Durante décadas a Rússia desperdiçou um enorme patrimônio paleontológico com o comércio de presas congeladas de mamutes extintos há milhares de anos, abundantes em parte da gelada região da Sibéria. O comércio, surpreendentemente, não apenas não era proibido como tinha regras, fazendo com que essas preciosidades de eras extintas sejam transformadas em esculturas e objetos de decoração de marfim, postos à venda por preços altíssimos, que podem passar do milhão de dólares.

A caça às presas de mamutes aumentou muito com o aumento do aquecimento global, que provoca o derretimento da tundra (solo típico de áreas próximas ao Polo Norte) em partes da Sibéria e deixa expostos esqueletos desses imensos animais extintos. E, claro, existe o mercado negro, onde se conseguem preços ainda mais elevados e que o governo russo tenta reprimir fazendo vigilância com barcos e helicópteros de sua Guarda Costeira.

Mais desconcertante do que a legalidade da venda e compra das presas milenares era o fato de ter o apoio de ambientalistas e conservacionistas — os mamutes da Sibéria atendem a boa parte da demanda mundial por marfim, sobretudo da Ásia, e poupa os elefantes, ameaçados de extinção.

O mistério em torno da extinção dos mamutes é um dos assuntos que mais intrigam e fascinam os estudiosos. A maioria dos exemplares da espécie deixou de existir há cerca de 10 mil anos, durante a última era glacial. Mesmo assim, existem evidências cientificamente comprovadas de que um grupo desses animais gigantes, concentrado sobretudo na ilha de Wrangel, na porção de Oceano Ártico entre a Sibéria e o Alasca — parte do território dos Estados Unidos –, resistiu bravamente, durando cerca de 6 mil anos a mais.

Na região abundam provas da existência destes “mamutes recentes”, cujos restos sobreviveram em grande parte por terem sido congelados e, agora, movimentam a economia local.

ATUALIZAÇÃO

Leis dos anos 20 deste século finalmente tornou as presas parte do patrimônio público e proibiu, sob severas penas, sua captura, posse ou venda por particulares.

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Autora de trabalhos fotográficos bastante originais, a fotógrafa Eugênia Abrugaeva, nascida na cidade siberiana de Tiski, perto desta terra encantada de mamutes tardios, acompanhou a ação dos caçadores de presas.

O resultado é um interessante ensaio, publicado pelo site da revista National Geographic. Abaixo, uma seleção destas fotografias:

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“Yuka”, um jovem mamute cujo fóssil foi encontrado há poucos anos na vila siberiana de Yukagir
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Caçadores carregam presas de mamute na costa norte da Sibéria: uma boa peça pode garantir o sustento de suas famílias por um inverno inteiro
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Às margens do lago Bustakh, caçadores pesam e medem as presas; na vila de Kazachye, elas são vendidas por entre US$ 50 e 250 a libra (0,45 kg)
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Os aventureiros chegam a perder 10 quilos durante os cinco meses da temporada de “caça”: a comida é difícil de obter na região e precisa ser racionada
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Este homem não tem permissão para procurar presas, e por isso camufla sua cabana na ilha siberiana de Bolshoy Lyakhovskiy; a ideia é não ser localizado por helicópteros da Guarda Costeira russa
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Na mesma ilha, dois caçadores que localizaram um crânio de mamute sob a tundra
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Esta valiosa presa, estimada por seu descobridor em “milhares de dólares”, demorou vários dias para ser retirada do solo congelado
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O trabalho de retirada das presas é duro, pode estender-se por semanas e uma das grandes dificuldades dos caçadores é ter sempre uma muda de roupas seca
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O mercado de presas seria ínfimo se não fossem os chineses: 90% das peças como a que este barquinho conduz acabam vendidas à China
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Artesãos chineses trabalham em presas de mamute: tradição milenar que pode render milhões de dólares por peça

(Post de Ricardo Setti, de São Paulo, publicado originalamente no blog que o autor manteve no site da revista VEJA entre 2010 e 2014)

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13 Comentários

pedro em 28 de maio de 2014

gostei do comentario do sr. julio cezar

Julio Cezar em 26 de maio de 2014

Como 10.000 anos ? SE o pastor diz que o mundo tem aproximadamente 6.000 anos. Acho que sua informação não procede e ele está certo.

danilo em 25 de maio de 2014

Parabéns Ricardo Setti pelos assuntos sempre interessantes e importantes.

Daniel em 06 de maio de 2013

Essas peças deveriam ser preservadas? Sim, sem dúvida deveriam. Entretanto, não sei se o conhecimento sobre os mamutes iriam muito além do que já se sabe sobre eles, então não melhor que essas peças sejam comercializadas, do que ainda nessa geração sermos obrigados a ver e estudar ELEFANTES apenas pelos seus vídeos, fotos, ou possíveis fósseis existentes, e lamentar e extinção deles? O mercado de marfim existe, é forte, e quem é que vai acabar com ele? Ninguém vai, é impossível, assim como é impossível acabar com o tráfico de drogas.

José Eduardo em 06 de maio de 2013

Absurdo se permitir que achados como estes possam se transformar em simples objetos de uso e de enfeites domésticos. A história da vida sobre a terra perde muito com este negócio.

Zaratrusta em 05 de maio de 2013

Caro Setti, Interessantíssima reportagem! Parabéns pela escolha e oportunidade de conhecer essa realidade que até então só havia ouvido comentários! É impressionante a insensatez pecuniária sendo promovida com um bem que deveria ser tratado como patrimônio da humanidade! Pelas condições de conservação sob o terreno congelado, quiçá a engenharia genética não conseguiria colher o DNA e preservá-lo para a posteridade? (ao estilo Parque dos Dinossauros...) De qualquer forma é uma fonte com potencial de estudos inusitada, que deveria ser preservada!

Leonel em 04 de maio de 2013

Ontem, o perfil da Veja no facebook publicou esse texto, e claro, abri os comentários para rir um pouco, pois como esperado, não faltaram ecologistas de apartamento indignados com a CAÇA dos mamutes, e com a "disposição humana para matar". Hahahahahaha... De todo modo, Leonel, eu, pessoalmente, fico estarrecido com o fato de a Rússia permitir que esse patrimônio paleontológico seja detonado dessa forma. Abraços

Jonas Calsem em 04 de maio de 2013

Inacreditável que se perca valiosos pedaços da história evolucionista pela futilidade humana, fora a perca genética de presas de um animal extinto, até onde pude ver, muito bem conservadas. Até entenderia se fossem destruídas para algum tipo de pesquisa científica. Agora para criar peças de decoração? Na minha humilde opinião, órgãos internacionais deveriam agir, porque, mesmo estando sobre território Russo ou de quem quer que seja, as presas são patrimônio da humanidade e como tal, deveriam ter fins mais nobre.

Leonardo Cotts em 04 de maio de 2013

Na verdade o patrimônio é paleontológico, e não arqueológico. E deveria estar depositado em um museu e sendo fonte de pesquisa geradora de conhecimento, tal como, parte de um acervo disponível para a população ter contato e informação. Material paleontológico não é de uma pessoa, é de todos, e deve ser disponibilizado a público sempre que descoberto.

jose sebastiao afonso em 04 de maio de 2013

A humanidade é ainda primitiva e bárbara. Se "deliciar" com restos mortais de outro ser vivo, muitas vezes conseguidos através de atrocidades. Depois reclama do destino, que não merecia este sofrimento, esquecendo o rastro de dor e sangue que plantou em sua insignificante e desprezível existência.

Angelo Losguardi em 04 de maio de 2013

Exato, é um patrimônio arqueológico, Setti. E pelo que se vê nas fotos, existem exemplares belíssimos (e assustadoramente longos, imagino o tamanho desses bichos). Fiz a pergunta anterior porque já soube de chineses dando finalidades bizarras a restos de outros animais, moendo, transformando em pó e fazendo "afrodisíacos". Temia que fosse outro caso assim de extrema ignorância. Não deixa de ser, não é, Angelo?

Angelo Losguardi em 03 de maio de 2013

Muito interessante. Não ficou muito claro a mim, no entanto, a finalidade de uso dessas presas. Fazem com elas só esses artesanatos da foto? Em praticamente todos os casos, sim. São caríssimos e muito apreciados, especialmente na Ásia. Acho isso uma completa loucura, Angelo. Um patrimônio arqueológico que a Rússia detonou.

Christian Herzog em 03 de maio de 2013

Tudo pelo dinheiro, que merda!

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