Em 1988, quando eu chefiava a sucursal do Jornal do Brasil em São Paulo, fui convidado por meu amigo Augusto Nunes, então em sua primeira etapa como apresentador do “Roda Viva”, a participar de entrevista com Roberto Civita no programa da TV Cultura. Conhecia de longa data o principal responsável pela Editora Abril – então em seu auge -, para quem já havia trabalhado por muitos anos em VEJA e também em minha primeira passagem por Playboy, em 1985.

Os demais entrevistadores foram Cecilia Pires (O Estado de S. Paulo), André Singer (futuro porta-voz do primeiro governo Lula, então na Folha de S. Paulo), Melchíades Cunha Jr. (Jornal da Tarde), Dirceu Brisola (Gazeta Mercantil), Washington Olivetto (agência de publicidade WGGK), Paulo Markun (Revista Imprensa) e Pedro Del Picchia (Folha da Tarde).

Perguntei a Civita como a Abril se preparava para enfrentar a concorrência cada vez maior das Organizações Globo no setor impresso, algo que se intensificava no período. “A concorrência é muito bem-vinda, tende a acordar todo mundo, a melhorar a qualidade das publicações”, opinou, sem responder diretamente à questão.

Os bastidores do jornalismo, assunto abordado ao longo da entrevista, permearam pergunta minha sobre sucessão na direção de VEJA, àquela época principal referência do jornalismo impresso nacional, e que experimentava a saída de seus dois principais diretores, Elio Gaspari e Dorrit Harazim, do comando, para morar nos EUA. Roberto explicou que  a dupla ainda estaria ligada à revista – Dorrit como chefe da sucursal em Nova York, Gaspari como repórter correspondente – e que seus dois sucessores imediatos na hierarquia da publicação, Mario Sergio Conti e Tales Alvarenga, seriam promovidos. Ninguém viria de fora, portanto, para dirigir a revista.

Sobre a imprensa e seu papel

Em outros momentos do programa, o entrevistado esbanjou otimismo ao falar da imprensa escrita brasileira. “Nunca esteve tão bem; estou falando do Estado, da Folha, do Globo, do Jornal do Brasil e da Gazeta Mercantil“, disse. “A imprensa é a melhor que se pode esperar de um país que está enfrentando as dificuldades que está atravessando”.

Civita também defendeu a tese de que a imprensa não tem como ser imparcial. “Nós dizemos coletivamente que somos apenas o espelho da situação; isso não é verdade, porque nós influenciamos tudo aquilo que cobrimos”, opinou. ” Tudo aquilo que focalizamos é alterado pelo fato de ter sido focalizado; tudo aquilo que é deixado de lado é alterado pelo fato de ter sido deixado de lado. A imprensa não pode vender por muito mais tempo a ficção de que ela não tem nada a ver com isso, de que está apenas contando o que está acontecendo. Nós afetamos as coisas”.

Dentro do mesmo tema, o entrevistado explicou que, na Abril, os diretores de revista precisam ter claras a plataforma editorial da empresa para poder aceitar os cargos. “A plataforma vem com o cargo; se não quer esta plataforma, não aceite a direção da revista”, afirmou. “Por exemplo: a gente defende a livre iniciativa. Se alguém acha que a solução é estatização, nacionalização, comunicação, o que for …. maravilha. Eu defendo o direito dele até a morte. Mas não quero que dirija uma das minhas revistas”.

A trajetória da Abril

Entre as demais pautas abordadas na entrevista esteve a trajetória da Abril que, então próxima de completar sua quarta década de existência, segundo Civita, “conseguiu fazer publicações de qualidade sem em nenhum momento comprometer os seus princípios básicos”.

Para ele, entre as grandes realizações da empresa esteve a revista Realidade (1966-1976). “O primeiro ano de Realidade foi o momento de brilho especial para mim, de muita alegria, muita alegria; um momento mágico”, revelou. “Foi aquele momento da virada em que nós decidimos que havia chegado o momento de partir para a coisa mais difícil de todas, que é fazer uma revista semanal”, referindo-se a VEJA. Ainda segundo Roberto, se referindo não apenas a esta publicação, “é terrível matar uma revista”. A frase, aliás, combina em parte com outra máxima que emitiu no estúdio da TV Cultura: “o fracasso é sempre quando o público não compra”.

Naquele 1988 se especulava sobre as colaborações da editora com empresas de fora do Brasil, o que gerou perguntas sobre a presença do capital estrangeiro em grandes empresas de comuniação nacionais. “Até que ponto um país quer e pode se permitir ao luxo ter a sua consciência, que é a sua imprensa, e formação de opinião pública, que é feita pelos meios de comunicação, entregue inteiramente a empresas de fora?”, questionou Roberto.

“Aí a questão é complicada”. De acordo com ele, a Abril estava, no momento, fazendo o caminho inverso, e expandindo suas atividades aos mercados espanhol e português.

Política

Civita também foi perguntado sobre quem votaria nas eleições municipais de 1988 e presidenciais de 1989. “Acho que é o tipo de coisa que nenhum dirigente de nenhum veículo deve dizer em público”, expressou. “No caso da eleição local, um jornal pode até decidir endossar este ou aquele candidato” (…)”Mas você tem que ter candidatos entre os quais escolher. Não pode inventar o seu candidato”.

Por fim, ele resumiu qual era o perfil aproximado do candidato ideal para 89. “O que nós não queremos é um candidato radical, de nenhum dos lados”,  disse, mencionando as vantagens de ter dois turnos para a obtenção de um “presidente moderado”.

(Você pode assistir à íntegra do programa aqui)

(Post de Ricardo Setti, de São Paulo,  publicado a 2 de outubro de 2010 no blog que o autor manteve no site da revista VEJA entre 2010 e 2015)

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