BRASÍLIA, 23 – O governo, “muito preocupado” com a sucessão de atos terroristas no País [e também com as constantes manifestações de protesto nas ruas], transmitiu suas apreensões à área política. Os políticos governistas, entretanto, estão convencidos de que essa situação não levará as autoridades a adotarem medidas que ultrapassem os meios constitucionais e legais. Esta é a impressão que colhem dos contatos com a área do Executivo setores da ARENA ligados ao Palácio do Planalto. Tal impressão está em consonância com a sensação de desafogo que se verifica na área política, em face de recentes pronunciamentos militares, em especial o do general Carvalho Lisboa, comandante do II Exército, e da firme posição em defesa do regime assumida pelo governador [paulista] Abreu Sodré. A ARENA, contudo, coloca o pronunciamento do general Lisboa “nos devidos termos” – aproximadamente nos mesmos em que o próprio general o fez, na retificação que publicou em jornais de hoje: qualquer abertura democrática não poderá levar, em hipótese alguma, a uma volta ao passado. Julgam, os círculos mais responsáveis da ARENA, exagerada a repercussão dada pelo MDB ao pronunciamento do general Lisboa, bem como o sentido que procurou imprimir às palavras do militar. Reconhecem, todavia, que a oposição “está no seu papel”. A ARENA apreciou com prudência a entrevista do general. Consideram os arenistas de maior responsabilidade que, de qualquer forma, a entrevista do comandante do II Exército foi “bastante positiva”. Assinalam, a esse respeito, que há um consenso geral em torno do que disse o general Lisboa, tanto na área parlamentar como entre a maioria dos que integram o dispositivo militar do governo. Com efeito, a posição do general Lisboa vai ao encontro das assumidas pelo presidente Costa e Silva e pelo grupo militar que se opõe às soluções de exceção e ao endurecimento, repudiados pela unanimidade da classe política. Observam, contudo, que não se cogita de qualquer abertura, a não ser “dentro dos postulados estabelecidos pelo regime de março”. A volta ao passado, em qualquer de seus aspectos, é intolerável, sobre ser impraticável. E quanto a isso – advertem – os militares não transigem. 
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Datada em tinta azul, reprodução do original da matéria publicada © Reprodução

Cético

O deputado Rafael de Almeida Magalhães (ARENA-GB), contudo, manifesta-se cético. Não acredita que as declarações do general Lisboa traduzam o intuito de mudança no comportamento dos dirigentes do País. “Eles não vão derrubar uma ordem que eles mesmos estabeleceram”, observa. Esse ceticismo alcança a oposição que, não obstante enalteça a manifestação desse chefe militar, mostra a contrapartida: o projeto que cassa a autonomia de 68 municípios [retirando o direito de o povo eleger o prefeito, com o pretexto de serem os municípios considerados “área de segurança nacional”], o tratamento dispensado pelo governo aos grevistas mineiros, além [da instituição] das sublegendas [espécie de subpartidos dentro dos partidos, destinadas a abrigar diferentes correntes políticas que aderiram ao partido do governo, a ARENA] e a proposta de aumento salarial, que o MDB considera irrisória e inócua. 

3º partido

O deputado Rafael de Almeida Magalhães considerou precipitado o tratamento que se dispensou a seus entendimentos com o deputado Edgard da Mata Machado (MDB-MG), no sentido de lançar-se um “apelo à consciência oposicionista”, que se traduzisse em levar a classe política a abrir caminho para a concretização da “ânsia geral por desenvolvimento”. Esclarece o ex-vice-governador carioca que os entendimentos com deputados do MDB mineiro não passaram do puro campo do diagnóstico.  Não se cogita de lançar-se manifesto ou proclamações, ou de se constituírem frentes ou grupos parlamentares. O sr. Rafael de Almeida Magalhães continua convencido – e nisso identifica-se com correntes políticas ponderáveis – que a forma mais efetiva de iniciar a solução do impasse político é [a criação de] um  terceiro partido, apto a desenvolver uma atividade “de denúncia do sistema como incapaz de atender aos reclamos do País”. (Artigo publicado por Ricardo Setti no jornal O Estado de S. Paulo a 24 de abril de 1968, sob o título original “Sem medidas de exceção”

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