Está certo que qualquer ministro do Supremo Tribunal Federal tem todo o direito de pedir vista dos processos em julgamento na Corte — ou seja, que certos processos e todas as suas peças sigam para seu gabinete para um estudo mais aprofundado, que lhe permita ir além das informações que, durante a sessão, foram prestadas aos demais colegas pelo ministro relator.
Pois bem, um processo importantíssimo para as instituições — com cuja decisão do Supremo ditará os limites da atuação do Ministério Público e se seus integrantes podem, como faz a polícia, proceder a investigações de ilícitos, ou não — está em julgamento pela corte.
A votação está empatada em 1 a 1.
O ministro Cezar Peluso pediu vista do processo — em julho de 2007. Ou seja, o processo dorme na gaveta do ministro há quase cinco anos.
E, até agora, nada. Como se não tivesse a mais remota importância para o país.
Não é por acaso que seu colega Marco Aurélio de Mello, sempre bem-humorado — e ferino — mencionou que, no caso, está havendo “perdido” de vista.
Cá para nós, não é um exagero, e um absurdo, que um processo dessa envergadura esteja paralisado há quatro anos e dez meses no gabinete de um único ministro?
A visão do Supremo Tribunal Federal vem se consolidando no sentido de considerar legítima a atividade investigatória pela instituição ministerial, presente por exemplo no Habeas Corpus (HC) nº 118280, do qual destacamos uma parte:
“Na análise do pedido de liminar, as alegações foram afastadas pela ministra Rosa Weber, que citou precedentes do STF (RE 468523, de relatoria da ministra Ellen Gracie e HC 94173, relator o ministro Celso de Mello) no sentido de que nada impede o Ministério Público de requisitar esclarecimentos ou diligenciar diretamente para obtenção de provas de modo a formar seu convencimento a respeito de determinado fato. Em sua decisão, a ministra-relatora afirmou que não há norma no ordenamento jurídico brasileiro, seja constitucional ou infraconstitucional, que atribua exclusividade ou monopólio na apuração de fatos delituosos às polícias civil ou federal.”
“Outrossim, em julgamento mais recente (Recurso Extraordinário nº 593.727), o Supremo reconheceu a legitimidade do Ministério Público para promover investigações criminais. Além disso, fixou alguns parâmetros para o exercício dessa atividade. Destacam-se os seguintes:
“Esse poder investigatório foi alvo de polêmica e discussão em anos recentes, quando tentaram extingui-lo por intermédio da Proposta de Emenda Constitucional nº 37/2011.
“Referida PEC foi, felizmente, julgada antidemocrática e rejeitada em 2013 pela Câmara dos Deputados, e ficou conhecida nacionalmente como PEC da Impunidade”.
(Post de Ricardo Setti, de São Paulo. Originalmente publicado a 21 de maio de 2012 no blog que mantive no site da revista VEJA entre 2010 e 2015)
ATUALIZAÇÃO
O ministro Cezar Peluso aposentou-se compulsoriamente em agosto de 2012, e o caso só foi julgado em 2015 — o Supremo decidiu que, sim, o Ministério Público tem poder de investigação.
A postura foi mantida em outro julgamento de 2018 que questionava o mesmo tema em caso concreto diverso.
E uma vez mais, em Ação Direta de Inconstitucionalidade de uma entidade de policiais civis que questionava um dispositivo de lei estadual do Rio de Janeiro, em setembro de 2020, por 7 votos a 4, o plenário do Supremo decidiu que o Ministério Público tem legitimidade para conduzir “diligências investigatórias criminais”.
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Parece que ele esqueceu mesmo, sabe como é: são muitos processos!
É a maldita subjetividade que temos nos assuntos que demandam ordem. Pedido de vista deveria ter prazo. Se me permite, 4 anos e 10 meses é um absurdo, um exagero e ridículo, só apequena ainda mais nossa nação.
Qual seria a dificuldade para tamanha delonga ? Sabe lá Deus, meu caro Carlos...
É muito provável que o ministro Cézar ( com Z!) não tenha a prática da leitura rápida e compreensão de textos mais alentados. Nesse caso, seria de bom alvitre fazer um curso de leitura dinâmica em uma dessas escolinhas que proliferam pelos centros das cidades grandes.