
Muita gente acredita firmemente que um dos crimes de que são acusados os réus do mensalão – a formação de quadrilha ou bando – prescreve no próximo dia 28 de agosto, e fica indignada com isso.
Na verdade, eu mesmo já cheguei a postar comentário a respeito.
Mas as coisas são bem mais complicadas do que isso.
Diante da controvérsia que existe em torno do assunto, e às dúvidas manifestadas pelos leitores em comentários, resolvi consultar um dos mais respeitados juristas do país, o advogado e jurista respeitadíssimo Saulo Ramos, ex-consultor-geral da República e ex-ministro da Justiça.
As explicações de quem entende
Vamos às explicações de quem entende. Peço aos amigos do interessados no assunto que leiam com atenção, porque o tema é complexo. Mas, claro, importantíssimo.
Diz o dr. Saulo:
“A prescrição no nosso Código Penal é submetida a dois sistemas: o da pena em abstrato (art. 109) e o da pena in concreto, a pena [efetivamente] aplicada (art. 110).
Em ambos os casos a contagem se faz a partir do fato ou de ato interruptivo da prescrição.
O recebimento da denúncia [ocorrido a 28 de agosto de 2007] interrompe a prescrição, que começa a ser contada de novo a partir desse ato judicial. Aí é preciso ter cuidado.
O caso tem todas as condições de se arrastar por muito tempo
Não confundir o tempo reservado para a prescrição em abstrato, que se calcula pela pena máxima cominada ao crime (o art. 109 do Código Penal fornece a tabela) com aquele que vier a ser contado a partir da pena aplicada na sentença condenatória, a chamada pena in concreto.
No caso examinado, a denúncia interrompeu a prescrição, que voltou a ser contada deste ato [que, como vimos, se deu a 28 de agosto de 2007]. Se, porém, no final, o Tribunal aplicar pena menor do que a máxima, o tempo prescricional será contado pela pena aplicada. Claro que isso depende da data da aplicação da pena, isto é, do encerramento do processo crime.
No caso do mensalão há este perigo, devido ao número de réus, advogados e testemunhas. O processo tem todas as condições de se arrastar por muito tempo.
O caso específico do crime de quadrilha
Especificamente para o crime de quadrilha a pena máxima é de 3 anos e a prescrição em abstrato se dá em 8 anos, segundo o artigo 109, inciso IV, e não III, do Código Penal. [O inciso IV estabelece que a prescrição ocorrerá “em 8 anos, se o máximo da pena é superior a 2 anos e não excede a 4″]. Com a ressalva do inciso, o seu leitor está certo quanto à prescrição pela pena em abstrato. Mas isso não elimina a hipótese da prescrição vir a ocorrer, por exemplo, em 4 anos, a partir do recebimento da denúncia, se a pena aplicada for de 1 ou 2 anos (art. 109, inciso V), aplicando-se o permissivo do artigo 110 [o artigo 110 ameniza consideravelmente os prazos de prescrição quando a sentença transita em julgado, ou seja, se torna definitiva].
Como o recebimento da denúncia foi em 28 de agosto de 2007, poderá ocorrer a prescrição no próximo dia 28 se os réus [no final do processo] forem condenados a menos de 2 anos no crime de formação de quadrilha.
Creio, porém, que o relator do processo, ministro Joaquim Barbosa, está atento a isso e não vai cair nesta esparrela e arriosca [segundo o Dicionário Houaiss, ‘arriosca’ é ‘atitude ardilosa e enganadora; logro, burla, cilada’]”.
(Post de Ricardo Setti, de São Paulo, originalmente publicado a 30 de julho de 2011 no blog que o autor manteve no site da revista VEJA de 2010 a 2015)
17 Comentários
Há,possibilidade de obter o e.mail do notáve Jurista SAULO RAMOS. Quem sabe,ele dar-me-a PARECER em MEDIDA CAUTELAR INOMINADA COM LIMINAR X OAB SP Aguardo ancioso pela resposta joão ribeiro padilha.OABSP 40385 13.12.11 10H27
Este processo do mensalão já deveria estar com a instrução encerrada há muito tempo e pronto para ser julgado. Pelo elevado grau de informação dos acusados, é se agravar a penalidade, o que importa maior prazo de prescrição. Se o Joaquim Barbosa tivessse sido Juiz de carreira, como eu, teria há muito julgado este processo e aplicado severas penas à quadrilha comandada pelo José Dirceu com extensão a Lula, que é o pai e parono de toda esta quadrilha de safados e sem vergonha.
- ninguém mais pode afirmar que não sabe como calcular a prescrição. falou quem sabe... agora a questão - como nunca deixou de ser - é de notório saber jurídico, dignidade pessoal e conduta ilibada. como, aliás, se exige para o cargo de ministro do STF.
Joaquim Barbosa (desculpe-me a intimidade, mas dizem que é meu funcionário),é tão controverso (e cheio de voluntariedades)que custo a acreditar que, quando sair da licença médica, queira colocar o Brasil nos trilhos, coisa que poderia ter feito há muito, inclusive desde a cama do hospital. Sem falar do famigerado caso do barzinho... è muita bazófia para um país como (como?) o nosso. Agora, assim, de afogadilho?
Acredito também que Joaquim Barbosa não vai dar esta esparrela ao Brasil.A decepção nacional será muito grande com o judiciário aonde depositamos muito nossas esperanças.
Trocando em miúdos:a pizza vai ser;mozarela ou quatro queijos.Pode apostar um milhão contra um tostão,que os acusados além de inocentados,ainda revidarão contra os acusadores. Podemos dizer sem margem de erro,que vivemos numa nação que transformou suas instituições num lixo moral.E o povo não pode reclamar.Pergunte ao povo:em quem vc votou? O Brasil é um grande país ,mas uma nação medíocre.E pelo andar da carruagem,continuaremos assim por um bom tempo.
Setti, permita-me um pequeno exercício jurídico. A pena para formação de quadrilha é de 1 a 3 anos de reclusão. O Brasil adota o sistema trifásico no momento da sentença, primeiro são analisadas as circunstâncias judiciais dos réus (antecedentes, comportamento da vítima, circunstâncias e consequencias do crime, culpabilidade do agente, motivo entre outras) onde, acredito, a pena-base será fixada acima do mínimo previsto (aprox: 1 ano e seis meses). Na segunda fase são analisadas as circunstâncias agravantes e atenuantes, os réus incidem em, no mínimo, um agravante (abuso de poder inerente a cargo ofício, ministério ou profissão). Não creio que haja atenuantes para nenhum dos réus (poderia haver se algum possuísse mais de 70 anos na época do mensalão, ou se algum confessou a autoria). Na terceira fase são analisadas as causas de aumento (grupo armado, o que não é o caso) ou diminuição de pena (não há). Assim sendo, creio que a pena será de pouco mais de dois anos, evitando assim a prescrição desse delito (pelo menos para a maioria dos réus). Espero ter sido útil. Foi útil, sim, caro Kleyner. Acho que o dr. Saulo Ramos pensa de forma semelhante -- ou seja, que não é por apenar menos que o STF vai deixar esse crime de quadrilha ou bando prescrever. Abração
Joaquim Barbosa não é do sistema de cotas, o motivo de ele estar lá é bem outro...
Existe algum país pior que os USA em termos de quantidade de processos? Ali tudo é motivo, estes processam o dono da cafeteria argumentando que o café que lhe serviu e deixou cair no colo por descuido estava quente demais. Só para citar apenas um caso recente do STF, quanto tempo estes levaram num caso "COMPLICADÍSSIMO" como a do Batistti para se chegar ao veredicto? 80 mil nada significam, quantas vezes estes julgaram o mesmo caso Batistti? Quem faz parecer complicado caso de desvio de recursos do erário como a do MENSALÃO-2005 pode desconfiar, desde o principio já existe um resultado definido, só estão ganhando tempo para enfraquecer as testemunhas, pois estes já não tem mais certeza de nada após tanto tempo, dar sumiço nas provas, apagar as evidencias, anular indícios. 40 mil ou 100 mil paginas produzidas pela promotoria vai esvair diante dos ministros indicados pelos Mensaleiros-2005. Alias para que 40 mil paginas quando existe DVDR ou HD que assegura a fidelidade dos dados por 40 anos, dinamiza o acesso às paginas, pode proteger os dados via senha, e apenas um DVD bastaria e ainda sobraria espaço.
SETTI, o próprio homem cria as próprias armadilhas! Prefiro acreditar na Justiça Divina, que NÃO PRESCREVE. Não confio, minimamente, no Ministro Joaquim Barbosa! Amo o Ministro Cezar Peluso, que é gentilíssimo. Adorei os recados que mandou à cobra de duas cabeças, no início da Lua-de-Mel! Com tantas confissões, o trabalho do STF será muito facilitado. Grande Roberto Jefferson, que escancarou esse terrível esquema. Estou apostando em outros irmãos, que poderão auxiliar muito, nesse processo. Citarei o "Sombra", o distinto senhor Gilberto Carvalho e Dona Miriam Belchior, pois o mais implicado, Dom Lulla, é criminoso confesso, ao afirmar que o processo duraria 50 anos e que não tinha com o que preocupar-se, porque, no Brasil, NADA SE PROVA!Deduz-se que o CHEFE abrigou-se na teoria da Desencarnação, para escapar da JUSTIÇA. Será que conseguirá? Tenho certeza de que não! Felicíssima ideia de convidar o ex-ministro Saulo Ramos, a quem agradeço pelas elucidações. Acrescento que não devemos descartar os Mistérios, que a Vida reserva-nos...
Uma coisa no entanto se mostra clara, o descompasso da justiça com a lei. Ela tarda demais e falha. Como o diabo gosta. Os altos custos não se traduzem com alto desempenho.
Por gentileza, alguém com conhecimento de causa pode explicar para a minha santa ignorância o por quê se prevê para um crime a sua prescrição, a porta aberta para a impunidade? Existe em todas as legislações de países ocidentais. Se o Estado não se manifesta para condenar a pessoa em determinado prazo, é sinal de que não teve interesse nisso.
Imaginemos que o J. Barbosa dê o seu parecer dentro do prazo, que saia CPI dos Transportes e de carona o da Agricultura e para completar a PF conclua a investigação da origem do dinheiro dos "aloprados". Quantos vão sobrar no Governo?
A situação ilustra bem a situação criada de caso pensado pelo Legislador para impossibilitar a punição de pessoas ricas e poderosas em nosso país. O grande problema do país é que o Legislador, entre nós, é Criminoso. Está envolvido até o pescoço em falcatruas de todo tipo, e dedica-se, por isso, a criar instrumentos legais que redundem numa impunidade empolada, toda recheada de termos jurídicos pomposos, mas que no final das contas têm uma finalidade bem simples: evitar que Bandidos como ele, o Legislador, vão para a cadeia. De duas, uma: ou a lei impede que um processo envolva mais de (digamos) 20 ou 30 testemunhas, ou não pode pedir que haja uma sentença em menos de dois ou três anos. O Legislador, que não é propriamente sábio, mas de bobo não tem nada, laborou sobre essa incompatibilidade quando foi tratar dos crimes de colarinho branco: estabeleceu procedimentos virtualmente infindáveis, e que acabam findando, por isso mesmo, na prescrição do crime. É mais simples do que roubar uma barraca de feira. Os advogados levam um ou dois milhões de honorários, mas os clientes salvam boa parte de suas economias e, além disso, não têm que enfrentar a incômoda perspectiva de passar alguns anos trancados numa gaiola. Saem do tribunal diretamente para o aeroporto. O Brasil é isso.
Ricardo, o nosso Brasil esta podre nos tres poderes da republica de bananas, na corrupcao que se espalha impunemente, em todos os niveis. Pobre Brasil que eu tinha esperanca de um dia tornar-se uma grande nacao.
Caro Seti, sem ofensa. O senhor crê que “ministro Joaquim Barbosa, está atento a isso e não vai cair nesta esparrela e arriosca” eh? Quem crê ao invés de aplicar analise critica e projetar as probabilidades circunstanciais, aumenta suas chances de errar ou colher frustrações. Posso fazer uma pergunta? Quem recomendou e quem indicou tal ministro para STF? Nas bolsas de apostas que correm por ai, só os dispostos a perder ou faturar alto numa “zebra” jogam fixa neste ai. Até onde sei, este foi indicado pelo chefe mor do MENSALÃO-2005, que nem se quer foi arrolado no processo, aceitando a recomendação da companheira que soprou o sujeito nos seus ouvidos na calada da noite. Em qualquer país não farsesco, só este fato já seria suficiente para que algum órgão representativo o impugnasse. Se o recebimento da denuncia só aconteceu em 28/8/2007, comparado ao caso Madoff vê se como os sistema tupiniquim é indolente, inerte, sonolento, preguiçoso, e chegado num ócio de provocar tédio até em uma ameba em coma num hospital do SUS. Sem mencionar que o art. 109 em si só já é uma brisa aos saqueadores do erário. Ou num português bem conciso, o quanto este sistema fabricado pelo legislativo e estes do judiciário são farsescos. Fica difícil aplicar tantos adjetivos negativos -- indolente, inerte, sonolento etc -- a um tribunal entupido de recursos propiciados pela nossa absurda legislação e que julga mais de 80 mil processos por ano. Sem contar que o mensalão é um processo imenso, de mais de 40 mil páginas, com mais de 700 testemunhas ouvidas, já que é muito grande o número de reus -- 40, inicialmente, agora 38. Quanto à independência ou não do ministro Joaquim, me parece que o fato de ter sido indicado por Lula ao Senado, que aprovou seu nome, não significa automaticamente que ele seja dócil ao Palácio do Planalto. Dezenas e dezenas de ministros, ao longo da história, mantiveram sua independência do Executivo, tendo sido igualmente indicados por outros presidentes. Se o ministro Joaquim fosse tão pusilânime quanto você faz supor, não teria votado pela aceitação da denúncia, não é mesmo? Que só lhe tem dado trabalho, dor de cabeça e pressões de todo lado. Melhor aguardar a decisão do Supremo antes de condenar o tribunal por algo que ainda não fez. Abraços
. O artigo 110 não ameniza o instituto da prescrição, apenas torna-a justa. A prescrição em abstrato - conhecida como "da pretensão punitiva" - é uma resposta técnica à imoral morosidade do judiciário. Sob quaisquer aspectos, a prescrição é uma garantia que o indiciado deve responder em tempo justo a uma acusação. Não fosse assim, teríamos pessoas aguardando julgamento há trinta anos (ou até mais, na atual conjuntura). Uma sugestão àqueles que estão a roer unhas com a proximidade de prazos findos etc. Conscientizem-se que esse processo do Mensalão não vai dar em nada aos "acusados" - como sempre acontece. .