BRASÍLIA, 18 – Inicia-se nova fase no rumoroso caso do “Diamante 007” com o envio, à Justiça, dos autos do inquérito instaurado pelo DFSP para apurar o sequestro do [cidadão] grego Hipocratis Takapoulos, comprador do diamante com dois cheques sem fundo,  pelo delegado [federal] Egberto Assumpção e seus colaboradores. [O [Departamento Federal de Segurança Pública, DFSP, foi o órgão que deu origem à Polícia Federal]. Estando o processo na 1ª Vara Criminal de Brasília, muitos pormenores até agora desconhecidos, ou vagamente dados a conhecer por fontes ligadas ao inquérito, virão a público, ao lado dos esclarecimentos que serão prestados no transcorrer dos trabalhos da CPI instalada ontem na Câmara para apurar a participação do deputado Luiz Bronzeado [Arena-PB] no caso.

Até o momento, embora estejam presos quase todos os participantes do sequestro, nada ficou definitivamente estabelecido no que se refere às responsabilidades, com os implicados acusando-se reciprocamente nos depoimentos prestados.

Hipocratis acusa o delegado Assumpção de seu sequestro e das inúmeras torturas que sofreu; o deputado Luiz Bronzeado, acusado pelo DFSP de estar envolvido, pretende implicar no processo até o general Riograndino Kruel, diretor-geral do órgão policial; o delegado Assumpção, embora tenha confessado as torturas infligidas ao grego, disse que o que fez tinha o beneplácito e o apoio do general Riograndino Kruel e de seus principais assessores, que tinham conhecimento de tudo o que se passava; o delegado, em seus depoimento perante a Comissão de Inquérito presidida pelo delegado Walmares Barbosa, chegou a afirmar que aplicou o chamado “soro da verdade” no grego, atendendo “ao próprio interesse do presidente da República”; o garimpeiro João Barbosa Sobrinho, atualmente foragido, afirmou à polícia em depoimento prestado a 19 de maio que vendera o chamado “Diamante 007” ao grego sob efeito de entorpecentes, que Hipocratis ministrara a ele e sua esposa.

Já o sr. Inezil Penna Marinho, advogado do grego, diz que o único crime de Hipocratis foi o de não ter selado os cheques de 2 bilhões cada, que deu ao garimpeiro como notas promissórias, já que ambos estavam pós-datados, passados ao garimpeiro apenas como garantia de que, após vendida a pedra, Hipocratis ficaria apenas com uma percentagem do preço alcançado, entregando o restante a João Barbosa Sobrinho; a esposa do delegado Assumpção diz que seu marido apenas cumpriu seu dever. Diante de tantas e tão controvertidas afirmações, até o momento não se pode ter uma ideia exata da história do “Diamante 007”.

Início em 1965

O DFSP, no último dia 13, distribuiu nota à imprensa explicando o caso, nele envolvendo o deputado Luiz Bronzeado. A história, acrescida de alguns pormenores apurados, pela reportagem, embora ainda controvertidos, pode ser assim resumida:

Na segunda quinzena de outubro de 1965 apareceu no bar do [cidadão] grego Hipocratis Bassilis Takapoulos – ex-integrante das Forças Armadas da Grécia, e também ex-integrante da resistência grega à invasão nazista, casado com a brasileira Guiomar Takapoulos, pai de dois filhos de 6 e 3 anos – um cidadão, Isaac, também negociante, em cujo estabelecimento em Brasília trabalhava o filho do garimpeiro João Barbosa Sobrinho. Por intermédio dessa ligação e levado por João Barbosa Sobrinho, Hipócrates ficou sabendo da existência de um grande diamante, de quase 450 quilates – conhecido depois como “Diamante 007”, número da matrícula do garimpeiro – e logo se interessou por sua aquisição.

Depois de alguns encontros, decidiu-se o negócio: o grego daria pelo diamante quatro bilhões de cruzeiros, pagos com dois cheques de dois bilhões, cada, do Banco de Crédito Real de Minas Gerais, agência de Brasília. A transação foi feita numa sexta-feira, em hora tal que os cheques não poderiam ser descontados no mesmo dia. Na segunda-feira, quando o garimpeiro tentou descontá-los, verificou que não tinham fundos. Segundo o DFSP, também um cidadão sírio, Rachid Ayoub Abboud, participou de negócio como intermediário.

Divergências

Enquanto isso, o grego e o sírio, certos de que seria arriscada a venda da pedra no Brasil, tentaram vendê-la em Montevidéu, no Uruguai, juntando-se a eles ainda outro [cidadão] grego vindo de Brasília, Demóstenes, e outro com quem travaram contato em Montevidéu, Panaiotes, cujos nomes completos não foram fornecidos. Não conseguindo também negociar a gema na capital uruguaia, surgiram divergências no grupo, quanto ao melhor local para vender o diamante. Hipocratis deixou novamente o Brasil com a pedra, seguindo de avião para Atenas, via Paris, onde chegou a 8 de novembro

Investigações

O garimpeiro supostamente lesado, João Barbosa Sobrinho, deu o alarme, tendo sido iniciadas as investigações, primeiramente pela Polinter e, em seguida, pela Interpol, sendo incumbidos dos trabalhos o delegado Egberto Assumpção Pacheco Nogueira e o comissário Edson Lasmar, que conseguiram atrair Hipocratis novamente ao Brasil, onde foi preso em 21 de dezembro, no Rio, pelo delegado Hilton Brandão, e conduzido a Brasília.

Segundo informou Hipocratis antes de viajar para o Brasil, entregou à Polícia de seu país os fragmentos de uma pedra que, conforme disse, se partira ao cair de uma máquina fotográfica onde estava escondida. Em Brasília, Hipocratis foi recolhido ao Quartel da Polícia do Exército, de onde foi retirado pelo delegado Assumpção no dia 9 de janeiro, para diversas diligências. Na rodovia Brasília-Goiânia, entretanto, os condutores do grego simularam um sequestro, conduzindo-o então para uma fazenda nas proximidades de Luziânia (GO), onde, segundo o DFSP, teriam começado as torturas.

Mais tarde, quando o advogado Inezil Penna Marinho impetrou junto ao Supremo Tribunal Federal um “habeas corpus” pedindo que o grego fosse legalmente preso, o DFSP, servindo-se de informações do delegado Assumpção, comunicou ao STF que o ele havia fugido no dia 11. Imediatamente o advogado deu entrada na corregedoria do DFSP com uma representação para que fosse apurada a fuga, o que deu origem à constituição da comissão de inquérito presidida pelo delegado Walmores Barbosa.

Fuga

Após ter sido levado à fazenda, o grego conseguiu fugir, apresentando-se ao quartel da PE, de onde já fora retirado pelo delegado Assumpção, que novamente o levou à fazenda, chamada “Morro Velho”, de propriedade do deputado Luiz Bronzeado. Aí começou o que se pode chamar de “via crucis” do grego: em busca da pedra, foi conduzido para Franca, no Estado de São Paulo, em viagem que se estendeu até Pelotas, no Rio Grande do Sul, passando ainda por Santos e pela capital paulista. O delegado, confiando Hipocratis em nome do DFSP ao 7º Batalhão de Caçadores do Exército de Pelotas [RS], foi a Montevidéu em busca da pedra, regressando no dia 16 de fevereiro ao Brasil.

Logo após, Hipocratis seria novamente levado para São Paulo, de lá para Belo Horizonte e, finalmente, para Brasília e em seguida para a fazenda “Morro Velho”, sob o regime de torturas, tendo viajado quase sempre no porta-malas de um automóvel, algemado e amordaçado, segundo o DFSP.

Enquanto continuavam informando ao DFSP sobre uma suposta fuga de Hipocratis, o delegado Assumpção e alguns auxiliares realizavam diligências para encontrar a pedra, tendo viajado até para a Grécia onde, segundo depoimento da sra. Guiomar Takapoulos, mulher de Hipocratis, teria sido ameaçada de morte até a mãe do marido.

Delegado preso

Logo que o advogado Penna Marinho entrou com a representação junto ao DFSP, o organismo, após mandar prender o delegado Asumpção e destituí-lo da chefia de seu Serviço de Diligências Especiais, iniciou diligências para encontrar o grego, que já havia mudado de local diversas vezes, sempre sendo torturado para dar conta do paradeiro do diamante. Após uma semana, Hipocratis foi localizado, juntamente com seus carcereiros, na fazenda “Água Fria”, no município goiano de Santo Antônio do Descoberto. Achavam-se no local o proprietário da fazenda, advogado Francisco de Assis Neves, Severiano Farias Filho, que também se dizia advogado, os dois filhos do garimpeiro João Barbosa Sobrinho e um médico do SAMDU, chamado para atender o sequestrado. À exceção do médico, os demais ficaram detidos no quartel da PE, em Brasília, tendo logo em seguida o DFSP emitido nota oficial esclarecedora, incriminando o deputado Luiz Bronzeado.

Depoimentos e torturas

Seguiram-se depoimentos do grego, contando as torturas que sofreu: teve os dedos das mãos quebrados por pedras, sofreu queimaduras e choques elétricos em todo o corpo, seu bigode foi arrancado por alicate, foi espancado e chicoteado inúmeras vezes, permaneceu cinco meses algemado sem banhar-se, escovar os dentes ou submeter-se a qualquer processo de higiene, o que foi verificado em três exames médico-legais a que foi submetido.

Depuseram também o delegado Edgberto Assumpção, que admitiu a maior parte das acusações que sobre ele pesavam, envolvendo no caso diversas autoridades, os filhos do garimpeiro, os advogados presos e até o general Riograndino Kruel.

O deputado Luiz Bronzeado, acusado de estar envolvido no sequestro do grego, defendeu-se na tribuna da Câmara, atacando o DFSP, pedindo licença para ser legalmente processado [para supostamente provar sua inocência] e requerendo a continuação de uma CPI que, instalada, já ouviu seu depoimento e ouvirá, terça-feira o do general Riograndino Kruel. Nesse ínterim, o inquérito presidido pelo Delegado Walmores Barbosa, do DFSP, foi encerrado e enviado à Justiça, e o Ministério Público denunciou Hipocratis e companheiros por crime de estelionato, contrabando e falsidade documental.

O diamante

Enquanto todos esses fatos foram revelados e discutidos, o principal ponto de todo o caso – o diamante – ainda não foi esclarecido. Cogita-se, até, da inexistência da pedra.

O chamado “Diamante 007” teria sido encontrado no dia 17 de setembro de 1965 por João Barbosa Sobrinho, garimpeiro há 44 anos que nunca havia dado com pedra de grande valor quando garimpava no rio da Prata, no chamado Porto dos Diamantes, em Minas Gerais. Diz-se que a pedra, pouco maior que uma bola de ping-pong, envolvida por uma grossa crosta, teria 450 quilates (perto de 90 gramas), e valeria 27 bilhões de cruzeiros. Há controvérsias até sobre o local em que a gema teria sido encontrada: dizem, também que foi em Goiás.

O garimpeiro João Barbosa Sobrinho está agora foragido, pois teve decretada sua prisão preventiva, acusado que foi pelo grego de participar das torturas, tentando recuperar a pedra. Na Justiça de Brasília há quem acredite até que João Barbosa Sobrinho nunca achou pedra alguma: ela teria sido encontrada por outro garimpeiro, Antonio Rodrigues de Oliveira, provavelmente morto por Barbosa, pois até o momento não deu qualquer sinal de vida. O velho garimpeiro disse, no depoimento prestado a 19 de maio passado, que achou a pedra quando garimpava em companhia de Antonio Rodrigues de Oliveira, ou da Silva, seu colega de profissão, sendo esta a única referência a este personagem da história. Se Antonio fosse encontrado, talvez muita coisa pudesse ficar esclarecida.

Seria cristal

O grego, a seu turno, disse à Polícia que a pedra que levava, adquirida mediante fraude de Barbosa Sobrinho, não era um diamante, e sim cristal de grande brilho que teria enganado até a profundos conhecedores. A teoria parece corroborada por autoridades no assunto que, ouvidas a respeito, disseram ser bastante improvável que se encontrasse na região do Rio da Prata um diamante de 450 quilates. Ademais, se isso houvesse ocorrido, teria havido com certeza uma corrida a região, como a que houve a Cristalina, em Goiás, quando os primeiros cristais de rocha começaram a ser encontrados.

Por outro lado, porém, dificilmente o grego teria suportado os sofrimentos a que o submeteram se não tivesse certeza quanto ao valor da pedra, cujo paradeiro certo jamais revelou. Disse, no inquérito, que a pedra que possuía se partiu em 7 pedaços, estando em poder das autoridades gregas.

Além de tudo, as diversas pessoas envolvidas no caso, inclusive membros do DFSP, não se teriam arriscado a tanto se não tivessem um motivo bem forte para enriquecer ilegalmente. Há quem diga que o grego escondeu a gema em algum lugar de Atenas, quando lá esteve, e que voltará para buscá-la quando acabar de cumprir sua pena na prisão.

Perguntas não têm respostas

Essas hipóteses, porém, são novamente postas em xeque quando se indaga por que o garimpeiro, com 43 anos de experiência, e sabedor portanto do valor do diamante, se fosse verdadeiro, o teria vendido ao grego, pequeno comerciante, já submetido a processo por falência fraudulenta, e não aos grandes compradores do Rio e São Paulo.

Se tivesse querido ludibriar o grego, por que aceitou dois cheques, e ainda num dia em que eles não poderiam ser cobrados? Todas essas perguntas não podem ser respondidas com os elementos que se tem em mãos no momento. É provável que, com o curso do processo na Justiça e com o desenvolvimento da CPI na Câmara, muita coisa fique esclarecida, uma vez que o inquérito até ontem vinha sendo sigiloso.

Além disso, o DFSP, segundo tudo indica, vai prosseguir na busca do diamante, falando-se no sr. Jesuan de Paula Xavier, atual corregedor do órgão, como o nome mais indicado ante o êxito de suas diligências no caso do contrabando de minérios, ainda quando era chefe do Serviço de Repressão ao Contrabando.

(Reportagem de Ricardo Setti publicada no jornal O Estado de S. Paulo em 11 de junho de 1966 sob o título original de “Diamante: acusações tumultuam inquérido”)

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