os-filmes-sobre-chineses-quem-pode-atirar-a-primeira-pedra

Talvez seja necessário ser chinês para entender as críticas que o governo de Pequim tem feito ao documentário A China, do grande cineasta italiano Michelangelo Antonioni. Para o espectador estrangeiro que viu o filme (atualmente sendo levado em Paris), fica a impressão geral de que dificilmente um cineasta ocidental poderia tratar a China e seu povo com mais respeito do que Antonioni.

Antonioni, nas explicações que acompanham a exibição do filme nos cinemas, coloca-se numa posição de humildade diante da grandeza e da complexidade da China, sua história multi-milenar e sua gente, e revela que abandonou qualquer pretensão de fazer um documentário sobre o país assim que chegou lá. Em contato com a realidade chinesa, preferiu mostrar na tela, com uma simplicidade e um despojamento inéditos entre os cineastas da moda, as pessoas: rostos, sorrisos, gestos, a rotina do trabalho, da ginástica, da escola e da convivência social.

Ele próprio explicou que não pode ser outra, nas circunstâncias, a reação de um intelectual ou de um artista do Ocidente em contato com um país onde nem os nossos gestos físicos encontram uma correspondência ou proporcionam um diálogo e onde ele mesmo, durante seu trabalho, encontrou pessoas que jamais em sua vida haviam visto um ocidental ou sofrido qualquer influência do Ocidente. Antonioni em nenhum momento do filme tentou explicar a China, e as informações que ele fornece sobre o que está sendo filmado (o próprio diretor é o narrador) frequentemente demonstram profunda admiração.

Ele limitou-se, como um viajante respeitoso, discreto e contidamente emocionado, a registrar impressões com sua câmera, volta e meia submetido às limitações dos guias oficiais que o acompanham. E dessas impressões formou um todo que, no final, questiona não o que foi filmado, mas uma série de valores de quem está na plateia.

(Comentário de Ricardo Setti, publicado no Jornal do Bairro, de São Paulo, a 13 de março de 1974)

DEIXE UM COMENTÁRIO

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *