O Senado não faz lição de casa na importante escolha do ministros do STF
A indicação de Eros Grau para o cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal será votada pelo plenário do Senado nos próximos dias, depois de ter sido aprovada por tranqüila unanimidade pelos 23 integrantes da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. Com isso, esse respeitado jurista gaúcho que atua em São Paulo terá a honra – e a altíssima responsabilidade – de tornar-se o 158º integrante desse seleto plenário de 11 pessoas-chave para o funcionamento das instituições.
Não é pouca coisa. Nenhum outro funcionário, eleito ou não, entre os centenas de milhares das diferentes unidades da Federação – excluído apenas o presidente da República –, tem a sua importância. Os ministros decidem sobre a vida e a sobrevivência de empresas, o patrimônio, os direitos e a liberdade dos cidadãos, e muitas de suas decisões afetam todos os 175 milhões de brasileiros.
Julgam causas de colossal impacto político e econômico – basta ver o crucial processo ora em curso sobre se a cobrança de contribuição de funcionários aposentados e pensionistas, prevista na reforma da Previdência aprovada pelo Congresso 2003, é ou não constitucional. Se o Supremo decidir que não é, desaba um dos pilares do que o governo considerou sua maior vitória política até agora e surge um problemaço para as contas públicas. Com suas togas pretas e ar grave, os ministros do Supremo são vitalícios até os 70 anos de idade. E, interpretando a Constituição, dão sempre a última e inapelável palavra sobre o que vale ou não e o que pode ou não ser feito, inclusive pelo presidente, o Congresso, os governadores, os prefeitos e os demais tribunais.
Nesse caso, copiamos de mentirinha o modelo americano
Para chegar a posto tão relevante, o indicado pelo presidente, tal qual nos Estados Unidos – modelo que inspirou o nosso desde a proclamação da República, há quase 115 anos – precisa teoricamente passar pelo rigoroso crivo do Senado, começando por uma sabatina em sua Comissão de Justiça. Nesse mais de um século, porém, somente um único ministro indicado por um presidente teve seu nome rejeitado, e assim mesmo por mera futrica política: o abolicionista e republicano Cândido Barata Ribeiro, apontado em 1893 pelo presidente Floriano Peixoto (1891-1894).
O “marechal de Ferro” governou com mão de idêntico material, decretando o estado de sítio e obrigando o Congresso a se auto-castrar pela “suspensão” dos trabalhos durante quase todo o seu mandato. No final de seu governo, com o Congresso de novo reaberto, já eleito o presidente civil Prudente de Morais (1894-1898) e a menos de dois meses da posse, o Senado, num caso de valentia a posteriori, vingou-se de um Floriano já esvaziado, em seus dias finais no Palácio do Catete. Alegando faltar a Barata Ribeiro, um médico de formação mas com rica vida pública que incluiu ser prefeito do Rio de Janeiro, “notório saber jurídico”, vetou seu nome.
Bem diferente do cenário nos Estados Unidos. Desde o governo do primeiro presidente, George Washington (1789-1797), até hoje, nada menos do que 33 dos 148 indicados para a Suprema Corte não emplacaram, sempre por questionamentos do Senado, que rejeitou doze deles, obrigou o presidente a retirar outros seis e levou os demais à desistência. No auge do seu poder, Richard Nixon (1969-1974) foi derrotado em duas indicações. No Senado americano se escarafuncha tudo, inclusive a vida pessoal, que por um triz não derrubou em 1991 Clarence Thomas, juiz negro indicado por George Bush pai (1989-1993) acusado de assédio sexual por uma advogada. Mesmo presidentes popularíssimos enfrentaram problemas: Ronald Reagan (1981-1999) teve em 1987 dois juízes recusados para a mesma vaga.
As sabatinas dos indicados pelo governo são quase um faz-de-conta
Vemos, pois, que no Brasil republicano, presidencialista desde o início por influência americana, também na questão do Supremo copiamos o modelo dos Estados Unidos, só que de mentirinha, deixando de lado o espírito dos Founding Fathers. Algo típico de país que carnavaliza suas instituições: elas existem, mas algumas destinam-se a não funcionar, na mesma linha das leis que não “pegam” ou dos tribunais de Contas que flagram bandalheiras com o dinheiro público quase sempre tarde demais para fazer algo a respeito.
No questão da composição do Supremo, e independentemente dos méritos e da correção do futuro ministro Eros Grau, o Senado recebeu atribuições da Constituição, mas só finge exercê-las. É por esta razão que as sabatinas de ministros do Supremo, como a que consagrou Grau, são quase um faz-de-conta, tão amenas como o chá semanal da Academia Brasileira de Letras.