BRASÍLIA, 21 – Diante da possibilidade de ser rejeitado o projeto que considera 68 municípios do País como de interesse para a segurança nacional, a liderança do governo inclina-se a somente permitir que a matéria seja votada quando houver certeza de que o Congresso a aprovará. A decisão formal está na dependência do levantamento que está sendo levado a efeito na bancada arenista na Câmara por um vice-líder. A perspectiva de um resultado adverso determinará a negação do “quórum” regimental pela maioria da bancada arenista, assegurando- se a aprovação do projeto por decurso de prazo. É possível a rejeição do projeto, se este vier a ser votado. Problemática deverá ser a obtenção do “quórum” regimental, caso a bancada da ARENA não se revele maciçamente favorável à proposição do governo. A esse respeito, comentavam hoje os líderes da oposição o absurdo de uma Constituição que atribui à maioria – e não à minoria – todas as vantagens do recurso à obstrução parlamentar. Num projeto como o dos municípios, por exemplo, em que o governo corre o perigo de ser derrotado, a maioria pode lançar mão da obstrução branca para assegurar a aprovação por decurso de prazo, que corre contra a minoria [a Constituição de 1967 prevê que os projetos de iniciativa do presidente da República serão considerados aprovados se o Congresso não se manifestar em 45 dias – seja aprovando seja rejeitando a matéria]. Ainda que se considere tal aprovação uma derrota política para o governo, este terá, na prática, logrado seu intento. Em caso de dúvida quanto à aprovação do projeto, as lideranças do governo não negam que não hesitarão em recorrer ao decurso de prazo. O prazo expira na segunda-feira, dia 27 – daqui a cinco dias, portanto, com dois dias do fim de semana sem trabalhos no Congresso – e a liderança da oposição vem envidando todos os esforços para que o projeto seja submetido a votação antes dessa data. O sr. Pedro Aleixo, presidente do Congresso, contudo, negou-se a convocar sessão extraordinária matutina para amanhã, o que apressaria a tramitação da matéria, possibilitando-se que o projeto fosse submetido a votação ainda à noite do mesmo dia. Com a decisão do sr. Pedro Aleixo, a sessão noturna de amanhã será dedicada ao encerramento da discussão, tornando-se impossível o início da votação, uma vez que a ARENA inscreveu oradores de modo a ocupar todo o tempo disponível. O interesse do MDB em votar amanhã o projeto prende-se ao fato de que o “quórum” estaria assegurado.
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Reprodução da matéria publicada. É o primeiro texto © Reprodução

Manobra

A oposição considera que o pagamento dos subsídios dos parlamentares antecipado em cinco dias está diretamente relacionado com a tentativa de esvaziamento do Congresso, objetivando protelar o debate do projeto dos municípios até a expiração do prazo. Para os oposicionistas, a ARENA já está ciente de que pode sofrer uma séria derrota em plenário, pelo que se valerá do decurso de prazo. A oposição realizou um levantamento parcial que dá conta de que somente nas bancadas do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná o projeto será derrotado por uma margem de 30 votos, somando-se os votos da ARENA e do MDB. No Paraná, por exemplo, dos 20 deputados arenistas, apenas um votará a favor. Dos sete vice-líderes governistas eleitos – que têm, portanto, influência ponderável nas bancadas – cinco já se declararam contra o projeto, e trabalharão por sua derrubada. A oposição lembra também que o projeto tem contra si o trabalho do Bloco Parlamentar Municipalista, que já derrotou o governo em diversas ocasiões. A última vez foi na rejeição do decreto-lei que alterava a forma de distribuição do ICM aos Municípios. 

Sublegendas

O presidente Costa e Silva oficializou, hoje, seu desvinculamento do projeto ora em debate no Congaresso instituindo as sublegendas [espécie de subpartidos dentro dos partidos, utilizadas somente para a eleição ao Senado, permitindo que concorram até três candidatos diferentes por partido – uma costura específica para beneficiar a ARENA, partido do regime, constituída em muitos Estados por integrantes de antigos partidos rivais entre si, que somariam os votos para efeito de resultado]. O presidente disse aos vice-líderes da ARENA que o visitaram hoje no Palácio do Planalto que considera as sublegendas um problema de economia interna do Legislativo. Somente enviou o projeto para apressar a sua tramitação, utilizando-se da prerrogativa constitucional do “prazo fatal”. O presidente, por isso, declarou que ficará “satisfeito” com a aprovação do projeto, qualquer que seja sua forma definitiva. (Artigo de Ricardo Setti publicado no jornal O Estado de S. Paulo a 22 de maio de 1968 sob o título de “Segurança só será votada para vencer”)

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