. O que me intrigou naquelas eleições foi a aliança de pessoas comprometidas com as mudanças – porque fazem parte de um governo que tem como objetivo as mudanças que a sociedade reivindica – com expoentes da velha República. Na época fiquei intrigado. Depois, passou. O processo se encarrega de diluir isso.
PLAYBOY – Mas o chanceler Olavo Setúbal não fez em São Paulo a mesma coisa que o senhor fez em Recife?
LYRA — Não.
PLAYBOY – O chanceler Olavo Setúbal apoiou um candidato que não era do PMDB. O senhor também.
LYRA – É bem diferente. Eu apoiei um candidato que era o preferido de 80% do PMDB, mas que circunstancialmente não obteve a indicação oficial do partido. A legislação eleitoral mudou pouco antes das convenções e permitiram–se filiações de última hora. O grupo do outro candidato fez essas filiações. Com ela, conseguiu uma maioria eventual em cinco das nove zonas eleitorais do Recife. Nas outras, nem chegou a haver disputa, porque não estavam formadas as zonas, não deu tempo.
PLAYBOY – Sua posição não contribuiu para piorar ainda mais as relações dentro da Aliança Democrática?
LYRA – Minha posição ajudou a consolidar um processo de uma facção política pernambucana que tem uma história. Eu fiquei a favor da minha história, da história da resistência. O candidato que eu e meus companheiros apoiamos, o Jarbas Vasconcelos, tinha um embasamento na cidade que ninguém tinha. A prova disso é que, apesar de dispor de 5 minutos por dia de propaganda na televisão, contra 32 do candidato oficial, nós ganhamos. Já a posição do doutor Olavo é diferente. Eu não apoiei ninguém da velha República, ninguém comprometido com Maluf, com Delfim, ninguém que tivesse em mente a anarquia partidária. Além disso, diretamente nos comícios ou em mensagens pela televisão, eu trabalhei para o PMDB em todos os Estados brasileiros. Sem usar nada da máquina do governo: só minha palavra.
PLAYBOY – Já que falamos nas eleições do ano passado, é verdade que muita gente no governo federal torceu pela vitória de Jânio em São Paulo?
LYRA — Foi.
PLAYBOY – Não faltou quem dissesse que o próprio presidente, ao menos durante algum tempo, também torceu…
LYRA — Acho que muita gente tentou convencer o presidente de que seria bom para ele Jânio ganhar, porque ele se livraria do PMDB. Mas acho que o presidente não embarcou jamais nessa. Em todas as vezes em que esteve comigo, ele sempre se preocupava com o Fernando Henrique. Ele sempre me disse que investisse em Fernando Henrique. Ele foi muito explícito.
PLAYBOY — Dos ministros que não são do PFL, quem torceu por Jânio?
LYRA — Eu acho que não houve envolvimento com a candidatura Fernando Henrique como deveria haver. Não houve uma determinação. O assunto já foi muito conversado, mas eu acho que em São Paulo não foi o candidato (Jânio) quem ganhou, foi o PMDB que perdeu. E nos outros Estados onde o PMDB perdeu ou não foi bem, geralmente foi porque se preocupou muito com o equilíbrio no centro, o PT e o PDT entraram pela esquerda e conseguiram chegar. Foi o caso de Fortaleza, Goiânia, Rio, São Paulo…
PLAYBOY — Mas o senador Fernando Henrique teria perdido em São Paulo por esta razão?
LYRA — Eu não gostaria de revelar isso, mas vou revelar. A candidatura de Fernando Henrique, o sucesso de Fernando Henrique ia ofuscar muita gente. Houve falta de empenho das grandes lideranças do PMDB em São Paulo. Uma espécie de ciúme precoce. No fundo, o pessoal via Fernando como candidato a presidente. Ele é uma peça muito importante, um quadro muito interessante. Eu acho que ele ainda tem futuro político. Afinal, o próprio doutor Tancredo chegou à Presidência da República tendo perdido no passado uma eleição para o governo de Minas.
PLAYBOY – Só uma última pergunta sobre a eleição de São Paulo: o senhor compartilha da tese, bastante disseminada, de que a instalação de Jânio como prefeito “zerou” a política brasileira e agora se tem que repensar tudo?
LYRA – Isso tem um pouco de megalomania paulista. Jânio foi eleito prefeito de São Paulo. (Enfático) E só! Só! Ele, logo após a eleição, começou até a falar que o presidente tinha que mudar o Ministério e inclusive me citou nominalmente. Eu respondi que ele era prefeito de São Paulo e tinha que cuidar do secretariado municipal. Só. Ele vai ter que cuidar de buraco de rua. E dar segurança ao povo (irônico), que ele prometeu muito. Tem que dar segurança ao povo!
PLAYBOY – Quando o citou nominalmente, o prefeito Jânio chamou–o de “ministro de moralidade duvidosa”, referindo-se ao episódio de 1980 em que o senhor e a esposa do então senador Marcos Freire foram obrigados a deixar–se fotografar num motel de Brasília. Os detalhes da história como o senhor narrou já estão um pouco apagados pelo tempo. O senhor pretende deixar que fique prevalecendo a interpretação de seus adversários?
LYRA — Cada um de nós carrega uma cruz, não é? Minha cruz é este episódio de 1980, que já foi reiteradas vezes explorado. Foi algo que magoou muito a mim, à minha família, à família de Marcos Freire. Mas para mim é um caso superado – tanto é que hoje eu estou no poder e nunca pensei em resolvê-lo — e que eu não comento.
PLAYBOY – O deputado Paulo Maluf o desafiou há algum tempo a, como ministro da Justiça, apurar o caso e prender os culpados.
LYRA — Não tenho como apurar, porque nem processo há.
PLAYBOY — Mas não faz sentido realizar diligências policiais?
LYRA – Não faz, porque tudo à época foi feito sem denúncia formal. A verdade é que para mim é um assunto morto, até porque não compete só a mim, envolve outras pessoas — a minha família e a de Marcos Freire.
PLAYBOY – Não seria interessante para o senhor que a Polícia Federal investigasse o assunto? A revista Veja, recentemente, disse que tinha gente do general Octavio Medeiros, à época chefe do SNI, envolvida no caso.
LYRA — Eu tenho outro caso sério que não tive condições de apurar – e estou pagando um pouco por isso que é o assassinato de um grande líder municipal de Caruaru. Foi assassinado, todo mundo sabe praticamente quem mandou, quem não mandou, e eu não tenho como resolver isso.
PLAYBOY – Mas o senhor não pode simplesmente mandar investigar?
LYRA – Acho que seria uma tentativa frustrante e que não me faria bem resolver esse episódio todo. Para mim é assunto encerrado. Os que fizeram já devem estar pagando caro, eu não tenho dúvida disso.
PLAYBOY — Como assim?
LYRA – Quer dizer, só o susto que eles têm em saber o que eu poderia fazer na hora que quisesse, e não faço, já é suficiente.
PLAYBOY – Retomando o fio da meada: o senhor disse há pouco que a postura “centrista” do PMDB em algumas capitais foi que levou o partido a perder terreno em novembro passado. Essa seria, então, para o senhor, a lição fundamental das urnas?
LYRA – A sociedade brasileira, pelo resultado das eleições nas capitais, demonstrou claramente que quer mudanças. Por outro lado, em que pese haver aparente contradição, este governo tem que implementar a institucionalização do país como está fazendo, convocando a Constituinte como já fez, eliminando todo o entulho autoritário para poder executar as mudanças com a hegemonia que advirá certamente da eleição deste ano. Este governo que está aí não pode ser de mudanças profundas porque ele é de transição. O PMDB tem que permanecer sintonizado com as aspirações populares e dizer claramente que, embora esteja no poder, essas transformações não podem ser feitas ainda. E isto porque ele faz parte de um governo de transição, heterogêneo, e pelas forças retrógradas que integram o mesmo governo, decorrentes de uma aliança que deve sustentar este governo até a eleição da Constituinte.
“Cada um de nós carrega uma cruz, não é? A minha é este episódio das fotos no motel em 1980. Mas para mim é assunto encerrado”.
PLAYBOY – Uma postura deste tipo do PMDB — denunciar seus parceiros — não implodiria a Aliança Democrática?
LYRA — Mas pior do que isso é perder sua identidade. Quando o PMDB perde a identidade, é confundido com o PDS.
PLAYBOY – Em novembro já não aconteceu isso?
LYRA – Exatamente nos lugares em que o partido ficou no centro, sem manter sua identidade mudancista bem definida, ele entrou pelo cano.
PLAYBOY — Mas a opinião pública, o eleitorado tem paciência para aguardar pelas transformações até o final da transição? Não seria mais fácil pegar o barco das diretas–já este ano?
LYRA – Se não houver por parte do PMDB a competência para fazer mudanças, aí realmente é mais fácil para a opinião pública entender o apelo do imediatismo. É claro.
PLAYBOY – As diretas–já têm chance de ser aprovadas, se a campanha eventualmente pegar fogo nas ruas?
LYRA – As eleições diretas já estão inseridas na Constituição. Qualquer coisa a partir de agora seria em cima do mandato do presidente Sarney. A campanha não é pelas diretas, mas pelo encurtamento do mandato do presidente, que equivale a uma cassação. Ele já manifestou o desejo de que seu mandato seja de quatro anos, mas quem vai decidir isso será a Constituinte.
PLAYBOY – O atual Congresso não tem poderes para isso?
LYRA — Tem, mas não vejo como fazê-lo e não acredito que esses movimentos, mesmo que cresçam, tenham condições de superar os dois terços necessários de votos da Câmara e do Senado. Você não pode fugir ao pragmatismo: é uma questão de números. Não adianta imaginar diretas–já porque elas têm que passar pelo Congresso. E o governo, em qualquer circunstância, terá pelo menos um terço para conter o processo. Além do mais, diretas é uma coisa, mas diretas para cassar o mandato do presidente acho que é uma coisa que não pega.
PLAYBOY — O senhor referiu–se às transformações que a Nova República fez no terreno político e institucional. Mas o próprio prefeito Jarbas Vasconcelos, seu aliado, que reconhece esses avanços, critica o governo por pouco ter realizado nos terrenos social e econômico. Por que ocorre isso?
LYRA – Em função da composição política. O problema da ineficiência da máquina governamental. A máquina do governo não anda, por causa da tecnocracia, que precisa ser quebrada – toda quebrada. Tem–se que implementar uma ação vigorosa. Agora, não é reforma de Ministério que resolve isso. É decisão política.
“Quinze trilhões de cruzeiros no caso desses bancos! Dava para fazer dez reformas agrárias, irrigar todo o Nordeste”.
PLAYBOY – E decisão política está faltando a quem?
LYRA — Falta botar para quebrar.
PLAYBOY – Mas quem, exatamente, deve fazer isso?
LYRA — Tem que ser o governo como um todo. Não adianta só o presidente falar, só um ministro falar. O ministro Gusmão, por exemplo, botou para quebrar no caso do IAA (Instituto do Açúcar e do Álcool) e do IBC (Instituto Brasileiro do Café) e não houve consequência nenhuma até agora. Ele não pode dar sequência à sua ação. Já são meses de governo, e até agora – por conta da defasagem na legislação – não tem ninguém punido. E tem ladrão à beça aí para ser posto na cadeia.
PLAYBOY — Mas é a Nova República que está no poder, e até hoje nenhum graúdo foi para a prisão. Por quê?
LYRA — Tem a questão da legislação e tem uma certa tolerância.
PLAYBOY – O senhor acha que a opinião pública entende essa situação?
LYRA — Não. Eu mesmo, como ministro, me angustio. Imagine o povo.
PLAYBOY — Então qual é a saída para botar finalmente os ladrões na cadeia?
LYRA — A saída é a imediata mudança da legislação, é criar condições imediatas para punir esse pessoal todo.
PLAYBOY — Mas, ministro, não existe um Código Penal em vigor?
LYRA — A Justiça é muito vagarosa, muito demorada, muito defasada. Eu estava vendo um dia desses na televisão o julgamento dos sequestradores do navio italiano Achille Lauro. Aqui no Brasil eles iriam ser julgados daqui a uns cinquenta anos. Daqui a dois anos é que o caso iria dar entrada num tribunal.
PLAYBOY — Mas na sua própria área, o Ministério da Justiça, qual foi o grande canalha nacional que foi denunciado no Judiciário? Escândalos é que não faltam…
LYRA — Teve o pessoal do Brasilinvest, houve alguns outros, tem um processo pendente envolvendo os ex-ministros Delfim Netto e Ernane Galvêas na Procuradoria–Geral da República, mas que ainda está tramitando, e teve o processo do (ex-ministro da Justiça Ibrahim) AbiAckel, que independeu de ação interna, porque veio do exterior. Agora, veja você: esse caso dos bancos Comind, Auxiliar e Maisonnave. Sete, 12, não sei quantos… 15 trilhões de cruzeiros! Isso aí dava para fazer dez reformas agrárias, dava para irrigar o Nordeste todinho, dava para eliminar uma série de carências — tudo por conta das falcatruas dos poderosos. E não há uma providência eficaz. São essas mudanças que a sociedade espera.
PLAYBOY – No caso de providências contra falcatruas dos poderosos, não é uma conta que se possa debitar exatamente ao senhor?
LYRA — É capaz. Eu tomei todas as providências, mas isso não é uma questão do ministro da Justiça. Ora, só porque os processos estão tramitando – processos anteriores à minha gestão, como o caso Coroa-Brastel, que é do tempo do Figueiredo – já está uma guerra contra mim!
PLAYBOY – E as mudanças de legislação que o senhor considera necessárias para punir os prevaricadores? Por que o senhor não tomou as providências para alterá-la?
LYRA – Eu adotei algumas iniciativas isoladas. Não existe uma determinação política para fazer as leis para isso.
PLAYBOY – Pelo seu tom, ministro, somos obrigados a interpretar que o problema, então, está no presidente da República?
LYRA – Não. O presidente tem demonstrado querer que sejam evitados novos escândalos, evitada a corrupção. Ele tem tomado providências. O negócio é mais profundo, entendeu? Eu confesso a você que mal sei definir o que é.
PLAYBOY – O senhor imagine então a opinião pública!
LYRA – Creio que deve ser a forma como o governo foi composto, a forma da transição – é por aí. É isso que faz com que essas medidas drásticas não sejam efetivadas no ritmo que o povo exige.
PLAYBOY – Qual seria a solução política, então? O PMDB ganhar estourado as eleições deste ano, fazer maioria e ter uma hegemonia completa no governo?
LYRA — Acho que sim.
PLAYBOY – Quer dizer, então, acabar com a Aliança Democrática?
LYRA – Eu acho que sim. A partir das eleições deste ano, eu acho que o PMDB deve botar para quebrar, ganhar a eleição e ter hegemonia no governo para fazer as transformações. Para mim, é o lema perfeito do PMDB.
PLAYBOY – Para o PMDB, então, a Aliança Democrática tem sido um peso?
LYRA – Nós temos levado o ônus. Em que pese a Frente Liberal ter participado do processo, e eu rendo minhas homenagens à sua participação, a verdade é que em alguns locais não mudou nada por conta dessa aliança. (Enfático, elevando a voz) nada, nada vezes nada! Então o PMDB tem que tocar pra frente, fazer a maioria da Constituinte e ter a maioria do governo, para poder dar respaldo ao presidente Sarney, de forma a fazer essas transformações profundas, reais. Porque, em caso contrário, não fará. O PMDB tem o ônus sem o bônus. Quanto a mim, é porque sou político, tenho experiência e jogo de cintura. Mas se não fosse isso no Ministério da Justiça, eu não sei onde estaríamos hoje.
PLAYBOY – O seu seria o setor do governo que mais avançou?
LYRA – E o setor que mais avançou e, se não tivesse alguém de sensibilidade política (no Ministério), teriam sido usadas até leis de exceção no governo.
PLAYBOY — Quer dizer que, em sua opinião, nem nesse setor teria havido um avanço se não tivesse um político do PMDB ocupando o cargo?
LYRA – Ah, não tem dúvida.
PLAYBOY – De todo modo, esse avanço a que o senhor se refere, e cujo mérito reivindica em parte para o seu Ministério, o transformou num ministro visado, não?
LYRA – O Ministério da Justiça, desde a Nova República, vem sendo sistematicamente atacado. Mas é fácil perceber por quê. Nós contrariamos muita gente. Muitos interesses. No Ministério e na Procuradoria–Geral da República estão correndo inquéritos contra Abi–Ackel, Delfim Netto, Mário Garnero (ex-presidente do grupo Brasilinvest), Ernane Galvêas, Carlos Langoni (ex-presidente do Banco Central) e Paulo Maluf. E se o (ministro da Fazenda, Dilson) Funaro e o (Fernão) Bracher (presidente do Banco Central) encontrarem irregularidades nas administrações do Comind ou do Auxiliar, por exemplo, e nos solicitarem, novos inquéritos serão abertos também. Tem casos muito sérios aí. O Delfim vai ser indiciado em processo. E é importante que eu caia antes disso. O Delfim prevaricou durante a sua gestão e tem medo de que isso apareça, porque – infelizmente – ele sempre mandou nesse país. Essa gente toda, é natural que não goste do ministro da Justiça, e tente de todas as formas derrubá-lo.
PLAYBOY — Como?
LYRA – No começo, me chamavam de comunista e me acusavam de estar cercado de comunistas. Não sou nem nunca fui comunista, e não vou cassar ninguém por motivos ideológicos. Sempre que existirem comunistas competentes e democratas, nada vejo de mal que trabalhem comigo em favor do país. A acusação de comunista não pegou. Depois me acusaram de apoiar um candidato do PSB no Recife, o Jarbas Vasconcelos, sendo eu do PMDB. Quebraram a cara. A vitória de Jarbas mostrou qual era o PMDB real, como eu já disse. O presidente Sarney, que é do PMDB, acabou indo a São Luís votar no candidato do PFL. Está errado o Sarney? Nada disso. Estamos certos, eu e ele.
PLAYBOY – Que mais?
LYRA – Depois vieram com aquela história de que eu não servia para ministro porque não era jurista. Ora, eu não vim para aplicar a lei autoritária, eu vim para mudar a lei. Eu vim para abrir o debate na sociedade sobre a Lei de Imprensa, a Lei de Segurança Nacional, a legislação sobre censura. Só o político pode abrir esse debate e ter a sensibilidade de encaminhar o que a sociedade quer. Para isso me cerquei dos melhores juristas do país: o Evandro Lins e Silva, o José Paulo Pertence, o Técio Lins e Silva. Nas comissões de reforma de legislação temos nos ajudando o Mário Sérgio Duarte Garcia, o Fábio Comparato, o Carlos Leone, o Evaristo de Moraes. Se fosse para aplicar a lei autoritária, o melhor mesmo era o Buzaid, e não eu. Faço questão de ser à esquerda do Ministério. Eu estou ali para promover mudanças.
PLAYBOY – Agora, para falar de uma questão pessoal: mesmo empenhado nessa tarefa, o senhor é tido como um leitor compulsivo de jornais e revistas. O poder permite que o senhor leia o quê?
LYRA — Leio diariamente, a partir de 6 e meia, 7 horas da manhã, a sinopse dos jornais preparada pela EBN (Empresa Brasileira de Notícias, ligada ao Ministério da Justiça), o Correio Braziliense e o Jornal de Brasília. Quando estou em Pernambuco, leio os jornais da terra. Leio sistematicamente o Jornal do Brasil, O Globo, O Estado de S. Paulo e a Folha de S. Paulo. Passo a vista na Gazeta Mercantil e vejo sempre a capa do Jornal da Tarde e da Tribuna da Imprensa. Leio semanalmente as revistas todas: Veja, IstoÉ, Afinal, Fatos e Senhor. Bem, leio, vírgula: vejo o que mais me interessa. Leio também PLAYBOY, sistematicamente. E em meu gabinete recebo recortes de todos os jornais relativos a assuntos importantes do Ministério.
PLAYBOY – O senhor gosta de PLAYBOY?
LYRA — Gosto. Eu acho a revista muito dinâmica, cheia de vida. É uma revista que completa a leitura do cotidiano. Gosto muito dela.
“O Delfim prevaricou durante sua gestão e vai ser indiciado em processo. E importante que eu caia antes disso”.
PLAYBOY – Dá para ver televisão?
LYRA — Quando posso e estou em casa, assisto aos telejornais da noite. Vejo o Bom Dia Brasil. Lamentavelmente, não posso mais ver novelas. Não dá. Quando Roque Santeiro terminar, vou pedir à Globo um compacto. Foi uma novela muito censurada no passado e hoje é algo marcante.
PLAYBOY – E cinema?
LYRA – Infelizmente, não tenho mais condições.
PLAYBOY – Nem o célebre cineminha da Censura?
LYRA –– A esse eu nunca fui.
PLAYBOY – Teatro?
LYRA — Quando ia ao Rio, frequentava teatro, antes de ser ministro. Agora, não me lembro de ter ido.
PLAYBOY – E livros, dá para ler?
LYRA – Muito pouco. A minha leitura compulsória é tão grande que A Insustentável Leveza do Ser (de Milan Kundera) está há sessenta dias na minha cabeceira e eu não consigo terminar. Agora estou lendo Olga, de Fernando Morais.
PLAYBOY –– Qual foi o último livro que o senhor conseguiu terminar?
LYRA — (Pensativo, fazendo longa pausa) Deixe–me ver… Nossa Senhora, eu não me lembro! Ah, já sei: foi o livro Assim Morreu Tancredo (de Antonio Britto e Luís Cláudio Cunha). Bem, foi meio leitura de trabalho – um documento sério.
PLAYBOY — O senhor leu algum livro do presidente José Sarney?
LYRA – Olha, eu vou confessar… Eu li Os Marimbondos de Fogo. Na época em que ele lançou (1979). Fui ao lançamento, ele ainda era senador. (Pausa) Aliás, uma pergunta parecida me foi feita à saída do gabinete pelo repórter Ernesto Varela. Ele queria saber se eu tinha lido algum livro dele e o que eu achava de um presidente poeta. Eu disse: “Feliz de um povo que tem um poeta presidente”.
PLAYBOY – O senhor leu algum outro livro do presidente?
LYRA — Não. Só esse.
PLAYBOY – E o senhor gostou?
LYRA — Gostei. Na época não me chamou a… Quer dizer, hoje você lê já com um outro significado…
PLAYBOY — Na época não chamou sua atenção, então?
LYRA – … e outro dia eu passei a vista em alguns contos desta coletânea (Dez Contos Escolhidos). Aliás, eu estava com o presidente quando ele recebeu a edição. Tem até um conto dele sobre a reforma agrária, ainda escrito no Maranhão, quando ele era governador. E ele me disse: “Tá vendo? Minha luta pela reforma agrária não é de agora, não. Ela vem de longe”. (Risos)
PLAYBOY – Cá pra nós, o senhor acha que o presidente leva jeito?
LYRA – Leva. O presidente é um sentimental, um homem que gosta das coisas da terra, um homem fiel às suas origens. É um embasamento fundamental para quem desenvolve atividade literária.
“Livro do presidente Sarney? Li Os Marimbondos de Fogo. Na época não me chamou a atenção. Mas acho que ele leva jeito”.
PLAYBOY — Voltando à política e deixando o lado literário do presidente: há quem veja na sua situação também um ministro da Justiça esvaziado de seu papel de coordenador político do governo Sarney.
LYRA — Eu só sei fazer as coisas e cumprir as tarefas – e foi assim durante todo o tempo do doutor Tancredo – quando recebo delegação específica. Muitas e muitas vezes ele determinava: “Vá e resolva”. E eu fui e resolvi. Não foi por outra razão que ele me designou ministro da Justiça. Além disso, eu tinha um entendimento político de tal ordem com o doutor Tancredo que nós, como se diz na linguagem futebolística, jogávamos no escuro. Eu imaginava as dificuldades por que ele iria passar e aplainava os caminhos para ele percorrer. Ele tinha em mim uma confiança absoluta. Com o presidente Sarney, embora eu mantivesse um bom relacionamento desde a primeira hora, desde sua época de senador, nós nunca tínhamos tido relações políticas. E eu acho que coordenação política só se tem à medida que se adquire a confiança absoluta. Absoluta! E eu não poderia exigir isso do presidente Sarney ainda. Mas não me sinto substituído por ninguém. E fico muito tranquilo quando essa coordenação hoje é exercida pelo próprio presidente – porque ele é realmente o coordenador político. O presidente tem requisitos que reputo fundamentais num homem público. Ele tem sensibilidade política, tem percepção, tem visão. O presidente Sarney tinha se preparado para ser vice, teve que assumir todos os encargos e compromissos do doutor Tancredo sem conhecê-los na maioria dos casos – porque a rigor só o doutor Tancredo tinha os detalhes – teve que atravessar um desafio e um período muito difíceis, e tem se saído muito bem.
PLAYBOY – Como foi aquela “bronca” que o senhor teria levado do presidente quando faltou a uma audiência em novembro?
LYRA – Não houve nada daquilo! Minhas audiências com o presidente são sempre às segundas–feiras, às 11 horas. Com o término das eleições, houve uma inversão: o Conselho Político se reuniu na segunda, no horário da minha audiência, que foi transferida para terça. Mas não fui avisado a tempo. Como eu tinha conversado com o presidente durante a reunião do Conselho Político, feita no horário da minha audiência, e como ia conversar novamente com ele na quarta–feira, quando ia levar o Jarbas Vasconcelos ao Palácio, não fui na terça – e não explicaram a ele que foi por causa disso.
PLAYBOY – Ele ficou agastado?
LYRA – Não, ele disse normalmente: “Você então não veio à audiência ontem? O ministro não tem nada para despachar…” Num tom de brincadeira, não de repreensão. Não recebo repreensão nem de meu pai, principalmente em público. Fiquei quieto sobre o episódio porque sei engolir. Mas o que saiu publicado foi totalmente distorcido.
PLAYBOY – O senhor disse que muitas vezes recebia do doutor Tancredo missões do tipo “vá e resolva”. Cite um exemplo.
LYRA – Na época da formação do Ministério dele, havia uma luta interna muito grande na Bahia porque o doutor Tancredo queria fazer o Carlos Sant’Anna ministro da Saúde. Os dois candidatos eram ele e o (ex-governador) Roberto Santos. Eu lutava muito por Sant’Anna, que é deputado: entre dois companheiros que tivessem força, em que pese apresentassem qualidades iguais, eu sempre optava junto ao doutor Tancredo por aquele com representação na Câmara dos Deputados, porque a gente precisava de apoio ali. Um dia o doutor Tancredo me chamou: “Olha, Lyra, vai ser o Sant’Anna, mesmo. Agora, encontre casualmente o Roberto Santos e comunique isso a ele”. Eu disse: “Mas eu não tenho muita aproximação com o Roberto”. E o doutor Tancredo: “É, mas encontre–o casualmente e dê a notícia”. Eu dei.
PLAYBOY – E como foi que o senhor preparou o encontro casual?
LYRA — Eu sabia que o professor Roberto Santos iria ter uma entrevista com o doutor Tancredo no dia seguinte às 3 e meia da tarde, cheguei às 2 e meia no escritório do presidente e fiquei aguardando. Quando ele chegou, eu comecei a conversar e disse que estava com uma posição difícil de colocar, mas que o pleito da bancada era o Carlos Sant’Anna e ele, Roberto Santos, como líder do grupo (no PMDB baiano), deveria ser o primeiro a saber.
PLAYBOY — Essa foi, portanto, uma missão do tipo “vá e resolva”. Para entendermos um pouco mais dos bastidores da formação da Nova República, qual seria um exemplo de situação em que o senhor, jogando no escuro com o doutor Tancredo, intuiu alguma dificuldade e aplainou o terreno para ele?
LYRA — Quando o doutor Tancredo viajou para a Europa, em janeiro do ano passado, já eleito, eu fui para o Rio imaginando os problemas que ele teria par a formação do Ministério. E procurei algumas pessoas que eu sabia que ele iria convidar para o governo, mas cujo convite lhe traria problemas. Um deles foi Renato Archer (atual ministro da Ciência e Tecnologia). Fui à casa de Renato por conta própria e, conversando com ele, perguntei: “Você gostaria de ser ministro?” Ele disse: “Claro, estou à disposição do doutor Tancredo”. Eu lhe disse que estava certo de que ele seria ministro, mas que não deveria insistir na pasta das Relações Exteriores, porque não ia ser. “Mas nunca disse que era candidato a ministro, muito menos das Relações Exteriores”, respondeu o Renato.
“Dona Risoleta telefonou para mim e disse que aquilo era um sonho do doutor Tancredo. Desliguei e chorei 5 minutos”
PLAYBOY – O que foi que o senhor anteviu, no caso?
LYRA — Eu sabia que o doutor Tancredo reservaria a pasta para a Frente Liberal, certamente para o Olavo Setúbal.
PLAYBOY — Mas o doutor Tancredo tinha lhe falado isso?
LYRA – Não. Bem, fui no dia seguinte a São Paulo e disse a mesma coisa para o doutor Ulysses. Quando o doutor Tancredo voltou e me chamou para conversar sobre o Ministério, me falou: “Eu estou com um problema com o Renato. Vou aproveitá-lo, é um companheiro do Ulysses, mas não pode ser nas Relações Exteriores”. Aí eu assegurei: “Ele aceita qualquer Ministério”. E o doutor Tancredo: “Ah, isso então me alivia muito”.
PLAYBOY – O senhor aplainou o caminho no caso de alguma outra indicação para o atual Ministério?
LYRA – Ele queria muito fazer o Waldir Pires (ministro da Previdência Social) ministro da Justiça. Mas dizia que tinha um problema: “É que eu queria talvez fazer o (Paulo) Brossard” (atual consultor–geral da República). E aí dirigiu os maiores elogios ao Waldir. Eu lhe pedi para voltar ao assunto com ele no dia seguinte à noite, e fui ao Waldir: “Waldir, você é pole position” – usei até este termo. “O doutor Tancredo gosta muito de você. Só que acho que ser ministro da Justiça é difícil.” O Waldir respondeu que nunca falara nisso — só havia dito que não queria voltar a ser consultor–geral (cargo que ocupou no governo João Goulart.) E eu: “Mas que tal a Previdência, algo assim?” E o Waldir: “Eu estou à disposição”. Aí voltei ao doutor Tancredo dizendo: “Olha, ele aceita a Previdência”.
PLAYBOY – E como foi que o senhor ficou sabendo de sua própria nomeação? Como foi a conversa com o doutor Tancredo?
LYRA — Não houve. Quem me comunicou foi o doutor Ulysses. O doutor Tancredo, mesmo, nunca me disse nada.
PLAYBOY – Com toda essa sutileza que era característica do doutor Tancredo, quando foi que ele disse ou admitiu particularmente que a parada estava ganha?
LYRA – Nunca. Ele sempre queria ganhar mais um (voto).
PLAYBOY — E qual foi o último voto que ele lutou para conseguir?
LYRA — Nos últimos dias ele não precisava batalhar (risos), nós é que dizíamos a ele: “Mas esse não dá…” (Risos) Mesmo assim, todos eles votaram. Até o José Camargo (deputado malufista do PDS de São Paulo) votou no doutor Tancredo!
PLAYBOY – Indo para o outro extremo do nascimento da Nova República: e quando é que o senhor, depois da doença do presidente, chegou à conclusão de que ele não sobreviveria?
LYRA – Várias vezes. Houve idas e vindas. (Pausa) Eu alimentava muitas esperanças, mas eu nunca me vi– é uma coisa que até hoje eu não entendo – despachando com o doutor Tancredo.
PLAYBOY – Mesmo no dia 10 ou 11 de março?
LYRA — (Enfático) Nunca! Nunca me vi. É uma coisa que…
PLAYBOY – Quando se instalou no senhor a ideia de que ele ia mesmo morrer, como o senhor avaliou sua situação pessoal? Ficava no Ministério, saía?…
LYRA – Passei três meses sem rumo. Totalmente perdido. Era minha proximidade com ele, os objetivos que tínhamos traçado… E eu que tinha falado no túmulo dele… Foi muito traumatizante. Até há bem pouco tempo eu não podia falar com algumas pessoas sobre isso porque não me controlava. Eu me lembro bem que, no dia da instalação da comissão da Constituinte, eu já ia sair de casa às 8 da manhã quando dona Risoleta ligou para mim, dizendo que era um dia muito especial, que aquilo era um sonho do doutor Tancredo, que ela estava muito feliz porque eu era muito fiel ao que ele pensou… Aí eu desliguei o telefone e fiquei 5 minutos chorando, sentado à mesa do café. E até hoje a família – Maria do Carmo, Inês Maria, Andréa – tem um carinho muito grande comigo.
PLAYBOY – O senhor deixou de fora o Aécio, neto do presidente, por que ele apoiou o candidato adversário do seu à Prefeitura de Recife?
LYRA – Não, não. Aquilo foi fruto da inexperiência do Aécio. Mas eu gosto muito dele, ele me ajudou muito naquelas primeiras horas sem o doutor Tancredo, e ajudou muito também o doutor Tancredo. Aecinho, aliás, foi quem me deu a primeira notícia sobre (minha nomeação para) o Ministério. Eu estava na casa de um amigo em Brasília, e ele me telefonou de Uberlândia: “Olha, você já está certo”. Eu perguntei: “Para onde?” Ele disse: “Para a Casa, para a Casa”. (Rindo) Ele imaginava que eu ia para a Casa Civil. Só havia duas vagas no Ministério àquela altura, e eu pensei então que iria para a Casa Civil.
PLAYBOY – O senhor acabou mesmo no Ministério da Justiça. Ali, entre outras áreas, passou a controlar a Polícia Federal. Como foi a nomeação do diretor da Polícia Federal?
LYRA — Foi num domingo, quando fui obter do doutor Tancredo um retorno da minha indicação do José Paulo Pertence como procurador–geral da República. O doutor Tancredo confirmou: “O candidato é o seu”. E dali a pouco ele me apresentou um cidadão: “Esse é um amigo meu, o coronel (Luís de Alencar) Araripe. Ele é o chefe da Polícia Federal. O seu chefe da Polícia Federal”. E acrescentou: “Entendam–se”. Na segunda–feira, eu conversei 3 horas com o coronel e não nos entendemos. Na segunda conversa, começamos a nos entender e assim estamos até hoje.
PLAYBOY – No caso da Polícia Federal, não parece condizer muito com a orientação liberalizante de seu Ministério a instituição dessa carteirinha de informante, conforme foi noticiado.
LYRA – O coronel Araripe, quando falou comigo sobre isso, não… Não é carteirinha de informante. No fundo, tenho a impressão que o objetivo dela é mais de relações públicas. Não é para polícia.
PLAYBOY — Mas, ministro, como não estamos na Noruega ou na Suíça, sabemos que no Brasil uma carteirinha dessas não é propriamente de relações públicas, não?
LYRA — A tendência disso é ser eliminado brevemente. A tendência dessas coisas é essa.
PLAYBOY – Apesar de sua orientação à Polícia Federal para que se dedicasse mais à investigação e, entre outras coisas, não efetuasse prisões em movimentos reivindicatórios, o senhor acha que a Nova República chegou a ela?
LYRA – Não. Não chegou ainda.
PLAYBOY — E por quê?
LYRA — Pelas próprias circunstâncias do modo como a Polícia Federal surgiu. Até hoje não houve condições para uma profunda reformulação.
PLAYBOY – O senhor vai então sair do Ministério deixando essa herança para o seu sucessor?
LYRA – Isso posso dizer que é um saldo negativo meu. Embora eu confie no coronel Araripe, não houve mudanças. Houve mudanças de métodos — eu consegui dar orientação nesse sentido — mas não houve uma penetração na Polícia Federal ainda como deveria ter havido. Como não houve no SNI.
PLAYBOY – E em outra área sensível do Ministério – a Censura? O senhor certamente não pretende deixar as alterações na Censura como herança inacabada…
LYRA – Acho que no mês que vem já chegam ao Congresso a reformulação completa da Censura e mais as novas leis de Segurança Nacional e de Imprensa.
PLAYBOY – No caso da Censura, a realidade brasileira é Caruaru ou Ipanema? Como isso será resolvido?
LYRA – Só tem uma saída: a classificação por idade. Porque na televisão, que é minha maior preocupação, não tem como fazer diferente. É um ônus que a gente paga pela centralização da geração da imagem. O resto é fácil.
PLAYBOY – Como assim?
LYRA — Eu acho que, como orientação geral, o resto tem que ser tudo liberado. Porque há a classificação por idade e a questão da opção – vai quem quer. Com exceção do problema do tóxico, da indução ao consumo. Aí se tem que ser firme, e nesses casos se vai pela lei dos entorpecentes, que é bem nítida e clara: não pode. Mas eu estou tentando ver se dá, no caso da televisão, para criar instrumentos de forma a que a sociedade mesma possa decidir o que quer ver em casa. Isso não é para deliberação do Estado. Não dá para passar O Último Tango em Paris às 11 e meia da noite e o Estado impedir que uma criança de 9 anos assista. Estamos ouvindo diversos setores para ver se chegamos a uma conclusão. Ficar a decisão só com o Estado é um perigo.
PLAYBOY – E a censura política?
LYRA – Esta acabou desde o dia 15 de março de 1985.
“O beijo da Lulu em Roque Santeiro? Eu vi casualmente, depois de liberado, no Jornal da Globo. Liberei a cena sem ver”.
PLAYBOY — Com relação à censura de costumes, que tipo de pressões o senhor tem recebido?
LYRA – Tem coisas incríveis. A gente recebe pressões de todos os lados. Outro dia uma jornalista que escreveu uma matéria enorme condenando a Censura Federal no tocante a Roque Santeiro me pediu, particularmente, para tomar cuidado com os Trapalhões, que, segundo ela, usam um gênero infantil e jogam pornografia lá dentro. Dos conservadores recebo muitas cartas contra a “liberalidade”. Outro dia também reclamaram de umas publicidades que estão passando na televisão – assunto para ser decidido pelas próprias agências, reunidas no Conar o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária). É assim.
PLAYBOY – E em sua casa, a sua mulher, por exemplo, concorda com a nova posição sobre censura?
LYRA – Ela não reclama. Agora, a minha filha Renata, a do meio, que tem 14 anos e vai fazer 15 e assiste muita televisão, reclama — mas da existência de censura. Reclama muito. Diz que existe censura em uns canais e em outros não, e acha que não tem sentido ter censura. A opinião, lá em casa, é liberalizante.
PLAYBOY — E qual é a opinião dos eleitores do deputado Fernando Lyra, lá em Caruaru?
LYRA – Nenhuma reclamação.
PLAYBOY – Já que o senhor tocou no Roque Santeiro, como foi sua participação na novela, mandando restabelecer o beijo que a personagem Lulu, que é casada, dava em Ronaldo César?
LYRA — Eu estava fora – eu não estava acompanhando a novela porque não posso —, tinha viajado aos Estados Unidos. Na volta, o beijo tinha sido cortado por um censor, com o concerto de mais quatro censoras. A atual lei de censura dá ao censor de plantão poder absoluto, mas a orientação prévia que eu tinha ordenado era não utilizar esta lei. Eu mandei considerar.
PLAYBOY — Com base em que iniciativa? O autor da novela, Dias Gomes, falou com o senhor?
LYRA – Não, o Dias Gomes falou com o Coriolano (Cabral Fagundes, diretor da Divisão de Censura de Diversões Públicas da Polícia Federal, que também estava ausente na ocasião). Aí eu chamei e mandei fazer.
PLAYBOY – Como o senhor tomou conhecimento do caso?
LYRA — Pela imprensa.
PLAYBOY — Como a cena em que o beijo deveria entrar já havia passado, a Globo colocou–a no ar como um flashback. O senhor chegou a ver o beijo?
LYRA – Vi casualmente, no Jornal da Globo, depois que foi liberado.
PLAYBOY – Então o senhor mandou liberar sem ver?
LYRA – Mandei. E quando o Dias Gomes falou com o Coriolano, eu já tinha tomado a decisão.
PLAYBOY – E no caso do filme de Jean–Luc Godard, Je Vous Salue, Marie, que acabou gerando uma onda de protestos por não ter sido exibido no recente FestRio, qual foi sua participação?
LYRA – (Rindo) Tem aquela história que diz: “Não nego nada”.
PLAYBOY – A Igreja fez uma grande pressão. O senhor foi procurado por pessoas da Igreja?
LYRA – Não. Eu soube que dom Eugênio (Salles, cardeal–arcebispo do Rio de Janeiro) estava muito preocupado com isso e telefonei para ele. A Igreja não nega as pressões que fez: fez publicamente. O papel do Ministério da Justiça foi promover a negociação entre as duas partes envolvidas. A CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) protestou, a empresa exibidora foi sensível aos protestos, disse que não iria entregar o filme para o festival, e ponto final. É preciso deixar de pensar que quem resolve tudo neste país são o Estado e o governo.
PLAYBOY – Que orientação o senhor dará ao chefe da Censura quando ele lhe telefonar e comunicar que Je Vous Salue está lá:
LYRA — Eu prefiro que não chegue (sorrindo). Mas, em relação à Censura, se comparado o quadro atual com dona Solange (Hernandez, ex-chefe da Censura no governo Figueiredo), a diferença é brutal. E sem ter mudado a lei ainda!
PLAYBOY – Essa postura liberalizante do Ministério em diversas questões, como a da censura, poderá vir a incluir num futuro previsível as drogas que alguns consideram “leves”, como a maconha?
LYRA – Não, não há nenhum estudo nesse sentido.
PLAYBOY – O senhor é contra?
LYRA – Sou contra.
PLAYBOY – O senhor teve alguma experiência com drogas quando jovem?
LYRA — Nunca.
PLAYBOY – E na sua família? Filhas, sobrinhos?
LYRA – Que eu conheça, ninguém.
PLAYBOY – O senhor discute muito essa questão com suas filhas?
LYRA – Converso muito sobre isso, sobretudo com minha menina mais velha, Patrícia. Minhas filhas nunca me deram esse tipo de preocupação. A mais velha mesma foi para os Estados Unidos e na volta me falou que os colegas dela fumavam, mas que ela nunca fumou.
PLAYBOY – Seria fruto da educação da família Lyra?
LYRA — Não sei. Eu me considero nesse aspecto um felizardo, porque tenho amigos que educaram os filhos bem, como eu imagino que educo as minhas, e tiveram problema de droga. É um problema muito grave.
PLAYBOY – Drogas chamadas “leves”, então, não. E a eterna reivindicação feminista de liberalizar os casos de aborto, estaria na pauta da Nova República?
LYRA — Isso aí não tem consenso na sociedade. É setorial mesmo. Só um segmento da sociedade é que admite.
PLAYBOY — Para encerrar a entrevista: é a primeira vez que um ministro da Justiça fala a PLAYBOY na história da revista. Que significado o senhor vê nisso?
LYRA – É uma prova de que mudou muita coisa, e não foi PLAYBOY que mudou (risos).