“Não creio que exista um edifício que se aproxime a este em termos de inventividade”.
A frase, sobre o Museu Guggenheim de Bilbao, Espanha, é dita pela escritora e especialista em história da arquitetura Mildred Friedman no documentário Sketches of Frank Gehry (2005), do diretor e ator americano Sydney Pollack (1934-2008).
Mas serviria para descrever o espanto de qualquer visitante do espetacular museu de fachada única e internacionalmente reconhecível, revestido de titânio e com 24 mil metros quadrados de área, inaugurado em 1997, após investimento aproximado de 100 milhões de dólares.
Com as faces iluminadas pela luz solar refletida de suas peculiares paredes retorcidas de titânio, as cerca de um milhão de pessoas que todo ano pagam ingresso para entrar no museu invariavelmente ficam assombradas com seu visual interno e externo.
Tamanho deslumbramento chega a ofuscar o acervo de arte moderna da filial espanhola da entidade, cuja sede é muito mais visada do que as obras de artistas contemporâneos como Andy Warhol e Antoni Tàpies distribuídas por suas 20 galerias.

A culpa é do personagem principal do documentário de Pollack, o canadense Frank O. Gehry. Um dos arquitetos mais inovadores – e, principalmente por isso – controvertidos de todos os tempos, há 25 anos ele é detentor do prestigiadíssimo Prêmio Pritzker, espécie de “Oscar” pelo conjunto da obra de gênios da arquitetura, conferido pela fundação americana Hyatt, que em seus trinta anos de história já eternizou outros gigantes como o brasileiro Oscar Niemeyer (1988) e o inglês Norman Foster (1999).
E este currículo aumentou na quarta-feira, 7 de maio de 2014, com o anúncio do nome de Gehry como vencedor do também conceituado Prêmio Príncipe das Astúrias, outorgado por fundação homônima dirigida pelo príncipe herdeiro Felipe, da Espanha.
“Pela relevância e a repercussão de suas criações em vários países, com as quais definiu e impulsionou a arquitetura no último meio século”, conforme anuncia a entidade, o arquiteto foi o homenageado em artes, uma das oito categorias do prêmio. “Seus edifícios se caracterizam por um jogo virtuoso com formas complexas, pelo uso de materiais pouco comuns, como o titânio, e por sua inovação tecnológica, que também teve repercussão em outras artes”, lê-se em outro trecho do comunicado.

Aos 85 anos de idade, Gehry comanda um escritório e centro de tecnologia de quase 200 profissionais em Los Angeles – com filiais em Nova York, Paris e Hong Kong – e espalha projetos por diversos países do mundo, além de desenvolver esculturas, móveis e joias igualmente surpreendentes.
A joalheria norte-americana Tiffany & Co., por exemplo, lançou em 2006 uma linha com dezenas de itens desenhados por ele. Entre as peças mais caras da coleção que leva o seu nome está o anel de ouro branco e diamantes Fish Ring, que custa 14 mil dólares. Por sua vez a Heller, marca multinacional de design sediada nos EUA, encomendou uma coleção de móveis com sua assinatura. “Há certas regras sobre expressão arquitetônica que supostamente devemos seguir. Que se danem elas!”, diz no filme o arquiteto. E a julgar por seu portfólio, a frase pode perfeitamente ser seu lema.
A origem
A trajetória profissional de Ephraim Goldberg Owen, hoje mundialmente conhecido como Frank O. Gehry (conta-se que o novo sobrenome veio por sugestão da primeira esposa) começou muito antes do Pritzker, do Príncipe de Astúrias ou da vitória no concurso internacional que lhe deu a concessão para o projeto do Guggenheim, em 1991.
Nascido em 1929 em Toronto, Canadá, este descendente de judeus poloneses, ainda jovem se mudou com a família para Los Angeles, onde trabalhou como motorista de caminhão e lavador de aviões antes de descobrir que os “projetos” que fazia com pedaços de madeira em sua infância, na companhia da avó, resultariam num talento excepcional para a arquitetura e outras atividades ligadas ao desenho.

Pouco depois de completar 30 anos de idade já havia fundado sua empresa, a Frank O. Gehry and Associates, com a qual desenvolveria suas especialidades: os traços imprevisíveis, com um nível de ousadia sem igual, e a combinação de materiais diversos, entre eles zinco, aço, vidro, madeira e até certos tipos de pedras.
Nos anos 70, período em que construiu sua inusitada residência em Santa Monica, Califórnia – aproveitando uma casa já existente, ele erigiu outra a seu redor, inspirado no que chamou de “fantasmas do cubismo” – tornou-se bastante conhecido também por trabalhos paralelos como a “Easy Edges”, uma linha de móveis feitos de papelão.
Com ela, Gehry demonstrava espírito vanguardista ao apostar pela “manipulação de materiais básicos de maneiras não-convencionais, para produzir objetos que sejam funcionais, mas também visualmente impactantes”, como definiu à época.
Peixes, joias e móveis
Mas não seria até a década seguinte, quando Gehry assinou projetos com o do Vitra Design Museum, em Weil am-Rhein, na Alemanha, e do restaurante Fishdance, em forma de peixe, em Kobe, Japão, que seus trabalhos passariam a ser vistos como obras de um artista. “Meus colegas gozavam de mim, e os artistas de quem eu gostava elogiavam o que eu fazia”, relata o arquiteto.
Curiosamente, o mesmo peixe que foi inspiração para o restaurante japonês serviria de referência para várias outras extravagâncias do arquiteto. O fascínio de Gehry pelos seres marinhos chegaria ao auge com o Peixe Dourado, uma enorme escultura de metal que chama a atenção dos milhares de turistas que passeiam pela orla de Barcelona. A obra, também incluída no estilo “gehryano”, que divide opiniões em alguns setores arquitetônicos por às vezes priorizar o “genial” ao “funcional”, foi inaugurada nos Jogos Olímpicos sediados na cidade espanhola, em 1992.

“Três milhões de anos antes do homem já havia os peixes”, explica Gehry sobre sua obsessão, que migrou também para as joias com o Fish Ring da Tiffany & Co. Além da joalheria, das esculturas como o Peixe Dourado e dos sensacionais móveis de papelão – que viraram peças de exposição -, a criatividade de Gehry se expandiu para uma linha de móveis propriamente dita. Sua Frank Gehry Furniture Collection tem cadeiras, poltronas, mesas e sofás de visual futurista, concebidos a partir de materiais como resina e prata. Por cerca de 450 dólares pode-se comprar um de seus “cubos curvados”, que deram origem ao estilo usado no Guggenheim de Bilbao.
Ferramenta
E como Frank O. Gehry põe em prática as formas inusitadas que cria, seja as que resultam em um edifício que parece ter vindo de outro planeta ou um exuberante colar? Entusiasta dos computadores como ferramentas de elaboração de projetos desde o surgimento dos primeiros, Frank Gehry continua sacando suas ideias de rabiscos aparentemente inocentes, ou de montagens despretensiosas que faz com cartolina.
Mas a complexidade de suas criações alcançou tal nível que foi necessário dar um passo adiante em termos de software. Desta maneira, sua firma Gehry Technologies desenvolveu, juntamente com a companhia francesa Dasault Systems – a mesma responsável por programas como o Catia -, um software particular de 3-D, o Digital Projects.

“Criar uma tecnologia que não interviesse no processo dele foi crítico para nós”, revela a Pollack Jim Glymph, um dos sócios de Gehry. “Tivemos que inventar jeitos de digitalizar os seus modelos físicos, para que ele pudesse ir mais além”. Assim, munido de alguns dos melhores arquitetos e de ferramentas de última geração especialmente criadas para ele, Gehry seguiu nas últimas duas décadas lançando mundo afora construções audaciosas.
Algumas de suas obras mais representativas são o Weisman Art Museum, em Minneapolis, EUA (1993), a surrealista Dancing House, em Praga (1995) – que realmente parece uma ilusão de óptica -, ou Walt Disney Concert Hall, em Los Angeles (2003). Astros de Hollywood como Dennis Hopper (1936-2010) moram ou moraram em casas feitas por ele sob encomenda, e ao mesmo tempo a sede da entidade escocesa Maggie’s Centres, dedicada ao tratamento de câncer, leva sua assinatura. Gehry, desde o início, foi eclético em relação aos clientes.

Abaixo, trailer do documentário “Sketches of Frank Gehry”, do cineasta Sidney Pollack, que dá uma boa ideia da íntegra da película de hora e meia de duração.
5 Comentários
Embora não esteja em condições de julgar artisticamente sua obra, não gosto de seu estilo.
Prezado Setti, Ser casado com uma arquiteta há décadas me fez ter muuuuuito contato com o Gehry e a turma dele.Posso gostar ou não gostar de arte contemporrânea, do abstrato na pintura, dessas coisas estranhas chamadas instalações,da "casa andorinha" que não consigo ver ,etc,mas aprendi a reconhecer arte de qualidade quando a vejo.São extraordinários os trabalhos arquitetônicos do Wright (Guggenheim NY),do Pei ( o Banco da China ) ,da Zaha Hadid ( MAXXI),do do Tom Wright ( Burj Al Arab) ,do Van der Rohe ( o Pavilhão ) ,do Jonhnson ( a Catedral de Cristal ), do Piano ( o Museu Miho ) e por aí vai.Sou maluco pelo trabalho curvo do Anish Kapoor,pelos labirintos de Olafur Eliasson e pelos borrões e manchas de tinta de Jackson Pollok. Mas Gehry consegue superar todo mundo.Existem arquitetos e artistas emblemáticos e existe O ARQUITETO que é O ÍCONE da arquitetura icônica.Frank Gehry. Ele tem coisas beeem comerciais- o Walt Disney Concert Hall de Los Angeles ,por exemplo - e outras que muito aprecio como a maravilhosa Ciudad Del Vino em Elciego,e o estarrecedor skyscraper da Spruce Street em Manhattan.Aquelas ondulações todas no prédio são janelas,ou seja,não são decorativas.Tem a ver com a "usabilidade" do projeto.Com o bem estar de quem usa o espaço.O edifício é de tirar o fôlego e defende a ideia de que a arquitetura é sobre relacionamentos , entre as pessoas que a fazem ,as pessoas a olham e os que a utilizam . A torre de Gehry traz uma energia para o horizonte de Nova York.Eu realmente gosto. Adoro o efeito da luz solar sobre todo aquele metal que ele usa nas suas obras,me divirto com seus peixes inusitados e ,a Casa da Dança,em Praga, é uma viagem para além da ponte,do centro medieval,de todo aquele lírico Mucha nouveau,e, de 2 garrafas de vinho no restaurante Celeste, lá no seu topo.Qualquer um sai de lá com ilusão de ótica... Já ouvi muitas vezes que o trabalho do Gehry tem " expressão ,movimento e sentimento ".Tantas foram as "aulas" que me deram ,que certa vez - rebelado! - comprei uma T-shirt onde se lia F**k Frank Gehry , pois é inegável que o seu estilo e sua assinatura têm sido explorados como logotipos.Mas confesso que ,ao fim e ao cabo,fui doutrinado. Quanto ao titânico Guggenheim de Bilbao,ele prova que as abordagens do Gehry podem revitalizar até mesmo um pântano.Olho e fico abestalhado.Mas aqui pra nós,mesmo discordando de você quanto ao museu ofuscar a arte que abriga - aquelas galerias são perfeitas para as esculturas em aço desenhadas por Richard Serra,por exemplo - quando olho para o museu tenho mixed feelings : ele é belíssimo SIM mas me dá a impressão que vai... cair aos pedaços! Grande Frank e valeu o post. Abraço.
Prezado Setti: Em julho de 1997 estava em Nova Iorque e fui visitar o museu Guggenheim daquela cidade. Estava rolando uma exposição fantástica (Drawings - from Dürer to Rauschenberg) que abrangia a evolução do desenho ao longo de 500 anos de história. No andar térreo havia uma maquete do Guggenheim de Bilbao. Fiquei absolutamente maravilhado, e combinei com minha então namorada que iríamos à Espanha no ano seguinte e faríamos uma visita obrigatória a Bilbao com o intuito principal de conhecer o museu. E assim fizemos. O museu é uma obra de arte em si, e se insere na paisagem urbana de Bilbao como um nave espacial vinda de alguma galáxia distante e que pousou ali naquele local ao lado do rio. Era julho de 1998 e o museu ainda tinha algumas salas em montagem, sendo que a obra que mais chamava a atenção era uma escultura em aço do Eric Serra. O arrojo da construção e a excelência das obras de arte ali presentes davam a certeza de estarmos vendo um marco na história da arquitetura e da museologia, o que foi confirmado pelo tempo. Parabéns pelo post - uma oportunidade ótima para quem já conhece de rever uma obra extraordinária e, para quem nunca viu, a chance de conhecer uma das maravilhas do mundo contemporâneo. Abs Caro Caio, Agradeço seu sempre ilustrado e rico comentário. O museu é mesmo de cair a cara -- a um ponto que o edifício eclipsa as obras de arte que abriga. Um abração!
. . . Ai, ai, ai... . . .
Setti Que presente !!! Obrigado Baita abraco