O País assistiu, na semana passada, a um acontecimento relevante. Precisamente seis meses e três dias depois de instalar-se no Palácio do Planalto pela vontade da maioria absoluta do eleitorado brasileiro, o governo do presidente Fernando Collor obteve reconhecimento diplomático da Central Única dos Trabalhadores (CUT). De fato, ao dispor-se a apertar a manopla presidencial em pleno Palácio, em atendimento a convite do governo para conversar, sem precondições do lado oficial, sobre o “entendimento nacional” para combater a inflação, o presidente da CUT, Jair Meneguelli, admitiu que Collor é, efetivamente, o presidente da República.

A um estrangeiro integrante do Primeiro Mundo, tais considerações certamente vagariam num terreno situado entre o espantoso e o inacreditável. Mas, afinal, estamos no Brasil. E, na latitude e longitude onde nos vemos plantados, o que aconteceu na semana passada não foi pouca coisa. Sobretudo para alguém, como o carrancudo, irritadiço Meneguelli, que se atirou de corpo e alma na campanha presidencial do deputado Luiz Inácio Lula da Silva pelo PT, no ano passado, e, até então, não emitira qualquer sinal de que ele ou a entidade que preside admitissem a legitimidade do novo governo. 

Até então, o presidente da CUT parecia compartilhar a maneira inusual pela qual Lula reconheceu em dezembro passado os resultados da eleição, limitando-se a dizer que, “sob o ponto de vista numérico”, o vencedor fora Collor. Mas justiça se faça a Meneguelli: colocar paletó e gravata, deixar-se – mesmo a contragosto – fotografar sentado num sofá palaciano com o presidente, conversar – ainda que ouvindo mais do que falando – 50 minutos com aquele a quem a CUT tem invariavelmente apresentado como a encarnação pessoal do demônio exigiu esforço. Siglas descabeladas como Vertente Socialista, Partido de Libertação Popular e outras do mesmo teor, de sabor inequivocamente Europa Oriental década de 60, que se abrigam no guarda-chuva da CUT, obrigaram Meneguelli a uma penosa dieta de sapos simplesmente diante da possibilidade de atender a um convite para conversar com o presidente da República.

Não foram apenas essas correntes, porém, que fustigaram o presidente da CUT pelo grave delito de dialogar. O engenheiro Leonel Brizola, novamente candidato ao governo do Rio de Janeiro, mas invariavelmente com olhos voltados para a cadeira de presidente, que trata com a familiaridade e a cobiça de quem se julga com direito natural a aboletar-se nela, também encontrou um jeito de atirar em Meneguelli, de um palanque eleitoral montado na cidade [gaúcha] de Nova Friburgo. “O Meneguelli foi lá entregar o movimento sindical ao Collor”, trovejou Brizola, numa afirmação que nem os mais esquentados xiitas da CUT subscreveriam. Segundo o ex-governador, “eles (o governo) estão querendo escolher quem será a oposição”, coisa que, disse, a ditadura miliar também fez.

É claro que o palavrório brizolista converge para o velho ponto de que a oposição é ele próprio, e ninguém mais. Mas o interessante, nas sucessivas catilinárias do ex-governador, é constatar, como fizeram jornalistas do Estado em reportagem publicada no domingo sobre sua campanha eleitoral, que Brizola não considera encerrada a transição democrática com a eleição de Collor por 35 milhões de eleitores. “Não reconheço legitimidade nesse governo”, diz o ex-governador, que raramente chega a pronunciar o nome e nunca cita o cargo do presidente, qualificando-o de “este personagem”, “o cavaleiro do apocalipse” e outros substitutos do mesmo teor. 

Brizola não muda — não tem jeito. Sempre que pode, ele ostenta suas funções na civilizadíssima Internacional Socialista, recorda seus laços pessoais e cordiais com personagens do quilate dos presidentes da França, François Mitterrand, e de Portugal, Mário Soares, do ex-chanceler alemão Willy Brandt ou do primeiro-ministro espanhol, Felipe González. Mas tais modelos só servem quando convêm. Quando se trata, por exemplo, da coexistência educada dos contrários, Brizola os deixa de lado. Mitterrand atravessou, impávido, três anos de coabitação política com um primeiro-ministro conservador, Jacques Chirac. Soares vive a mesma situação com o primeiro-ministro Aníbal Cavaco Silva desde que foi eleito, em março de 1986.

Brizola preferiu sua versão de polidez política não passando em 1987 o cargo de governador do Rio a Moreira Franco, do PDS, seu sucessor legitimamente eleito, e por margem superior a um milhão de votos sobre seu próprio candidato, Darcy Ribeiro. Foi, também, como se Brizola não “reconhecesse” Moreira – atitude que ele agora repete com Collor, como se a vitória só valesse quando lhe sorri. O Brizola 90 continua o mesmo.

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Reprodução do artigo tal como foi publicado no jornal © Reprodução

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