Somos de uma geração que tem pressa, diz a frase cunhada pelo presidente Fernando Collor. Sábio, um talentoso jornalista de São Paulo que concorda em linhas gerais com a assertiva costuma acrescentar-lhe uma ressalva: há que ter pressa, sim, mas acompanhada de juízo. Ocorre que nós, brasileiros, em geral só costumamos ter pressa – inclusive para esquecer o que deveria ser lembrado.
Estamos hoje a precisos oito dias do final de mandato da fornada dos governadores eleitos em 1986 (excetuado o do Tocantins, Estado criado pela Constituição de 1988 que elegeu governador para mandato de dois anos). Talvez se façam, nestes próximos dias, balanços do que significaram uns e outros – mas não vai demorar para cair no esquecimento o saldo negativo da maioria deles.
Um político que chegou ao governo com promessas de renovação de costumes e esperança de introdução de novos hábitos políticos, como Moreira Franco, do Rio de Janeiro, termina melancolicamente sua passagem pelo poder. Depois de uma gestão pusilânime e medíocre, completa a marcha à ré abraçado a bicheiros de péssima catadura em pleno Palácio Guanabara. Outros, que venderam a imagem de realizadores, ainda que atropelando determinados valores, como o mineiro Newton Cardoso, vestem o pijama político deixando atrás de si um Estado arrasado e a popularidade mergulhada em profundidades abissais. Pródigos, estróinas e incompetentes vão embora, provisoriamente arquivados, para, em muitos casos, voltarem, felizes, ao poder daqui a quatro anos, cavalgando novas promessas e escorados na falta de memória do eleitorado.

Felizmente, há exceções, e talvez a mais eloquente venha do Ceará de secas ancestrais e miséria etíope. Ali, o jovem empresário Tasso Jereissati, governador do PSDB, derrubou em série mitos sobre a suposta ingovernabilidade inevitável de Estados pobres. É exemplar, nesse sentido, a reportagem do jornalista Nelson Torreão publicada domingo no Estado sobre a gestão de Tasso. Sua chegada ao poder deu-se num cenário de hecatombe: as despesas mensais equivaliam a 140% da receita, um exército de 140 mil funcionários não embolsava os salários há três meses, o Banco do Estado estava sob intervenção do Banco Central e o governo tinha pela frente uma dívida de US$ 1 bilhão, metade dela vencida ou a vencer no curto prazo.
Depois de um ano de férrea austeridade, que incluiu a demissão de 40 mil funcionários públicos ociosos, um rigoroso enxugamento no Banco do Estado e uma total remodelação dos métodos de arrecadação e fiscalização, além da instituição de um caixa único na administração estadual, os resultados começaram a aparecer. Há três anos a arrecadação cresce em termos reais. O funcionalismo, que teve aumento de 40% em fevereiro, está com o pagamento em dia. O Estado paga religiosamente o serviço de sua dívida, de cerca de Cr$ 1 bilhão mensais, e conseguiu consolidá-la em prazos que vão de 20 a 25 anos.
Há dinheiro para o custeio e investimentos. Com tudo isso, foi possível, entre outros resultados, fazer cair em 32% a mortalidade infantil, em quatro anos – e o Ceará chega ao ponto de bancar do próprio bolso até as frentes de trabalho de emergência destinadas a amparar flagelados da seca, que sempre estiveram a cargo de Brasília. Tasso não viu outra forma de governar a não ser saneando primeiro as finanças.
O governador de São Paulo, Orestes Quércia, pensa diferente. Sua peculiaríssima tese é a de que governar é produzir déficits – desde que signifique igualmente produzir obras. “O que será que o povo prefere”, costuma perguntar, “finanças equilibradas ou o ramal [Avenida] Paulista do metrô?” Equilíbrio financeiro, para o governador, é coisa de contador, e tudo anda bem quando o Estado tem fluxo de caixa – as despesas estão à frente, mas deverá entrar dinheiro para financiá-las. A herança que Quércia deixa para seu sucessor, Luiz Antônio Fleury Filho, porém, mostra que as coisas não são bem assim. O governador, é certo, realizou muitas obras – mas a custo, entre outras coisas, de inflar uma dívida pública que poderia ter sido amortizada com parte do produto da arrecadação, que afetou o equilíbrio do Banespa e que caberá, agora, a Fleury resolver junto ao governo federal.
Os mais pragmáticos argumentam que, com tudo isso, Quércia fez o seu sucessor. O sucesso político de Tasso, porém, foi proporcionalmente ainda mais retumbante. Ele elegeu com grande facilidade Ciro Gomes prefeito da capital, em 1988, o que Quércia não conseguiu. E ajudou a colocar o próprio Ciro como seu sucessor no governo depois de uma vitória acachapante, obtida logo no primeiro turno e que incluiu dados impressionantes, como vencer em todas as urnas de Fortaleza, algo jamais ocorrido numa capital brasileira.
Tasso provou que eficiência gerencial e austeridade, além de fundamentais para o soerguimento do falido setor público brasileiro, ainda dão voto. Deve ter futuro político.
(Artigo de Ricardo Setti publicado originalmente no jornal O Estado de S. Paulo em 7 de março de 1991 sob o título de “O exemplo de Tasso”)