Em plena brutal crise econômica que em 2012 assolava a Espanha, suas regiões e suas cidades, Barcelona, capital da Catalunha, ficou muito mais rica naquele ano. Riquíssima, na verdade — mas com um patrimônio que não pode e não será nunca vendido.
Trata-se de uma fabulosa, quase inacreditável coleção de arte com cerca de duas mil peças — mais de 700 delas quadros que poucos museus do mundo conseguiram amealhar, que incluem 2 obras de Rafael, 4 de Rembrandt, 18 de Goya, 12 de El Greco e outras de Delacroix, Monet, Murilo, Sorolla e de mais dezenas de grandes pintores, além de esculturas, tapeçarias, porcelanas de Sèvres e 1.300 miniaturas preciosas de diferentes épocas.
Não se sabe o valor — que talvez alcance bilhões de dólares — da coleção legada à cidade pelo mulherengo e cinematográfico bilionário Julio Muñoz Ramonet, morto em 1991, aos 79 anos, e disputada na Justiça desde 1994 por suas quatro filhas. O caso percorreu um longo e tortuoso caminho judicial até chegar à recente decisão final do Tribunal Supremo da Espanha. Ramonet deixou em seu testamento o desejo de se criar uma fundação com seu nome, o que se fez em 1994, para a qual destinou suas obras de arte. A Fundação tem direção independente mas é ligada à Prefeitura de Barcelona.
Muñoz Ramonet era um joão-ninguém que, junto com o irmão, Alvaro, progrediu a jato durante a ditadura do generalíssimo Francisco Franco (1939-1975) graças a suas ligações com os serviços secretos do regime e à vista grossa que autoridades faziam a seu pequeno negócio ilegal de contrabando de mercadorias na Espanha miserável pós-Guerra Civil (1936-1939).
Aos poucos, tornou-se proprietário de terras, industrial têxtil — setor fortemente subsidiado pelo regime franquista — e criou um império que lhe permitiu extravagâncias espetaculares. Quando se casou com a filha de um banqueiro, em Bilbao, no País Basco, por exemplo, chegou a fretar dois trens para os convidados, um saindo de Madri, outro de Barcelona. Não raro, quando viajava de avião, comprava todos os assentos para não ser incomodado.
Virou legenda: mulherengo, teve várias amantes, entre as quais, dizia-se, grandes atrizes. Criou-se em torno de sua figura várias lendas, como a de que acendia charutos com notas de 1.000 pesetas — as mais valiosas da época. Não é lenda, porém, que tenha contratado a seu serviço o motorista que serviu o rei Alfonso XIII até a proclamação da República, em 1931, quando o ex-rei mudou-se para Roma. Sobre o irmão, Alvaro, contava-se que só fazia as refeições em casa com pratos de ouro.
Sua fortuna, com o tempo independente da do irmão, viria a incluir uma cadeia de lojas, uma seguradora, dois bancos na Suíça e até o à época requintadíssimo Hotel Ritz de Barcelona. A quebra da seguradora lhe trouxe problemas com a Justiça suficientes para fazê-lo cautelosamente mudar-se para a Suíça e, volta e meia, peregrinar pelo mundo, a conselho de advogados — o Panamá sem dono da época, a África do Sul do aparheid… Teve negócios na Tailândia, nas Filipinas e em Cuba.
O colossal patrimônio artístico, porém, continuou pendendo das paredes e guardado num depósito fortificado no palacete que possuía coração do Eixample, o estiloso bairro do século XIX de Barcelona. Hoje, tanto a coleção quanto o palacete são patrimônio público.
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Que espetáculo, adoraria conhecer essas obras.
Don Setti: Depois q as pessoas morrem sempre acaba se revelando coisas. E tudo termina em litígio e desentendimento familiar. Abs.