Cinco repórteres políticos de Brasília, Rio e São Paulo refletem aqui sobre o mês de agosto, com as crises que o marcaram ontem e que podem marcá-lo agora. Há motivos para temer agosto? O governo tem motivos para temer este agosto de 68? Um dos textos, o de abaixo, coube ao titular deste site.

O confinamento de Jânio seria um sintoma de endurecimento? 

Agosto chegou, finalmente, e com ele a expectativa generalizada na área parlamentar sobre o que poderá acontecer. Os governistas dizem que o endurecimento dependerá menos do governo do que dos estudantes, dos trabalhadores, dos setores intelectuais, do clero e dos srs. Juscelino Kubitschek e Carlos Lacerda. 

Há quem veja tudo negro no horizonte, como o deputado Clovis Stenzel [ARENA-RS, considerado porta-voz da “linha dura” militar no Congresso], que anuncia a céus e terras a possibilidade de novos atos institucionais, como forma de conter a “contra-revolução em marcha”.  Outros, como o senador Dinarte Mariz [ARENA-RN], são de opinião contrária. O senador não poderia fazer restrições a agosto, senão por outras razões, ao menos por ser o mês que o trouxe ao mundo.

Mas Dinarte acha que não há necessidade de atos. A Constituição dá ao governo meios para controlar o País. O presidente Costa e Silva está fazendo um bom governo. O povo está insatisfeito não com o governo, mas com o regime, que não oferece ao País perspectivas de mudança. O senador, contudo, não sabe dizer qual o regime ideal para o País. Diz que é assunto para especialistas – economistas, sociólogos. 

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Abertura do original da matéria publicada © Reprodução

A oposição está preocupada. Acha que o confinamento de Jânio [o governo havia punido o ex-presidente Jânio Quadros por ter feito declarações políticas apesar de estar com os direitos políticos suspensos, com pena de confinamento por 180 dias, previsto na legislação excepcional do regime militar, em Corumbá, então no Mato Grosso, hoje Mato Grosso do Sul], embora não seja sintoma de endurecimento por si só, poderia ser o início, já que agosto promete muito em matéria de movimentação.

Senão, vejamos:  Para hoje está prevista decretação de greve geral na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Os estudantes protestarão contra o não atendimento de suas reivindicações. Em São Paulo, anunciam-se manifestações de apoio a padres e estudantes detidos. No Rio Grande do Sul, o protesto será contra o aumento dos preços de passagens dos coletivos. 

No correr do mês há eleições estudantis em diversos Estados, a começar pela Guanabara e por Brasília. Não bastasse isso, a extinta UNE recomendou, em documento elaborado pelo seu conselho nacional, que os estudantes resistam com violência à repressão policial. Por todo o País organizam passeatas, comícios, demonstrações. 

Mesmo assim os oposicionistas, a começar do próprio líder [do MDB na Câmara, deputado] Mario Covas, acham positivo o episódio Jânio. Acham que é bom que o ex-presidente se tenha incorporado ao “esquema geral de contestação do regime”. Consideram que dia a dia aumenta o número dos que acham que a redemocratização é a única saída para a crise permanente em que o País se vê mergulhado.

Entendem que não podemos continuar numa democracia consentida, onde tudo vai bem até que se contestem os “donos da verdade”.  Para o MDB o País não pode continuar vivendo num clima de desconfiança do regime para com a opinião pública, e não pode continuar sem canais por onde essa opinião pública se manifeste. 

Diante disso, consideram os oposicionistas que o ex-presidente presta uma colaboração à abertura democrática, na medida em que ajuda a aumentar o fosso existente entre o regime e as legítimas aspirações nacionais.

Quanto mais largo e profundo for esse fosso, no ponto de vista do MDB, maior é a possibilidade de se iniciar uma transformação radical, pois ficará cada vez mais evidente a todos – inclusive e principalmente aos militares – a necessidade da mudança.  A oposição, pois, embora preocupada, não está pessimista. 

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Fragmento da matéria publicada que contém este texto © Reprodução

Lacerda não quer falar. No momento, dessa área, o governo não tem o que temer. Quanto a Juscelino Kubitschek, deverá continuar em silêncio. Pelo menos, é o que anunciam seus amigos. Assim, se depender de Juscelino, o endurecimento não virá agora. Pode vir mais tarde, pois Juscelino, segundo seus amigos, acha que um pronunciamento oposicionista só terá sentido quando contribuir, efetivamente, para a redemocratização. Juscelino acha que, por ora, atrapalharia.  Somando-se ao de Jânio, poderia virar a mesa. Há outro fator importante: Juscelino quer agir em faixa própria, e além disso é pessedista.

Artigo de Ricardo Setti publicado no Jornal da Tarde, de São Paulo, a 3 de agosto de 1968, um dos cinco editados na mesma página sob o título “Profecias de agosto”

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