“Enquanto a oposição contestar o regime, o governo tem o direito de baixar Atos Institucionais” – dizia ontem o senador Dinarte Mariz [Arena-RN, tido como porta-voz da “linha dura” militar no Senado]. A opinião do senador vai diretamente ao encontro das apreensões que assolam o Congresso, e que ontem atingiam o seu maior grau nesta semana.
A declaração de Dinarte, se não reflete intenções, pelo menos faz coro a um dos boatos que percorrem a área política, que está cheia deles. O sigilo em torno da reunião do Alto Comando do Exército, por seu turno, os estimula e fomenta as apreensões.
O que se sabia ontem sobre a reunião era ainda “rigorosamente nada”, no dizer de uma das mais altas expressões da Arena, político geralmente muito bem informado. A desinformação inclui toda a área civil, não se excetuando sequer o ministro Rondon Pacheco [chefe da Casa Civil da Presidência], pelo menos até ontem.
Apenas o marechal Amaury Kruel – que está no MDB como deputado e cujo trânsito entre os militares é relativo – dizia que o Alto Comando estudara medidas para combater o terror e os radicalismos, e que um de seus participantes ficara encarregado de elaborar um plano neste sentido.
Na crise surgiu um fato novo, ou antes, uma tendência que se começa a mostrar com perfeita nitidez: a de conceder licença para processar o deputado Márcio Moreira Alves, isto é, entregar sua cabeça, pedida pelo ministro do Exército, general Aurélio de Lyra Tavaraes, em troca da preservação das dos demais. Isto, pelo menos, é o que se pensa. Se as demais serão preservadas, a experiência não recomenda assegurar. Como dizia ontem um político, à porta do gabinete do senador Daniel Krieger [RS, presidente da Arena]– e sem que o senador escutasse – “jogamos um passageiro n’água para evitar que o barco afunde, mas acabaremos é por virá-lo”.
Márcio Moreira Alves, cujo discurso alvo do governo foi proferido a 2 de setembro, voltou a falar ontem, 23 de outubro, criticando as violências policiais na Guanabara, que resultaram na morte de um estudante e ferimentos em vários. A despeito da irritação que o discurso provocou entre seus companheiros de bancada ligados a Luthero Vargas [político e filho mais velho do ex-presidente Getúlio Vargas] e ao governador Negrão de Lima [MDB], que temem um agravamento na situação, Márcio não se arrependeu.
Diz que se o preço do mandato for seu silêncio, prefere perdê-lo. Está, contudo, consciente de que novos pronunciamentos podem ser, justamente, o pretexto para aqueles que desejam votar pela concessão da licença.

O Supremo Tribunal Federal, por outro lado, começou ontem a se movimentar para apreciar o caso Márcio. O ministro Evandro Lins apresentou emenda ao regimento interno do Tribunal para adaptá-lo ao artigo 151 da Constituição, propondo que os processos de suspensão de direitos sigam o rito de ação penal ordinária.

A emenda do ministro faculta ao relator do processo – no caso presente, o ministro Aliomar Baleeiro – propor o arquivamento da denúncia, caso a considere inepta. Ao plenário do Tribunal, contudo, é que estará afeta a decisão final, pois do despacho do ministro relator caberá agravo ao conjunto dos 11 ministros. Até amanhã – ou seja, sexta-feira – a proposta do ministro, que especifica termos, prazos e todos os demais elementos processuais, estará recebendo emendas. Só depois o Tribunal irá votar a matéria.
A esperança de que o Tribunal resolva o problema antes que a Câmara seja obrigada a pronunciar-se mostrava-se ontem esmaecida.
É curioso o comportamento dos políticos a este respeito. A sucessão dos fatos tem mudado, quase diariamente, a expectativa diante do despacho do ministro Baleeiro. Ora se acredita, ora se duvida. Não obstante seja problemático especular-se com relação a juízes, o entendimento geral atual é de que a representação não será arquivada pelo Supremo. Ou, segundo comentava ontem um senador ao presidente do Senado, Gilberto Marinho [Arena-GB]: “Os ministros vão passar a bola para nós”.
MDB: quem elogiou e quem criticou os militares
De 1964 para cá, os deputados do MDB defenderam ou elogiaram os militares mais vezes do que atacaram.
As vinte vezes em que elogiaram são estas: João Herculino [MG] saudou os oficiais da Escola Superior de Guerra; Bernardo Cabral [AM] saudou a FAB na Semana da Asa; David Lerer [SP] apoiou o aumento de vencimentos dos militares; Antonio Bresolin [RS] elogiou a 6ª Região Militar (RGS) por ensinar agropecuária aos recrutas; Ranieri Mazilli [SP] elogiou as Forças Armadas pela derrubada de Jango; Anísio Rocha [GO] também; saudaram a Marinha e a FAB: Adílio Viana [RS], Jamil Amiden [GB], Eurico de Oliveira [GB], João Herculino [MG], Janduí Carneiro [PB], Antunes Oliveira [AM], Benjamin Farah [GB] e César Prieto [RS]. Feliciano Figueiredo [MT] apoiou o ministro Lyra Tavares; José Maria Ribeiro [GB] elogiou a mudança da Escola Superior de Guerra para Brasília; Jamil Amiden [ex-pracinha que lutou contra os nazistas na Itália] [GB] lembrou a batalha de Monte Castelo; Mário Maia [AC] elogiou o trabalho da FAB na Amazônia; Doin Vieira [SC] pediu o diálogo entre civis e militares.
As dez vezes em que criticaram os militares são estas: Gastone Righi [SP] pediu que o Brasil diminuísse seus gastos militares; Mariano Beck [RS] rejeitou o discurso de um chefe militar; Márcio Moreira Alves [GB] relacionou os militares que, segundo ele, “torturam presos e desonram o passado das Forças Armadas”; Hélio Navarro [SP] pediu aos militares que optassem entre o povo e os estrangeiros; na invasão da Universidade de Brasília, falaram contra os militares: padre Vieira [CE], Márcio Moreira Alves [GB] e Doin Vieira [SC].
Já os deputados da Arena, elogiam muito, e raramente criticam. Uma das exceções é Marcos Kertzman [SP], que, na Semana da Marinha, traçou um paralelo entre os militares de hoje e os do tempo da guerra do Paraguai, com desvantagem para os de hoje. [E houve a clássica ameaça do desabrido e independente deputado Brito Velho [Arena-RS] que, durante o episódio da invasão da Universidade de Brasília, no final de agosto deste 1968, tendo a mulher professora e o filho como aluno da UnB, ameaçou em caso de ferimento ou morte de ambos dar o mesmo destino aos responsáveis].
(Reportagem de Ricardo Setti publicada a 24 de outubro de 1968 pelo Jornal da Tarde, de São Paulo, sob o título original de “Fala-se em Ato“)