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O velho Angelo Rizzoli só estudou até o5º ano primário – mas construiu o maior império de comunicação da Itália, inclusive uma editora de peso (Foto: @Editora Rizzoli)

Tendo estudado apenas até o 5º ano primário, o velho Angelo Rizzoli, morto em 1970, conseguiu construir o maior império editorial da Itália a partir de uma impressora a pedal adquirida no início do século. Seu filho Andrea e seu neto Angelo Jr., nascidos em berço esplêndido, porém, só precisaram de seis anos de administração para deitar ao chão o colosso – um complexo que fatura 56 bilhões de cruzeiros por ano e inclui uma editora, livrarias, publicações na Argentina, revistas famosas como Oggi e L’Europeo e o maior jornal da Itália, o Corriere della Sera.

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Andrea Rizzoli, com os filhos Alberto e Angelo Jr., que mais tarde ajudaria a afundar a empresa (Foto: @Wikimedia Commons)

Na semana passada, dois dias depois que uma multidão de 3.500 credores reunidos em assembléia aceitava a concordata pedida pela Rizzoli Spa, seu presidente, Angelo Rizzoli, 39 anos, neto do fundador, pedia demissão do cargo, colocando um ponto final no comando familiar do conglomerado. A concordata ou “administração controlada”, com prazo de um ano e administradores judiciais, dará fôlego ao grupo para tentar pagar sua dívida, equivalente a 41 bilhões de cruzeiros. Mas, ao que tudo indica, não fará cessar a lavagem de roupa suja familiar entre o recém-demitido Angelo Rizzoli e seu pai, Andrea, a respeito de quem administrou pior a empresa.

“Se somarmos o empenho de meu pai e o meu”, declarou Andrea Rizzoli, 68 anos, filho do velho Angelo e pai do Angelo atual, “nós trabalhamos exatamente 100 anos para construir o império Rizzoli. Angelo o destruiu em dois ou três anos.” Afastado do comando da empresa desde 1979, Andrea não podia ser mais duro com o filho. “Eu hoje só falo com meus cachorros, que são mais inteligentes que Angelo e seus conselheiros.” Na verdade, o período que marca o inapelável declínio da Rizzoli teve início com a morte do velho Angelo e a subida ao poder do próprio Andrea, então com 56 anos, o coração enfartado e famosos hábitos de perdulário. 

Separado da mulher, Andrea já era conhecido por sua inclinação por renovar o guarda-roupa e aumentar o patrimônio imobiliário de jovens atrizes de cinema a que se ligava. Livre da opressão do pai, um homem de hábitos moderados que o considerava um incompetente e o humilhava na presença de estranhos, Andrea começou por adquirir para a bela modelo Ljuba Rosa, com quem vive até hoje, o magnífico palacete em Cap Ferrat, na Costa Azul francesa, que pertenceu ao falecido ator alemão Curd Jurgens. Comprou também um caríssimo jato particular Mystère-20 e tornou freqüentes as luminosas recepções no seu iate Sereno, um portento com tombadilho de mármore e imensa e generosa despensa.

Lançamento do ano – No plano estritamente empresarial, Andrea cometeu a ousadia de comprar o Corriere della Sera, espécie de vingança póstuma contra o velho Rizzoli, cujo sonho sempre fora o de possuir um grande jornal mas que, prudente, evitou “dar um passo maior que a perna”. O negócio, em 1967, revelou-se desastroso desde o início. “Quando comecei os entendimentos”, reconhece Andrea, “os juros bancários eram de 6%. Quando o negócio foi fechado, já eram de 21%.”

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Casando-se com a atriz Eleonora Giorgi, Angelo Jr. aumentou a gastança que ajudou a afundar o grupo (Foto: @Corriere della Sera)

“Com meu pai”, diz Angelo, “perdemos em três anos, desde a compra do Corriere, 70 milhões de dólares (19,6 bilhões de cruzeiros).” Angelo, porém, ao assumir, não parecia preocupado com austeridade. Na mesma linha de paixão paterna pelo brilho mundano, casou-se com a atriz Eleonora Giorgi, comprou uma fabulosa villa em Capri e nunca viu nenhum mal em usar o avião da empresa para alegrar seus fins de semana. Dentro da Rizzoli, cercou-se de administradores que levaram a empresa a envolver-se em escândalos como o da loja maçônica P-2 e do Banco Ambrosiano.

O difícil equilíbrio em que o grupo conseguiu sobreviver rompeu-se com a falência do Ambrosiano e a conseqüente intervenção estatal, que resultou no surgimento do Novo Ambrosiano. Este, embora tenha herdado do antecessor uma participação de 40% no Corriere, resolveu não renovar o crédito da Rizzoli, levando-a à concordata.

Nem neste triste momento pré-falimentar de sua vida, no entanto, a família deixou de ostentar um certo fulgor: a lista dos credores é um longo desfilar de colunáveis, incluindo do escritor ítalo-americano Mario Puzo ao ex-primeiro-ministro Giulio Andreotti ou a atriz Sophia Loren, e foi apelidada de “o mais esperado lançamento Rizzoli do ano”.

(Reportagem de Ricardo Setti, de São Paulo, publicada originalmente na revista Veja em 9 de fevereiro de 1983)

ATUALIZAÇÃO

ESPETACULAR RECUPERAÇÃO: a espetacular recuperação da Rizzoli após a virtual falência tem um nome: FIAT. O maior colosso empresarial da Itália e um dos maiores do mundo assumiu o controle da empresa por meio de da GEM – Gruppo Editoriali Mondadori (primeiro como parte de um consórcio com ouras entidades, e posteriormente com a intervenção direta da Fiat).

A reestruturação se deu por todo os lados, com o 1) seneamento financeiro do grupo, via injeção de capital novo e renegociação das dívidas com todo o poder de negociação da Fiat; 2) reposicionamento da empresa como um grupo editorial, pura e simplesmente, com foco em suas revistas e jornais de prestígio, principalmente o Corriere dellal Sera, maior e mais respeitado jornal da Itália; 3) em consequência, separar os ativos problemáticos, como o Banco Rizzolie outras participações fora do mundo editorial: separação dos ativos problemáticos, como o Banco Rizzoli e outras participações não-editoriais; 4) radical profissionalização da gestão, afastando velhos dirigentes ligados a escândalos e à má administração financeira.

Fator essencial foi a manutenção do controle do Corriere, o ativo mais valioso da Rizzoli. Apesar das pressões políticas e empresariais, a nova gestão conseguiu preservar o prestígio e a influência do jornal, o que garantiu receita publicitária e relevância institucional — ambos fundamentais para atrair novos investidores e recuperar a credibilidade do grupo.

O resultado: o Grupo Rizzoli, que até de nome mudou — virou o RCS MediaGroup, um dos principais conglomerados de mídia da Itália — é de novo, e talvez mais do que antes, uma presença significativa nos setores de jornais, revistas, rádio, televisão e publicidade, com sede em Milão.

Em 2023, a RCS MediaGroup registrou receitas de 828 milhões de euros. A dívida financeira líquida baixou de 31,6 milhões para 23,4 milhões, considerada insignificante para o tamanho e o faturamento do grupo.

Detalhe: não há nenhum Rizzoli na direção da empresa, e nem a família é dona do grupo: o CEO é o milionário  do setor de mídia e publicitário e Urbano Cairo, que adquiriu o controle de 59,5% da RMS em 2016, por meio de uma oferta pública voluntária.

Urbano tem grande interesse no futebol e é o proprietário do Torino, tradicional clube da Primeira Divisão da Itália. Curiosamente, a família Agnelli, dona da Fiat e que participou da salvação da Rizzoli, é há décadas ligada por meio de alguns de seus membros ao rival do Torino na cidade de Turim, a Juventus. A “Juve” é o clube que mais vezes foi campeã da liga italiana — 36 títulos. O Torino obteve cinco títulos. 

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