A área política, para variar, está apreensiva. Desta vez o motivo é a completa desinformação sobre a reunião do Alto Comando Militar, que se soma às causas de preocupação com o desfecho do caso Márcio Moreira Alves [deputado carioca do Mdb acusado pelo governo de ofender o Exército em discursos pronunciados em setembro, da tribuna da Câmara dos Deputados].
Afora as linhas gerais do encontro, já divulgadas pela imprensa, as fontes políticas governamentais só puderam adiantar que a reunião teria sido convocada, entre outras razões, para examinar algumas informações prestadas pelo Ministro [dos Transportes] [coronel] Mário Andreazza ao presidente Costa e Silva. Não se sabia, contudo, o teor das informações, nem o campo de que elas proviriam, se econômico, se militar, se estudantil. Especulou-se no Congresso, vagamente, [como se se tratasse de falar em poesia do século XIX], que seriam relativas à política de fretes marítimos diante de eventuais pressões norte-americanas, mas as áreas mais responsáveis não se arriscam a endossar a especulação.
A desinformação leva a insegurança aos setores políticos, na medida em que atinge a própria cúpula parlamentar do governo, que, se está informada, pelo menos não demonstra. Acrescente-se a isto o ambiente de crise institucional que envolve o Congresso, com o andamento da representação pedindo licença para processar e cassar [o deputado] Márcio Moreira Alves [Mdb-GB], e ter-se-á o clima em vivem os poucos parlamentares que não se beneficiaram do “recesso branco” [costumeiro nas vésperas de eleição, como o caso do final de outubro, onde estamos] para fazer campanha eleitoral.
As perspectivas do caso Márcio, aliás, não são muito promissoras para o Congresso. A carta do presidente da República ao [líder da Arena no Senado] senador Daniel Krieger [RS] pouco contribuiu para modificá-las. Nela, o presidente, depois de ressaltar as qualidades do líder da Arena e o respeito que seus pontos de vista merecem, reiterou sua opinião de que a imunidade parlamentar não impede a ação judicial contra o deputado.

O senador Krieger está silencioso e sombrio. Nada diz à imprensa; a amigos íntimos, todavia, comenta que prestou serviços à Revolução desde o começo, mas que, quando está em jogo a sua consciência – como no presente caso – fica com ela. Krieger, segundo se sabe, considera o problema da imunidade parlamentar no Brasil como seguindo, tradicionalmente, o modelo britânico: a imunidade é absoluta. Embora nos Estados Unidos se admita a licença para processar deputados ou senadores por calúnia cometida na tribuna, a maioria dos tratadistas não aceita esta possibilidade para o Brasil.
Apesar da posição contrária do presidente à tese do senador Daniel Krieger, uma coisa continua certa para os políticos: o presidente não pretende, de forma alguma, afastar-se dos limites constitucionais. Quer respeitar a decisão, tanto do Supremo quanto da Câmara. É aquilo que o senador Dinarte Mariz [Arena-RN] chama “teimosia” presidencial em cumprir a Constituição. O que os políticos temem é a possibilidade de a disposição do presidente, em caso de não ser punido o deputado, não conseguir unanimidade militar.
Sendo assim, os políticos torcem para que o Supremo determine o arquivamento. Argumentam que o regime talvez tenha condições de absorver uma decisão judicial. Não teria, provavelmente, para suportar uma decisão política da Câmara contrária à punição. Isso desencadearia um processo de irritação na área militar que, a despeito das intenções manifestadas pelo chefe do governo, seria problemático controlar. A decisão judicial, ao contrário, revestir-se-ia de maior grau de frieza técnica. Politicamente não poderia ser considerada produto de desígnios oposicionistas: o esquema revolucionário no Supremo tem mostrado sua eficácia. [Nota: no jornal era a esta altura obrigatório chamar o golpe de “Revolução” e as ações ligadas ao governo de “revolucionárias”].
Não havendo o arquivamento, a Câmara terá que decidir se concede ou não licença para que o Supremo examine o mérito da representação contra Márcio Moreira Alves. Cresce a opinião de que a imunidade é absoluta – e que, portanto, não deve ser concedida a licença. Este é o entendimento das áreas mais respeitáveis da própria Arena. Se, pois, a Câmara negar a licença, Márcio não será punido.
Os políticos perguntam: os militares ficarão satisfeitos? E, não ficando, como agirá o presidente para contê-los?
Artigo de Ricardo Setti, de Brasília, publicado a 23 de outubro de 1968 no Jornal da Tarde, de São Paulo, sob o título original de “O que acontecerá se os militares não gostarem?”