É como os vampiros, dizia-se de Richard Nixon quando ele se elegeu presidente dos Estados Unidos, em 1968: a única maneira de fazê-lo desaparecer era cravar-lhe uma estaca no coração. O conservadorismo cinzento de Nixon fora derrotado oito anos antes por John Kennedy nas eleições presidenciais e massacrado, depois disso, em uma canhestra tentativa de voltar à tona elegendo-se governador da Califórnia, mas ele acabou instalado na Casa Branca, derrotando o [democrata] liberal Hubert Humphrey.

Pois bem, no Brasil, se fôssemos buscar um político equivalente para a mesma metáfora, o prefeito de São Paulo, Jânio Quadros, seria candidato imbatível à vaga. Mesmo assim, alguns de seus inimigos naturais incrustrados em organizações como o PT e a CUT ainda não tiveram qualquer interesse em abastecer-se de estacas, talvez por não terem conferido às salientes presas do prefeito a atenção que elas merecem. Em 1983, mal se instalara no Parque do Ibirapuera o prefeito Mario Covas, do PMDB e de impecável currículo de democrata, vociferantes comandos petistas não hesitaram um só minuto em promover acampamentos de desempregados nas proximidades.

Covas, que realizou uma das gestões mais abertas da história de São Paulo às reivindicações e ao diálogo com os movimentos populares, com e sem aspas, não teria dali para frente trégua com o PT e a CUT – que, agora, tem deixado correr solta a carrancuda administração de Jânio.

O prefeito, de fato, mantém uma invariável rotina de arrogância imperial: no varejo, aprova projetos por decurso de prazo na Câmara Municipal, recusa-se a receber líderes comunitários, remove favelados virtualmente à força. No atacado, realiza uma administração grotesca por sua incompetência em atacar um único que seja dos problemas realmente feios de São Paulo. O PT e a CUT em São Paulo, porém, têm invariavelmente considerado mais fácil hostilizar o PMDB, que está no governo estadual, e esquecer Jânio.

Ledo engano. Basta constatar o que aconteceu a frustrada greve geral de sexta-feira. Até poucos dias antes da data marcada, o prefeito, no melhor de seu estilo errático e desconcertante, pareceu ignorar a convocação da greve, continuando no normal exercício de suas preocupações prioritárias. Ainda no começo da semana, por exemplo, ele havia decretado uma implacável perseguição a carrinhos de pipoca em toda a região da Avenida Paulista. Para o dia da paralisação, porém, Jânio sacou do bolso e acionou o gatilho de uma arma que se revelou tão eficiente quanto os tanques e tropas do general Leônidas Pires Gonçalves, que se materializaram na Central do Brasil, no Rio ou na Companhia Siderúrgica Nacional, em Volta Redonda: a caneta com que dispara decretos de seu gabinete.

A esferográfica do prefeito atacou o plexo solar do êxito de qualquer greve: os transportes. Antes da greve, Jânio deixou prontos decretos que, se remeteram ao espaço os limites de reajuste do Plano Cruzado, fizeram brilhar simultaneamente os olhos de motoristas e cobradores da CMTC, a empresa municipal de transportes coletivos, das 33 empresas particulares concessionárias de transporte coletivo e de seus proprietários.

Eram decretos que disparavam um astronômico aumento de 133% nos preços das passagens de ônibus – fazendo-os pular de Cz$ 1,50 para CZ$ 3,50 –, que aumentaram em 30% os salários dos empregados da CMTC e, finalmente, que autorizaram os empregados das empresas particulares a terem seus salários equiparados aos dos motoristas e cobradores da empresa municipal, o que significou um aumento de 70%. A condição única e inamovível para que [os decretos] fossem assinados era a de que não houvesse greve, e isso foi comunicado ao sindicato da categoria na exata manhã da véspera do movimento.

Antes disso, Jânio conferenciara sigilosamente com um emissário de Brasília, seu ex-secretário particular à época de sua efêmera Presidência – o governador do Distrito Federal, José Aparecido – e tinha trocado figurinhas com o secretário de Segurança do Estado, Eduardo Muylaert, a quem pediu garantias da polícia para que motoristas e cobradores trabalhassem.

O resultado foi que, ao raiar da madrugada da sexta-feira, a enorme e maciça presença de ônibus em todos os quadrantes de São Paulo foi a senha para que, gradativamente, uma imensa legião de portas do comércio e da indústria começassem a se abrir. A partir daí, a greve no coração industrial do Brasil estava liquidada.

Da próxima vez, seria bom que a CUT e o PT se lembrassem de que Jânio existe.

Artigo publicado no Jornal do Brasil em 14 de dezembro de 1986

DEIXE UM COMENTÁRIO

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *