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Vai começar de novo. Bastou existir a perspectiva de votações importantes no plenário da Câmara dos Deputados, em Brasília – onde também se reúne o Congresso Nacional -, e os diferentes setores com interesses em jogo já se arregimentam para pressionar deputados e senadores por meio das galerias. Trata-se do semicírculo disposto como um auditório, situado metros acima do plenário, que o envolve e é destinado aos cidadãos que queiram assistir às sessões. Dessa vez, são os dirigentes sindicais de diferentes tendências que pretendem lotar as galerias com militantes durante as principais votações do Plano Collor 2.

Não é bom sinal. O passado recente da utilização das galerias em nada a recomenda. Já na votação do Plano Collor 1, em abril, foi aquele vexame: bofetões, empurrões, bolsadas, xingamentos e vidros quebrados serviram de moldura aos trabalhos dos representantes do povo. Houve baixaria, e da grossa, no Congresso – e não se pôde, então, culpar os alvos invariáveis da censura nacional sempre que se fala em baixaria no Congresso: os políticos. O responsável foi o público.

Bem, não exatamente o público, mas grupos de militantes disfarçados de cidadãos comuns e que constituem uma espécie de lobby à brasileira, que existe não é de hoje, mas foi aperfeiçoado durante a Constituinte. Nos países civilizados, a atividade de procurar legitimamente influenciar o Parlamento é entregue a escritórios especializados e até regulamentada por lei. Aqui existe, em embrião, essa atividade. Mas o truculento “lobby à brasileira” que preocupa consiste em constranger diretamente, muitas vezes na base do xingamento, e sem excluir a bordoada, os representantes do povo.

Ainda dias atrás, na posse dos deputados e senadores eleitos a 3 de outubro, a falta de educação voltou a imperar nas galerias. Como sempre ocorre, representantes dos setores conservadores, como o deputado Ronaldo Caiado (PSD-GO) ou o deputado Delfim Netto (PDS-SP), foram vaiados. Ninguém nas galerias levou em conta que ambos tiveram grandes votações, retrato da confiança de consideráveis fatias da opinião pública nos eleitos – Caiado, por exemplo, foi o deputado mais votado em Goiás.

  Mas vaia é pouco. Viveram-se, no Congresso, momentos muito piores – durante a Constituinte, por exemplo, as galerias foram ao ponto de arremessar dinheiro no plenário para protestar contra políticos supostamente “vendilhões” porque não votavam como elas pretendiam. Na discussão do primeiro pacote da era Collor, militantes do MR-8, uma espécie de tropa de choque de um setor do PMDB, promoveram uma baderna que terminou em portas de vidro espatifadas e em pessoas agredidas, enquanto funcionários de estatais ameaçadas de extinção formavam um corredor polonês para injuriar parlamentares.

  O pior é que há muita gente no País que acha que é isso mesmo – se estamos numa democracia, então vale tudo, mesmo um tipo de bagunça que, em nações educadas, não se encontra nem em assembleias de estudantes. Nos Estados Unidos, só se entra nas galerias do Senado com um convite assinado por um senador. Na Grã-Bretanha, as pessoas fazem um silêncio religioso quando assistem às sessões da Câmara dos Comuns – gritos e manifestações de irritação, quando existem, ocorrem entre os deputados.

  Por isso, é pertinente a preocupação que deputados em primeiro mandato, como João Mellão (PL-SP), já manifestam com o problema. Mellão sugeriu que as galerias sejam isoladas do plenário por janelões de vidro – o que pode ser uma boa ideia. O ex-presidente do Senado Nelson Carneiro (PMDB-RJ) chegou a anunciar providências nesse sentido no ano passado, mas nada acabou acontecendo. O ex-presidente da Câmara Paes de Andrade (PMDB-CE) cogitou de limitações no acesso ao Salão Verde, o grande vestíbulo do plenário, mas também nada fez.

 Talvez seja assunto para a comissão de deputados que começou a trabalhar em fórmulas para restabelecer o prestígio do Legislativo, de que fazem parte, entre outros, Antonio Britto e Nelson Jobim, ambos do PMDB gaúcho. O que não é possível é permitir que o Congresso faça suas votações mais transcendentais em clima de Corinthians x Palmeiras, de Fla x Flu ou de Sambódromo. Galeria não pode ser galera.

(Artigo publicado originalmente no jornalO Estado de S. Pauloem 14 de fevereiro de 1991 sob o título de “Bagunça nas galerias”)

ATUALIZAÇÃO

O óbvio finalmente ocorreria pouco mais de dois anos após a publicação deste artigo (não tenho nenhuma pretensão de ter influído nisto, não): dia 30 de setembro de 1993, por iniciativa do vice-presidente em exercício da presidência da Câmara, deputado Inocêncio Oliveira (PFL-PE), foi finalmente instalada uma proteção entre as galerias e o plenário: 84 peças de vidros blindex fumê de dois metros de altura por 80 centímetros de largura.

A obra foi realizada dias depois de uma sessão em que manifestantes na galeria atiraram cédulas e moedas no plenário da Câmara, acusando os deputados de corrupção. 

Onze anos depois, porém, o então presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP), convenceu a Mesa Diretora a retirar os painéis. “Vamos correr o risco de muita mobilização nas galerias”, disse Cunha, “mas a retirada dos vidros servirá como símbolo do reencontro da Câmara com o povo que quer acompanhar os trabalhos dos deputados”.

O badernaço golpista de 8 de janeiro também trouxe preocupação com os vidros da Câmara – mas com os muitos que fazem parte das fachadas laterais do edifício do Congresso. Receberam uma película protetora que, diz a empresa fornecedora, faz com que os vidros “absorvam choques de até 1800 Kg/força (pedradas, pauladas, pancadas, impactos)”, além de refletir parte da energia solar recebida e propiciar proteção quase integral contra os perigosos raios ultravioletas.

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