BRASÍLIA, 13 – O ingresso do prefeito [de São Paulo] Faria Lima na ARENA significou, para as lideranças do MDB, a melancólica constatação de que o regime não permite à oposição aspirar ao poder dentro das próprias regras traçadas por aqueles que ora o detêm. Essa é a impressão dominante sobre o que, a rigor, não constitui fato novo, senão o coroamento formal do que fora há muito anunciado.

[Faria Lima, brigadeiro da Aeronáutica, foi secretário de Viação e Obras Públicas durante todo o governo de Jânio Quadros em São Paulo (1955-1959), e, fato raríssimo no Brasil, permaneceu no cargo durante toda a gestão do governador Carvalho Pinto (1959-1963), sendo extremamente operoso, o que lhe valeu popularidade para vencer facilmente a eleição para prefeito da capital em 1965. Era filiado a um pequeno partido, o Movimento Trabalhista Renovador (MTR), dissidência à esquerda do PTB, além de ter secretários e assessores filiados ao MDB, o que dava esperanças à oposição de que se engajasse em seus quadros.].

As lideranças da oposição consideram que, ao menos em um primeiro passo, o sr. Faria Lima estará sujeito ao desgaste popular decorrente de ter feito uma opção não ideológica e de caráter visivelmente eleitoral.

A par dessa diminuição perante a opinião pública, os oposicionistas entendem que o prefeito deverá sujeitar-se a uma diminuição política dentro da ARENA, ficando num plano secundário em relação ao governador Abreu Sodré, a cujas diretrizes deverá – em maior ou menor grau – submeter-se. 

Assim, entre vir a ser aspirante ao governo de São Paulo pelo MDB, com inegáveis possibilidades eleitorais, passará o sr. Faria Lima a acotovelar-se dentro da ARENA, juntamente com outros que desde agora já são tidos como candidatos. Além do mais – como lembrava hoje o sr. Martins Rodrigues [deputado pelo Ceará e secretário-geral do MDB] – nunca se sabe qual será a legislação eleitoral daqui a três anos. Se o sr. Faria Lima, agora, não teve escrúpulo em aceitar uma legislação que o favorece pessoalmente , poderá vir a ser obrigado, mais tarde, a aceitar que o mesmo se faça em prol de outro eventual candidato, prejudicando-o. Mesmo que se credite essa possibilidade ao terreno das hipóteses, ela pode ser considerada.

Por outro lado, figuras de proa do MDB dizem que o partido não se ressente da lacuna deixada pelos parlamentares que ingressaram na ARENA, pelo menos em intensidade proporcional ao seu número. Para os oposicionistas, o partido “a rigor não diminuiu, desinchou”. Se os elementos que deixaram o MDB junto com o ingresso de Faria Lima no partido governista não tinham convicção oposicionista suficiente que os impedisse de seguir incondicionalmente uma liderança individual – a do prefeito -, eles pouco tinham a oferecer ao partido.

A opção arenista de prefeito, esta sim, deverá abalar o MDB como partido. Os oposicionistas não negam que, desde a eleição do sr. Faria Lima, dedicaram-se em São Paulo a um trabalho de construção política em torno de sua figura, que deverá, agora, ser totalmente reestruturado. 

Municípios

Figuras responsáveis do governo no Congresso já admitem, com reservas, que haverá “ponderáveis dificuldades” para a aprovação do projeto que considera 68 municípios como de interesse da segurança nacional [e que passam a não mais ter seus prefeitos eleitos, mas nomeados pelo presidente da República]. Contudo, esses mesmos políticos não são de opinião de que essas dificuldades foram aumentadas pela verificação de que o artigo 91, parágrafo único, exige que tenham maioria de capital e trabalhadores brasileiros as indústrias localizadas em áreas indispensáveis à segurança nacional,

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Fragmento da matéria publicada © Reprodução

As lideranças governistas admitem que o governo deverá nacionalizar futuramente diversas indústrias estrangeiras localizadas em alguns dos 68 municípios. O vice-líder Geraldo Freire [MG], por exemplo, tem esse ponto de vista, afirmando que a nacionalização, contudo, depende de futura lei complementar que regule a matéria, “de vez que o dispositivo constitucional do artigo 91, parágrafo único, não é autoaplicável”.

O MDB mostra-se cauteloso, embora venha trabalhando com vigor no sentido de que o projeto seja rejeitado. Sabe-se que a sondagem realizada pela oposição na Câmara conduz a previsões moderadamente otimistas, concentradas em torno dos interesses eleitorais dos parlamentares, que serão feridos frontalmente pela proposição do governo. A oposição não exclui a hipótese de que o Congresso rejeite o projeto. Não alimenta, contudo, muitas ilusões: os oposicionistas lembram que, em se tratando de matéria de segurança nacional, a ARENA certamente não será insensível à pressão militar.

(Artigo de Ricardo Setti publicado no jornal O Estado de S. Paulo a 14 de maio de 1968 sob o título de “Oposição sem oportunidade”)

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