O vexame já passou, para o presidente Joe Biden e para a política externa dos EUA, porque o Senado aprovou no final de abril o crucial pacote de ajuda de 95 bilhões de dólares, cujo item principal são 61 bilhões para a Ucrânia, sufocada por insuficiência de armamentos e munições depois de dois anos resistindo à invasão criminosa de potência militar muito maior que é a Rússia de Putin.
O pacote inclui 26,4 bilhões para Israel, dos quais 9 bilhões deverão ser majoritariamente destinados a ajuda humanitária a Gaza, com parcelas menores para o Haiti e o Sudão. Incluir Gaza, Sudão e Haiti em ajuda a Israel foi algo necessário devido a tecnicalidades do mecanismo legislativo do Congresso americano. Do total, 8 bilhões irão para aliados americanos da região do Indo-Pacífico, principalmente Taiwan.
Falo em vexame porque, indiferentes à brutal importância de auxiliar a Ucrânia a deter a expansão russa na Europa, algo vital para a segurança nacional dos próprios EUA, deputados republicanos trumpistas dos fundões da América bloquearam por mais de seis meses a votação da medida. Deputados de quem ninguém ouviu falar, de distritos dos Estados mais atrasados do país, influenciados pela postura desvairada de Trump de desconsiderar aliados norte-americanos – sem contar sua simpatia, inexplicável, pelo ditador russo Vladimir Putin -, recusavam-se a votar a proposta da Casa Branca baseados em argumentos paroquiais e ameaçavam decretar o impeachment do recém-eleito presidente da Câmara, Mike Johnson, ele próprio um obscuro republicano trumpista da Louisiana, que, porém, acabou mudando sua posição, muniu-se de coragem e colocou o projeto de lei em votação.
Acabou tendo sucesso: apesar de os democratas terem 213 deputados contra 218 republicanos, o projeto foi aprovado no dias antes do Senado, por grande maioria bipartidária, 311 votos a 112. 101 republicanos votaram a favor.
O Senado, onde a divisão ideológica existe, mas não é tão barulhenta quanto na Câmara, já havia aprovado há semanas por sua conta uma substancial ajuda à Ucrânia, mas a confusão entre os deputados levou a que não houvesse a necessária votação. Depois dos 311 a 112 na Câmara, porém, também o Senado acabou aprovando o pacote por maioria esmagadora, 79 votos a 18.
Johnson enfrentou gente como a “ala dura” trumpista, na qual se destaca o ultraconservador Matt Gaetz, um jovem e sorridente deputado da Flórida líder da rebelião que no passado levou à destituição do presidente anterior da Câmara, Kevin McCarthy, e vive ameaçando tomar a mesma iniciativa em relação a Mike Johnson. “Não há nada que eu queira mais do que ir contra os democratas”, disse ele à CNN, acrescentando: “Mas se há republicanos que se vestem de democratas, terei que também contra eles. Não importa o tamanho da nossa bancada no Congresso, o que importa é se querenos ou não salvar nosso país”.
Os republicanos trumpistas que se opunham ao auxílio à Ucrânia não tiveram papas na língua. Uma das mais jovens parlamentares do Congresso, Lauren Boebert, 37 anos, republicana do Colorado e fervorosa defensora do direito de os cidadãos terem armas, alterou o ambiente em geral respeitoso da Câmara durante a votação ao vaiar, aos gritos, os deputados democratas que agitavam bandeiras da Ucrânia durante a votação. No ex-Twitter, ela classificou a ação como “um espetáculo vergonhoso e asqueroso”, e, dirigindo-se aos democratas, escreveu: “Se vocês amam tanto a Ucrânia, levem para lá suas bundas e deixem o governo dos Estados Unidos para os que amam este país”.
Em compensação, um dos raros republicanos ainda moderados, Tom Cole, de Oklahome, considera, corretamente, que a defesa da segurança nacional dos EUA passa pela defesa dos aliados americanos na Europa. “Vladimir Putin está observando”, disse ele, “[o presidente chinês] Xi Jinping está observando, os líderes do Irã e outros inimigos do nosso país estão observando”.