Apinhados em botes de borracha e em todo tipo de embarcação improvisada, refugiados de diferentes origens procuram asilo no Reino Unido (Foto: @PA) Foto: @PA

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Keir Starmer, o novo primeiro-ministro britânico, e sua muher, Victoria, às portas da residência oficial: absurdo das deportações não vai ocorrer (Foto: @PA)

Acabaram antes de começar as vergonhosas deportações de pessoas pedindo asilo no Reino Unido mas que, em vez de se estabelecer no país, vão acabar em Ruanda, na África. Já no próprio dia de sua vitória esmagadora, 4 de julho deste 2024, o novo primeiro-ministro trabalhista Keir Starmer anunciou o fim do absurdo. A concretização da medida veio fulminante, em seu primeiro dia de trabalho, a 6 de julho, dois dias depois da vitória eleitoral.

O ex-primeiro-ministro  conservador Rishi Sunak havia conseguido aprovar no Parlamento mais antigo do mundo uma legislação que considera Ruanda, na África, um país “seguro” para pessoas que buscam asilo no Reino Unido, podendo, assim, despachar para lá as pessoas, em grande parte  de países africanos conflituosos, que chegam ao território britânico como podem, muitos em pequenos botes de borracha, em busca de paz e de trabalho (veja foto principal).

Ou seja, se um cidadão de um dos vários países africanos assolados por matanças, rebeliões sangrentas e guerras civis solicitasse, de acordo com normas internacionais, asilo político no Reino Unido, ao pisar em solo britânico seria imediatamente detido para, após rápida tramitação burocrática, embarcar num avião com destino a Kigali, capital de Ruanda.

Sunak, assim, voltava décadas atrás em matéria de respeito aos direitos humanos e seu governo se comportou como líder do falecido Império Britânico, o senhor dos destinos de dezenas de países e milhões de súditos na África, na Ásia, no Oriente Médio, no Pacífico Sul e até na América Latina. O ex-primeiro-ministro, agitando o fato de que 6.265 refugiados sem papéis chegaram ao país até abril (e mais de 30 mil desde 2019), procurou com a medida conquistar o eleitorado mais xenófobo, preocupado com o péssimo resultado que seu partido apresentava nas pesquisas de intenção de voto diante do Partido Trabalhista — devidamente confirmados pela eleição de 412 deputados trabalhista contra apenas 121 conservadores num Parlamento de 650 deputados.

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Sunak (à direita) visitando a polícia de fronteiras no porto (e Dover, próximo ao qual muitos refugiados desembarcam (Foto: @PA)

A esperteza de má-fé de Sunik ter aprovada uma lei sentenciando que Ruanda é país seguro se destinou a driblar o fato de que tanto a Corte Suprema britânica  e como a Corte Europeia dos Direitos Humanos, acionados por políticos de oposição e organizações humanitárias, haviam anteriormente decidido justamente o contrário: examinando os fatos, ambos concluíram que Ruanda não tem condições de garantir a vida e a segurança de cidadãos ali asilados.

Não custa lembrar que há não muito tempo, em 1994, o país foi palco de um espantoso genocídio de 800 mil pessoas em pouco mais de três meses — a fúria generalizada de integrantes da maioria étnica hutu, que significa 85% da população, voltou-se contra a minoria tutsi, que controlava boa parte do poder  e da economia de Ruanda, e o resultado seria a morte de 800 mil pessoas, assassinadas das formas mais cruéis, como pelo uso de facões, por fogo, decapitações e linchamentos.

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No porto britânico de Dover, placa homenageando os mortos no mar por tentarem obter um “santuário” no Reino Unido, que inclui a frase célebre do papa Francisco: “Cada migranate tem um nome, um rosto e uma história” (Foto: @PA)

Para classificar a hoje mais estável Ruanda como “segura”, além de procurar desmoralizar os dois tribunais, o governo britânico atropelou sem maiores considerações a Convenção de 1951 sobre Refugiados, de que foi um dos primeiros países signatários, e a Corte Europeia de Direitos Humanos (entidade que não faz parte da União Europeia), que ajudou a fundar.

O governo de Sunak procurou mundo afora países que topassem ser “parceiros” para processar casos de pedidos de asilo fora de território britânico. Marrocos, Tunísia, Namídia e Gâmbia declinaram “explicitamente”, segundo documentos oficiais vazados e publicados pelo jornal The Times. Outros países, como Colômbia, Equador, Paraguai e Peru não manifestaram interesse nem em conversar. O único “sim” veio de Ruanda, para quem Londres ofereceu 300 milhões de dólares para um “programa de cinco anos”.

A ONU chegou a advertir as companhias de aviação sobre os riscos de participarem do processo britânico transportando pessoas do Reino Unido para Ruanda, pois com isso as empresas e os organismos nacionais reguladores poderiam ser cúmplices de violar acordos e tratados internacionais sobre direitos humanos.

Durante o governo anterior do também conservador Boris Johnson opositores da medida colonialista conseguiram impedir voos para Ruanda apelando para a Corte Europeia de Direitos Humanos. Sunak, desafiador, assegurou que “nenhuma corte estrangeira vai impedir” o que muitos já chamam de “voos da vergonha”.

A amarga ironia na decisão de Sunik contra imigrantes sem papéis é que é ele próprio filho de imigrantes: seus pais, com raízes na Índia, nasceram na África – o pai no Quênia, a mãe na Tanzânia.

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