BRASÍLIA, 28 – O MDB expressou hoje sua preocupação sobre “a gravíssima ameaça para a vida democrática do País” que representa a sublegenda, com vinculação total do voto, aos presidentes do Congresso Nacional, da ARENA, da Câmara e do Senado. [A vinculação do voto obrigaria o eleitor a votar em todos os candidatos do mesmo partido, sob pena de nulidade do voto. Era considerada manobra para beneficiar a ARENA, partido do regime ao qual aderiu a grande maioria dos políticos dos partidos extintos pelo governo em 1965.]
A decisão foi adotada após reunião extraordinária do Gabinete Executivo Nacional oposicionista, ao confirmar-se a tendência governamental de ceder às fortes pressões em prol da vinculação, oriundas, especialmente, do dispositivo militar da Presidência da República.

A confirmação do endurecimento do governo, já prevista pelos círculos parlamentares, causou extrema preocupação na área política, principalmente da oposição. Há um entendimento geral no Congresso de que a vinculação, uma vez consumada, conduzirá a vida institucional do País a um sistema oligárquico muito próximo ao virtual unipartidarismo, no estilo mexicano.
Estabelecida a medida, [considera-se que] o MDB não terá condições, no próximo pleito, de eleger o número mínimo de senadores requerido por lei para que continue existindo como partido político, ainda que na Câmara tal número seja atingido. Dessa forma, o MDB decidiu antecipar- se ao eventual envio da mensagem da vinculação ao Congresso para uma tomada de posição a mais clara possível sobre o problema, levando sua apreensão “aos principais responsáveis pelo regime democrático”.
Reviravolta
A disposição inicial do governo era a de não incluir a vinculação no projeto a ser submetido ao Congresso. A reviravolta é explicada como produto da convicção presidencial de que a vinculação é providência crucial para assegurar os interesses políticos da Revolução. [Nota: Estadão, na época, era obrigatório chamar o golpe de 1964 de “Revolução”, com “R” maiúsculo.]
O presidente [marechal Costa e Silva] teria chegado a esse resultado após ouvir as ponderações do “setor estratégico” do governo. As vantagens apontadas para o voto partidário obrigatório são, principalmente, a impossibilidade da realização de acordos “espúrios” das ARENAS estaduais dissidentes com o MDB e, como consequência, a impossibilidade do surgimento de “governos de compromisso” em Estados considerados de importância vital para a segurança nacional, a começar por Pernambuco.
Confirmada a adoção da tese do voto vinculado pelo Executivo, a opção presidencial terá evidenciado a prevalência militar sobre a opinião de ponderáveis setores civis do governo: com efeito, são contrários à medida o chefe da Casa Civil, deputado Rondon Pacheco, e os ministros Gama e Silva [Justiça] e Magalhães Pinto [Relações Exteriores], além do senador Daniel Krieger [RS], presidente da ARENA.
O senador Krieger, além de outras consequências, deverá enfrentar o constrangimento pessoal diante do presidente do MDB, senador Oscar Passos [AC], com quem assumiu o compromisso ainda que não partidário de se opor à vinculação até com seu voto contrário no Senado.
(Artigo de Ricardo Setti publicado a 29 de março de 1968 no jornal O Estado de S. Paulo, sob o título original de “MDB está preocupado”)