Image
Sarney com Collor: os inimigos irreconciliáveis de ontem passaram, como senadores, a ser alegremente unidos contra a liberdade de informação (Foto: Agência Senado)

Quando Fernando Collor, após dois anos de um governo espalhafatoso em Alagoas, emergiu para valer para a política nacional, em 1989, era o anti-Sarney: fez boa parte de sua campanha eleitoral como candidato ao Planalto com críticas pesadíssimas ao então presidente da República, a quem em mais de uma ocasião chamou de “ladrão” — sim, amigos, eu próprio vi e ouvi Collor, ao vivo, em público, chamar Sarney de “ladrão” em comícios quando cobri sua campanha para o Jornal do Brasil — e para o qual, dos palanques, chegou a pedir “cadeia”.

O tempo passa. Anos depois, sorridentes colegas de Senado, trocavam amabilidades e conspiraram juntos contra liberdade de informação.

José Sarney (PMDB-AP) e Fernando Collor (PTB-AL) fizeram de tudo para atrapalhar a aprovação do projeto de lei sobre liberdade de informação, em que esteve fundamente empenhado o governo Dilma, e que, transformado em lei, dá acesso, com variação de condições, aos milhões de documentos arquivados pelo governo ao longo da história da República.

Chantagem em nome da “segurança nacional”

A presidente Dilma de início cedeu às chantagens dos ex-presidentes, que falavam em nome de uma vaga “segurança nacional” para justificar o sigilo perpétuo sobre uma série de documentos — inclusive os relativos à Guerra do Paraguai (1864-1870) –, mas acabou retomando a iniciativa de fazer passar a lei. Parecia que Collor e Sarney haviam, por sua vez, cedido.

Mas acabaram por aprontar uma manobra — Sarney como presidente do Senado, e Collor como presidente da Comissão de Relações Exteriores — que obrigava a adiar por tempo indeterminado a votação do projeto da Lei de Acesso à Informação.

Teoricamente aliados de Dilma, a iniciativa dos dois poderia impedir Dilma de discursar na sede da ONU, em Nova York, já tendo assegurada a aprovação de uma lei que colocaria o Brasil no patamar dos países que respeitam plenamente a liberdade de informação e de acesso a ela. A presidente seria a primeira de nove chefes de Estado que, a partir deste dia 20 de setembro 2011, falariam num painel da ONU sobre Governos Abertos.

Não poderá dizer que o seu é um “governo aberto”, tanto é que o senador Walter Pinheiro (PT-BA) lembrou que o Brasil será o único presente ao encontro que ainda não tem uma lei específica sobre liberdade de acesso a informações detidas pelo poder público.

O direito de conhecer a própria História é irrecusável

A manobra de Collor e Sarney, mais uma em uma série de idas e voltas que já dura meses, foi simples. Collor enviou requerimento à Mesa do Senado solicitando que, antes da votação do projeto, o chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência, general José Elito, respondesse a um questionário de várias perguntas sobre a questão do sigilo dos documentos — quando a questão vem sendo debatida junto a diferentes audiências há meses.

Na condição de presidente do Senado, Sarney cozinhou um pouco as coisas e encaminhou o requerimento ao Palácio às vésperas da viagem da presidente a Nova York. O Regimento Interno do Senado determina que, num caso como esse, a tramitação do projeto deve ser interrompida enquanto aguarda as respostas. Para espichar ainda mais o assunto, Collor ainda convocou duas audiências públicas para discutir o texto com especialistas.

No fim das contas, o projeto deve demorar, mas pode ser aprovado. Enquanto isso, porém, Sarney, Collor e os que estão ao lado de ambos estão fazendo o possível para recusar aos brasileiros um direito básico, elementar, de que não se pode abrir mão de forma alguma: o direito de conhecer a própria História.

ATUALIZAÇÃO

A atuação dos dois ex-presidentes felizmente resultou em nada. Por folgada maioria, o Congresso aprovou, dois meses depois da publicação deste post, o que é hoje a Lei nº 12.257, de 18 de novembro de 2011, uma das mais avançadas do mundo no acesso do público a informações de todo tipo em poder do governo.

(Post de Ricardo Setti, de São Paulo, publicado originalmente a 15 de setembro de 2011 no blog que o autor manteve no site da revista VEJA entre 2010 e 2014)

DEIXE UM COMENTÁRIO

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

16 Comentários

Elizabeth the Best em 17 de setembro de 2011

Mas é para entender ou só enfiar pela goela abaixo? Querem a comissão da verdade e o sigilo dos documentos oficiais? Eu sou obtusa.. Não entendo bem as coisas. Sou mulher, seria isso? Deixe me ver entre os brincos, o batom e a minha Cartier, o que vejo? Teríamos que indenizar o Paraguai, que foi quem declarou guerra e por isso não queremos saber dos documentos? Mas se indenizamos guerrilheiros que declararam guerra ao nosso governo, inaugurando uma ditadura aqui, por que não o faríamos ali? Ou talvez não tivessemos que indenizar qguerrilheiros confessos? Nem não guerrilheiros como Jaguar,Zuenir e Ziraldo, que vi trabalhando durante toda a minha vida produtiva. Estou confusa e acho que está faltando uma pulseira. Onde será que coloquei a de ametista? Ser mulher é tão dificil. O governo deveria pensar nisso, já que está com tanta folga e tão bem. Help! eu adorava esta pulseira de ametista e as recordações que ela me traz. Foi me dada por alguem que nunca se meteu em politica, nunca recebeu nenhum afago do governo, nunca mentiu muito. Só um pouquinho quando disse que era para sempre. Ninguem é perfeito.

Pimenta casan em 17 de setembro de 2011

Ô grande Setti, me desculpe, mas, o photo shop impede ver quem está sujo e quem está mal lavado. Devido a isso, fico no empate. Ambos, estão iguais.

duduvieira10 em 16 de setembro de 2011

Prezado Sr. R. Setti; Poderá haver "Honra" entre ladrões, mas não entre os políticos. O político serve melhor aquele que melhor o serve. O Sr. Sarney e o Sr. Collor de Melo não podem voltar atrás, mas com certeza poderão ser melhor daquí pra frente, claro no bom sentido do que se tornou o Congresso na casa do espanto!!. sds.

Paulo Bento Bandarra em 16 de setembro de 2011

Ora, está completamente de acordo com a farsa da Comissão da Verdade que quer forjar uma verdade falsa para impor ao povo. E pior do que esta, não quer nem que a Casa do Povo discutas as ordens da Presidente.

veiaco em 16 de setembro de 2011

Pois eu acho que que o direito de conhecer a própria história seria o primeiro ponto a ser abordado por essa tal COMISSÃO DA VERDADE. Se não, estamos tratando de Comissão da Mentira.

Pedro Luiz Moreira Lima em 16 de setembro de 2011

Amigo Setti: Esperando seu email com seu endereço para enviar seu livro; Grande abraco Pedro Luiz Obrigado, caro Pedro Luiz. Já lhe enviei o email. Um grande abraço

Pedro Luiz Moreira Lima em 16 de setembro de 2011

Amigo Setti: Estou com o seu o livro e do Luiz Claudio Cunha.Pronto para enviar em nome da Geração 68. Os que se escondem atrás da escuridão odeiam qq tipo de luz.Vardade que é ainda uma luz fraquinho,maa não dá para esconder o DIA para swempre. Abraços Pedro Luiz Muito obrigado pela extrema gentileza, caro Pedro Luiz. Já lhe enviei o email e acabo de enviar mensagem ao Luiz Cláudio com cópia de seu comentário. Abração

Amadeus em 15 de setembro de 2011

- Setti, - Seu estofo lhe permite romper com essa pinimba de atribuir o atual encaminhamento desse caso às idiosincrasias desses dois indigitados. - Não consigo ver onde os ex presidentes possam estar agindo para manter distante do público fatos de interesse particular de ambos. - Acredito que ambos são guardiães de interesses, que podem ser defensáveis ou não, das estruturas de poder que nos conduziram até aqui. - Certamente as mesmas que introduziram, à sorrela, o Estatuto do Sigilo Eterno naquela papelada que o Fernando Henrique assinou no último dia de mandato. Ou ali também estavam os dedos do Sarney e/ou do Collor? Improvável, não? - Vamos botar mais empenho na diligência. Quem manuseia os cordões que movimentam esses dos dois ex presidentes? - Seria muito simples se fossem os mesmos que obram contra essa tal Comissão da Verdade. Ou, quem sabe, e para nosso deleite, fosse até algum excesso mais prosaico, como por exemplo a proteção do círculo amoroso de algum ex baixinho. - Sarney e Collor são operários, executores. Precisamos conhecer o Patrão, o mandante. -

Herculano em 15 de setembro de 2011

Qual será a data da "limpeza" da imprensa no Brasil? Os distintos da foto acima conspiram para definí-la. "O dia 10 de maio de 1933 marcou o auge da perseguição dos nazistas aos intelectuais, principalmente aos escritores. Em toda a Alemanha, principalmente nas cidades universitárias, montanhas de livros ou suas cinzas se acumulavam nas praças. Hitler e seus comparsas pretendiam uma "limpeza" da literatura. Tudo o que fosse crítico ou desviasse dos padrões impostos pelo regime nazista foi destruído. Centenas de milhares de livros foram queimados no auge de uma campanha iniciada pelo diretório nacional de estudantes".

ssrodrigues em 15 de setembro de 2011

Caro Ricardo É praticamente obrigatório que se façam duas considerações, sendo que uma não necessariamente exclui a outra: Sarney e Collor têm alguma grande preocupação a respeito de seus atos como presidentes; Sarney e Collor agem a mando de Lula, significando estar na mesma situação desses dois. Curioso, tudo isso. Diz o velho adágio: "quem não deve, não teme". Se eles se dão a tanto esforço, agindo de forma que fica claro terem algo a esconder e dessa forma se expondo tanto, a gente fica realmente a imaginar a gravidade da coisa. Um abraço.

Lucia s em 15 de setembro de 2011

Com o prontuário, ficha corrida destes dois "´próceres" da nação, o que poderíamos esperar? Nesta hora gostaria de ter o sistema chines... Uma bala na nuca e cobrando da "famiglia"...

patricia m. em 15 de setembro de 2011

Queria um dia encontrar o Lulla e a "presidenta" e dizer assim a eles: diga-me com quem andas e eu te direi quem es... Eles sao amiguinhos de longa data, o Collor e o Sarney sao da situacao, o Lulla ate mesmo ja disse que o Sarney eh uma pessoa "incommum" e portanto nao sujeito a essas baboseiras (leis, etica, etc) que os simples mortais devem observar.

ze domatogrosso em 15 de setembro de 2011

ao que parece, essa raposas tem algo a esconder, o que não é de duvidar face o passado e o presente totalmente elameado desses indigitados...

Petista arrependido em 15 de setembro de 2011

Ricardo, Pela lei da política,os canalhas se atraem. Simples assim!!!

patricia m. em 15 de setembro de 2011

E ambos sao AMIGOS e ALIADOS do lullopetralhismo. Nao eh incrivel? Alias, ambos sao AMIGOS e ALIADOS da "presidenta" tambem... Uhhhh...

Ariadno em 15 de setembro de 2011

Setti Gostaria de ver seus comentários sobre essa grave notícia de hoje. Lá como cá as coisas parecem fora do eixo. Abs Governo Alckmin usa a Cesp para contratar servidor sem concurso A Cesp (Companhia Energética de São Paulo) contratou mão de obra sem concurso público para atender a recém-criada Secretaria Estadual de Energia, órgão da administração direta do governo de São Paulo montado pela nova gestão do governador Geraldo Alckmin (PSDB). A pasta é comandada por José Aníbal (PSDB), eleito deputado federal em 2010. Além da contratar empregados para preencher funções em uma secretaria de Estado, a Cesp também disponibiliza funcionários efetivos a outros órgãos de governo. Além da Secretaria de Energia, há funcionários da Cesp em pelo menos nove outras instituições: secretarias de Cultura, Transportes, Saneamento e Fazenda, Agência Reguladora de Saneamento e Energia de São Paulo, Tribunal de Contas do Estado, Departamento Hidroviário, Prefeitura de São Paulo e Assembleia Legislativa. São 106 funcionários da Cesp nessas instituições, o equivalente a 8,4% do atual quadro da companhia, hoje de 1.260 empregados. O presidente da Cesp, Mauro Arce, responsável pelas contratações, confirma o uso da estatal e diz que o custo com esses funcionários é de R$ 2.283.176,16, o que inclui salários, encargos, benefícios, férias e 13º. Na média, a estatal gasta R$ 21,5 mil por funcionário comissionado (R$ 8.417,15 em salários). Para Arce, tal fato é comum no setor público, mas os acionistas da Cesp não são afetados (65% do capital está em mãos privadas): "Todos os órgãos que possuem funcionários contratados pela Cesp reembolsam a empresa". Especialistas ouvidos pela Folha sustentam que essa prática é inconstitucional, pois fere a exigência da criação de cargos comissionados com edição de lei, rompe os limites do teto da remuneração para funções na administração pública direta e viola regras do concurso público. Segundo Floriano Azevedo Marques, professor da Faculdade de Direito da USP, o uso de uma estatal para contratar funcionários destinados à administração direta reedita um rumoroso episódio em São Paulo: o caso Baneser. "Se a Cesp está sendo usada para recrutar gente para a Secretaria de Energia, isso não é legal. Lembra inclusive o caso Baneser, uma subsidiária do Banespa, usada para contratar funcionários para a administração direta", diz. Segundo Carlos Ari Sundfeld, professor de direito da FGV-SP, essa distorção "contraria regra constitucional": "É uma prática pouco transparente da administração pública e de difícil controle". O comentário é curto e grosso: concordo inteiramente com o Floriano e com o Sundfeld. Além de tudo, acho inteiramente errado, sob qualquer título, admitir funcionários sem concurso público. Mau exemplo do governo de São Paulo, sem dúvida. Abraço

VER + COMENTÁRIOS