O MDB continuava obstruindo hoje, madrugada adentro, a votação do pedido de licença para processar o deputado Márcio Moreira Alves [MDB-GB] na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. Abatidos, barbados, roucos, os deputados do MDB continuavam falando para impedir a votação antes do recesso do Congresso Nacional, [que começaria amanhã, 1º de dezembro, estendendo-se até 28 de fevereiro de 1969.]

O grande número de notícias conflitantes e de boatos, contudo, impediu que se tivesse uma certeza quanto à convocação ou não do Congresso [de forma extraordinária, para dezembro, pelo presidente Costa e Silva, faculdade que lhe proporciona a Constituição de 1967, preparada pelo regime e aprovada com  poucas modificações no Congresso].

Falou-se em diversas alternativas: uns diziam que o presidente, apesar das pressões, não convocará o Congresso mesmo se não for votada a licença na Comissão de Justiça. Além de o presidente não querer constrangimento contra a Câmara, segundo ele mesmo tem afirmado há dias, a convocação acarretaria uma grande despesa para os cofres públicos, justamente quando o governo diz não ter recursos para conceder um aumento maior a servidores civis e militares.

Outros diziam que haveria convocação, e que ela começaria dia 2 ou 3 de dezembro, emendando com uma outra, para janeiro, de inciativa de um deputado mineiro, fazendo com que somente às vésperas do Carnaval houvesse uma pausa [nos trabalhos parlamentares]. Segundo tais informações, o governo se encarregaria dessa convocação, e  [aos parlamentares] seria paga apenas uma ajuda de custo, não duas. Alguns políticos asseguravam que a convocação viria através do Senado, por iniciativa de um terço dos senadores arenistas. Esta possibilidade é remota, face ao ponto de vista contrário do senador Daniel Krieger [RS], presidente da Arena.

Enquanto não se decide a coisa, o MDB fala e ganha tempo. A oposição completará, às 15 horas de hoje, quarenta e oito horas de fala praticamente ininterrupta. Como o prazo para o encerramento da sessão legislativa de 1968 expira à meia-noite de hoje, o MDB tentará manter deputados discursando pelo menos até lá.

Se antes disso se esgotarem todos os seus oradores, há um, final: o deputado Márcio Moreira Alves, que, pela tradição do  Congresso, terá para falar o tempo que quiser. Há precedentes, inclusive um do então deputado Carlos Lacerda, que discursou certa vez durante 14 horas seguidas numa Comissão Parlamentar de Inquérito. Quer dizer, é dificíl para o governo vencer a obstrução do MDB.

Se o governo convocar o Congresso por causa da obstrução, o MDB terá obtido uma vitória política. Além do mais, se a convocação for necessária para que se vote a licença na Comissão de Justiça, certamente servirá para que seja votada também no plenário. A irritação dentro da Arena não é pequena contra a atividade do líder Geraldo Freire e de alguns vice-líderes.

Image
Reprodução da matéria publicada © Reprodução

Essa é uma das razões por que o MDB obstrui. Mesmo perdendo de pouco no plenário, a oposição infligirá uma derrota política ao governo.

A situação parece, pois, ter mudado de maneira curiosa: logo que se começou a discutir a licença, era certa a derrota do governo na Comissão de Justiça, e certa a derrota do MDB no plenário. Agora, depois de nove substituições de deputados da Arena inclinados a votar contra o governo na Comissão de Justiça, das renúncias e promessas de renúncias, o panorama é o oposto: o governo ganha na Comissão de Justiça, mas poderá – embora não seja fácil – perder no plenário.

Essa última hipótese é que, segundo tudo indica, fazia crer à área política que a convocação do Congresso para dezembro será problemática. 

Se o governo perceber o perigo de uma derrota, certamente adiará a decisão para janeiro. Quererá ganhar tempo, esfriar os ânimos e desenvolver cuidadoso trabalho de persuasão, mesmo que sua decisão desagrade as áreas militares mais exaltadas, que não querem esperar para ver rolar a cabeça de Márcio Moreira Alves.

(Artigo de Ricardo Setti, de Brasília, publicado a 30 de novembro de 1968 no Jornal da Tarde, de São Paulo, sob o título original de “A situação pode estar mudando”)

DEIXE UM COMENTÁRIO

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *