O MDB está preocupado com as possíveis repercussões da crise checa no país. A oposição não exclui a possibilidade de ocorrerem importantes modificações em nossa política externa, como consequência da [invasão da] Checoslováquia [por tropas do Pacto de Varsóvia, a aliança militar comunista, à frente forças da URSS, para sufocar a liberalização do regime, a “Primavera de Praga”, liderada pelo chefe do Partido Comunista checo, Alexander Dubcek].

Mas como esse fato poderia interferir na vida do país? Os analistas do MDB partem do pressuposto de que a complexidade da vida moderna e o nível que atingiram as relações internacionais não permitem mais que se considere uma crise político-militar da proporção da que ora atinge a Checoslováquia como fato de interesse restrito à Europa Oriental, ou mesmo apenas ao Velho Continente.

Assim sendo, os observadores da oposição entendem que a agressão da URSS e seus aliados no Pacto de Varsóvia poderá conduzir, de imediato, ao fortalecimento ainda maior da teoria segundo a qual o mundo se acha dividido em dois blocos, opostos e irreconciliáveis: Ocidente e Oriente.

Vivendo-se num ambiente de “expectativa de conflitos” e levando-se em conta que cada um dos blocos tem a encabeçá-lo uma superpotência econômica e militar, resta aos países inseridos na área de influência de cada uma delas integrar-se, mais e mais, no respectivo bloco, admitidas até certas restrições de soberania, nem sempre expressas.

Essa seria a base da doutrina da Escola Superior de Guerra. Embora a ESG, pela palavra de seu comandante, já tenha negado que coloque a questão em tais termos, essa é, pelo menos, a posição que lhe atribui o MDB e a maioria dos comentaristas políticos. De resto, a prática — segundo a oposição – tem confirmado ser o pensamento da ESG não muito distante desse. Indo ao encontro da impressão dos oposicionistas, aliás, um militar comentou, na Guanabara, logo após a invasão da Checoslováquia, que ficava demonstrada “a impossibilidade de uma entente [entendimento entre países] Ocidente-Oriente”.

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Pois bem, o fortalecimento dessa teoria poderia levar, por exemplo, a que o Brasil se visse obrigado a apoiar uma ação armada contra Cuba, a despeito dos princípios de autodeterminação e não-intervenção. E por quê? Os oposicionistas dizem que já há quem sustente a necessidade de uma ação multilateral contra Cuba, baseada no princípio de que se a URSS pode intervir dentro de sua órbita política por razões de segurança nacional, o mesmo podem fazer os EUA ou o conjunto de nações latino-americanas em Cuba, considerada [também pelo regime militar brasileiro] ameaça mais que potencial à segurança do Hemisfério.

A oposição identifica outros sintomas de modificação. Aponta, por exemplo, a mudança da taxa do dólar, consecutiva à invasão da Checoslováquia, e a criação de uma “taxa variável” como sinal de que o Brasil tacitamente mais se integrou ao bloco ocidental. Consideram os oposicionistas que a nova taxa favorecerá o subfaturamento das exportações do país, ocorrendo o contrário com as importações. A propósito, lembram que o FMI louvou “a iniciativa cambial do governo brasileiro”.

Além disso, observadores do MDB acreditam no fortalecimento da candidatura do republicano Richard Nixon à Presidência dos Estados Unidos [contra o vice-presidente democrata Hubert Humphrey], o que, aliás, parece ser a impressão dos principais cronistas políticos norte-americanos. Eleito [o muito mais conservador] Nixon, é de se supor que a política do Ocidente e, consequentemente, as relações entre a América Latina e os Estados Unidos sofram uma reformulação. Para o MDB essa reformulação deve ser para pior.

Uma informação da área parlamentar parece confirmar, ao menos em parte, o ponto de vista do MDB. O chanceler Magalhães Pinto reconheceu, em conversa com um influente político, estar colocada em xeque sua teoria – que em tese orienta nossa política exterior – de que o mundo não está polarizado em nações capitalistas e nações socialistas, ou Ocidente e Oriente, mas se defronta com outra dicotomia: países desenvolvidos e países subdesenvolvidos.

(Artigo de Ricardo Setti, de Brasília, publicdo a 24 de agosto de 1968 no Jornal da Tarde, de São Paulo, sob o título original de “O Brasil e a crise checa”)

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