O maior repórter que conheci ao longo de mais de quatro décadas de carreira morreu há poucas horas, neste sábado.
Ewaldo Dantas Ferreira se foi neste sábado, 22 de junho de 2013, aos 87 anos de idade, no Hospital Samaritano, em São Paulo, após uma trajetória de trabalho e de vida que não caberia num post nem sequer em um livro — precisaria de vários.
Um gigante do jornalismo brasileiro, um mestre de três ou quatro gerações de jornalistas — em matéria de praticar a profissão com rigor, correção e ética –, é difícil saber o que ele NÃO fez em sua carreira fecunda e brilhante.
Descobrir escondido na Bolívia, sob nome falso, um dos criminosos nazistas mais procurados do mundo e entrevistá-lo — o ex-chefe da Gestapo nazista na cidade de Lyon, França, durante a II Guerra Mundial, Klaus Barbie — viria a ser apenas uma de suas incontáveis reportagens históricas.
A entrevista, publicada em série pelos jornais O Estado de S. Paulo e Jornal da Tarde, foi reproduzida simultaneamente por diários de vários outros países, capitaneados pelo francês France-Soir, causou enorme repercussão internacional e seria em seguida transformada em livro.

Ewaldo cobriu o conflito católicos x protestantes na Irlanda — tomava café num bar quando viu, em frente, o hotel em que se hospedava explodir –, reportou a guerra civil em Moçambique, atravessou linhas inimigas sob tiroteio durante o conflito árabe-israelense, relatou rebeliões em cadeias brasileiras, choques entre índios e fazendeiros e queda de avião, desvendou segredos da ditadura militar, esteve presente, muito jovem, nos primeiros noticiários da TV brasileira (na extinta TV Tupi) para, maduro, ser diretor de Jornalismo da Rede Bandeirantes.
Em plena ditadura militar, entrevistou e colocou no ar nomes malditos para o regime como o líder do Partido Comunista, Luiz Carlos Prestes, e o então exilado ex-governador gaúcho Leonel Brizola.
Num período tenebroso para os direitos humanos, dirigiu, a convite do então cardeal-arcebispo de São Paulo, d. Paulo Evaristo Arns, o corajoso jornal da arquidiocese, O São Paulo.
Conheceu e, em muitos casos, travou amizade com personalidades como William Faulkner, Nelson Rockefeller, Jean-Paul Sartre, Simone de Beauvoir e Henry Kissinger.
Como presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo, organizou em 1961 a primeira greve da história dos jornalistas, movimento que resultou na fixação do primeiro salário mínimo profissional no Brasil e no começo da profissionalização da categoria. Foi professor universitário, diretor de agências de publicidade, consultor. Trabalhou nos Diários Associados, na Folha de S. Paulo, no Jornal da Tarde, em O Estado de S. Paulo e dirigiu, com brilho, a extinta revista Visão.
Inteligência brilhante, cultura brutal, curiosidade insaciável, intransigência absoluta em matéria de ética profissional, solidariedade com os colegas, personalidade carismática e fascinante, grande contador de histórias, apreciador da boa mesa e excelente cozinheiro bissexto. Assim era Ewaldo Dantas.
Suas proezas profissionais foram tantas que é muito difícil citar uma, duas ou três. Mas a que mais me espantou foi na queda de um avião Dart-Herald prefixo PP-SDJ da Sadia (futura Transbrasil) a 3 de novembro de 1967, durante o trajeto de São Paulo para Curitiba, ocorrida aparentemente no Pico do Marumbi, a 1.539 do nível do mar. Na verdade, a aeronave caiu mais adiante, no chamado Morro do Carvalho, da Represa ou Negro.
A aeronave tinha 4 tripulantes e conduzia 21 passageiros. Todos morreram.
Chovia, fazia frio, mas Ewaldo meteu a cara na mata, começou a escalar o morro com tal ímpeto que chegou ao local do acidente antes dos bombeiros e ainda conseguiu falar com passageiros moribundos e registrar o que disseram.
Divorciado da advogada Alzira Helena Barbosa Teixeira, deixa três filhas de casamento anterior, netos e bisnetos.
Seu corpo será velado a partir de 8 horas da manhã deste domingo, 23 de junho, no Cemitério de Congonhas, em São Paulo, onde ocorrerá, às 16 horas, seu sepultamento.
(Post de Ricardo Setti, de São Paulo, publicado a
16 Comentários
coração dói de saudades...:) a influencia mais positiva que ja tive em minha vida <3
Como repórter da sucursal do Estadão e do Jornal da Tarde acompanhei o Ewaldo, em 1970, por algumas cidades gaúchas. Ele fazia uma grande reportagem sobre o voto em branco determinado por Brizola aos oposicionistas do Brasil. Brizola era contra tudo e contra todos e queria que a eleição de 1970 fosse um sinal de protesto. Era contra Paulo Brossard e Brochado da Rocha (MDB) que acabaram derrotados pelo voto em branco e deixando a Arena eleger dois senadores - Tarso Dutra e Daniel Krieger. Ewaldo fez uma histórica reportagem mostrando o RS como um estado que seguiria as ordens de Brizola. Ele também lançou seu livro sobre Klaus Barbie em Porto Alegre. Mas o que eu sempre admirei em Ewaldo era o seu jeito tranquilo de ver as coisas ao seu redor, revelando sua paciência de homem sábio com tanta ignorância ao seu redor. Fiquei muito triste ao ler a notícia de sua morte.
Pois ele deve ter muita vergonha do jornalismo de hoje, focado no entretenimento, na notícia circense, diuturnamente em campanha eleitoral, fazendo um desserviço ao país. Poucos são como ele hoje em dia, e geralmente não trabalham na grande mídia.
O mais interessante é que ele levou o Brickman, que é judeu, para trabalhar no "O São Paulo". As reportagens dele sobre a derrubada do Peron foram formidáveis.
Que coisa bacana, caro Ricardo Setti, você também é especial! Coisa rara encontrar hoje em dia um jornalista a reconhecer o talento e as qualidades de outro jornalista. Isso para não falar de seu texto exuberante.
Setti, amigo, desculpe o atraso, estou com você o Carlinhos. Ewaldo foi meu chefe na TV Bandeirantes em 78/79, começar na profissão com ele e o Carlinhos foi um maná, mais um mestre partiu, abração Caio Você é sempre oportuno e bem-vindo, amigo Caio. O Ewaldo foi um gigante, um mestre, um repórter como não existe mais, um padrão de profissionalismo e ética. Que bom que você estava próximo a ele e ao Carlinhos (e também, imagino, ao inesquecível João Vitor Strauss) no início de sua brilhante carreira! Abraço
Lembro-me perfeitamente nos anos de 50 e 60, de escutar no rádio o noticiário no início da manhã e o locutor informar o nome do responsável pelo jornalismo da Bandeirantes: Ewaldo Dantas Ferreira.
Ano de 1968 - aquele que não acabou. Na redação, num grupo, ouvíamos o grande Ewaldo anunciar sua partida para a Bolívia. Ia buscar um furo, mas não sabia quando voltava. A reportagem, de então, era assim. Ewaldo teve tempo suficiente para pautar, entrevistar e escrever (quem faz isso hoje?) o furo mundial sobre o carrasco de Lyon. Seria apenas mais um de seus feitos. Este era o clima do
Foi meu professor, meu mestre. Mais do que dar aulas, me educou para a profissão. Se tivesse um Ewaldo em cada faculdade, aí sim eu defenderia a obrigatoriedade do diploma. Na verdade o que eu defendo é a obrigatoriedade de um Ewaldo em cada faculdade e em cada redação. Mas não dá. Era único. Só tinha esse.
Não era hora - embora nunca seja hora - de perdermos um grande brasileiro. E o Ewaldo, por tudo o que vi e ouvi dele, mais que um grande jornalista, era um grande brasileiro. Obrigado, Setti, pelo seu magnífico texto. É difícil encontrar um consolo para quem era amigo dele, querido Wilson. O Ewaldo era uma força da natureza, e mesmo estando com 87 anos e doente a ficha de que ele se foi não caiu ainda. Abração
Setti, você deu a exata dimensão de quem foi o Ewaldo Dantas, se é que dimensiona-lo é possível. Se não estou enganado, "en passant" ele descobriu que o Hospital das Clínicas ia fazer um transplante de coração - e deu no JT o furaço da pioneira operação feita pelo Dr. Zerbini. Ewaldo era o meu herói, desde que o conheci ao chegar à Folha, em idos tempos.
Ah ! Carlos Brickmann, escreva sim uma pauta sobre Ewaldo Dantas (não conhecia) Você, com certeza, vai complementar o que o Setti, falou sobre a vida dele. Obrigada e, abraços. Dulce
Setti, uma grande perda para o jornalismo mas, com certeza o céu ganhou um anjo, culto e inteligente, para interceder junto à Deus, por todos seus amigos profissionais. Meus sinceros sentimentos à família e aos amigos. Dulce
Uma lágrima para o Ewaldo, que conheci em 1961 quando ambos, ele uma estrela e eu pouco mais do que um foca, trabalhávamos. Desse tempo, dois que considero inesquecíveis já nos deixaram: Murilo Felisberto e agora Ewaldo. Inexorável, a fila andou.
Lamento a perda de um jornalista extraordinário, que marcou a profissão.
Vou escrever sobre o Ewaldo para o Observatório da Imprensa. Mas, depois de seu esplêndido texto, que resta a dizer sobre nosso grande mestre e amigo? O perfil que você fez sobre ele para o livro do Altmann é o melhor texto que alguém já publicou a respeito, meu irmão Carlinhos.