BRASÍLIA, 26 – Um grupo de políticos jovens da ARENA trouxe a Brasília a preocupação de setores militares convencidos da necessidade de uma abertura democrática por parte do governo e de um melhor entendimento com as correntes de opinião pública que, antes de desvirtuar o Movimento de 31 de Março, o colocaria dentro de seus verdadeiros princípios norteadores. [Nota: no Estadão o golpe militar de 1964 era obrigatoriamente chamado de “Revolução” ou “Movimento”]. Essas correntes militares, contudo, têm apontado um sério obstáculo ao “reencontro com as origens da Revolução”: a permanência de lideranças antigas e desgastadas à frente dos principais dispositivos do poder civil, pelas quais a abertura teria, necessariamente, que ser empreendida.  Os políticos portadores dessa apreensão localizada em algumas áreas militares têm, com ela, identidade de pontos de vista. Mostram que não se pode confiar a uma liderança política ultrapassada e muitas vezes oriunda de um passado vicioso a tarefa fundamental e delicada de reconciliar o Movimento de 31 de Março com a generalidade das correntes de opinião, principalmente com a juventude, cuja insatisfação reconhecem e cuja angústia compreendem. Observam esses políticos que o dispositivo civil com que conta o governo, por vontade própria ou não, tem nos principais postos de comando elementos que pouco têm a oferecer, egressos em muitos casos da situação anterior à Revolução de 1930 ou ainda imbuídos de antigas e mesquinhas rivalidades partidárias. O líder da ARENA no Senado, por exemplo – que ainda ontem foi eleito presidente da comissão preparatória à convenção do partido, – é o sr. Filinto Muller, ex-chefe de Polícia do Estado Novo e colaborador de governos passados. O presidente da ARENA de São Paulo é o deputado Arnaldo Cerdeira, da chamada “velha guarda” do ademarismo. Os presidentes das ARENAS regionais, ou seus principais dirigentes, são ainda as chamadas “velhas raposas”, oriundas do ex-PSD e da ex-UDN. Não escapam à crítica políticos respeitáveis como o sr. Pedro Aleixo, presidente do Congresso e vice-presidente da República, que já em 1937 – há 31 anos – presidia a Câmara dos Deputados, o próprio presidente do partido, senador Daniel Krieger e seu líder na Câmara, deputado Ernani Sátyro. Além do mais, os políticos de maior acesso ao presidente da República são os que – com raras exceções – no passado participaram e colaboraram com outros governos. 
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Segundo os políticos que trouxeram essas informações ao Congresso, aqueles setores militares não vêem como se possa efetivar uma “abertura” dentro desse quadro. Participam do entendimento manifestado pelo general Carvalho Lisboa, comandante do II Exército, de que se deve dar lugar aos jovens, e esse procedimento há que ter início na área política. Com o quadro político vigente – cuja responsabilidade lançam, em grande parte, aos velhos políticos que se utilizam dos militares – a “abertura” tornar-se-ia ineficaz. Poderia mesmo significar uma volta ao passado. A opinião daqueles setores, assim, é de que chegou a hora de o governo desvencilhar-se da velha classe política, que envolve os militares em proveito próprio, mas não compartilha do mesmo grau de desgaste a que as Forças Armadas estão expostas perante a opinião pública nacional. (Artigo publicado por Ricardo Setti no jornal O Estado de S. Paulo a 26 de abril de 1968, sob o título de “Liderenças antigas esvaziam poder civil”)

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