O deputado Luiz Bronzeado (ARENA-Paraíba), que segundo nota oficial distribuída ontem pelo DFSP [Departamento Federal de Segurança Pública, precursor da Polícia Federal] é proprietário de duas fazendas onde foi torturado o grego Hipocratis Takapoulos [comprador do “Diamante 007” com cheques sem fundo] , refutou hoje as acusações que lhe foram feitas, acusando o diretor-geral organismo, general Riograndino Kruel, de ser “o primeiro responsável por todos esses fatos que estão sendo apontados à opinião pública nacional”.
O sr. Luiz Bronzeado pediu à Câmara [dos Deputados] as seguintes providências: 1 – que a mesa da Câmara solicite à Interpol brasileira cópia do radiograma expedido para o Exterior, em que era pedida sua prisão em Atenas ou Roma; 2 – a constituição de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar todos os pormenores do caso do roubo do chamado “Diamante 007” [que o deputado teria tentado roubar de Takapoulos]; 3 – que a Câmara conceda licença para que ele possa ser processado criminalmente.
Protesto
Em aparte oferecido ao parlamentar paraibano, o deputado Amaral Neto (MDB-GB) protestou contra o general Riograndino Kruel, que teria sugerido a cassação do mandato do sr. Luiz Bronzeado. Segundo o sr. Amaral Neto, a Câmara está no dever de reagir contra a ameaça que paira sobre um de seus integrantes.
A propósito, disse: “Tenho certeza de que a defesa do Congresso será tomada pelo presidente Adaucto Lúcio Cardoso [Arena-GB], que não há de permitir que qualquer uma (sic) autoridade, general ou não, possa ameaçar um deputado de cassação, sem autoridade para isso. Casse primeiro aquele direito que não pode respeitar, quando anunciou ao País inteiro um contrabando de trilhões, segundo disse, e até hoje não teve coragem de dar o nome dos envolvidos, embora afirmasse que sabia quais eram os nomes”. E acrescentou: “Isso é que é grave. É possível, em tudo isso, que acabe preso o garimpeiro [personagem que teria encontrado o diamante]”.
O grego
Por sua vez, as autoridades permitiram que o [cidadão] grego Hipocrates Takapoulos, sequestrado pelo delegado [federal] Egberto Assunção para que contasse o paradeiro do “Diamante 007”, fosse, hoje, fotografado pela imprensa. Hipocrates, que está recolhido ao posto médico do Batalhão da Guarda Presidencial, encontra-se em estado descrito como lastimável, tendo sofrido (…) torturas por parte do delegado Egberto Assunção, de seus dois auxiliares e dos dois filhos do garimpeiro João Barbosa Sobrinho.
Entre os sofrimentos que lhe foram impostos e que podem ser publicados, contam-se fraturas em todos os dedos das mãos, feitas por meio de pedras, o arrancamento de seu bigode com alicates e pinças, queimaduras por todo o corpo, feitas com ferro em brasa, espancamentos e chicoteamentos diários. Hipocrates, durante os cinco meses em que ficou sob sequestro, não pôde banhar-se nem escovar os dentes, permanecendo durante todo esse tempo com as algemas nos pulsos, o que lhe causou profundos ferimentos. Ele chegou, como foi divulgado, a ser transportado por centenas de quilômetros no porta-malas de um automóvel, algemado e amordaçado.
Inconcebível
O sr. Inezil Penna Marinho, advogado de Hipocrates, que esteve hoje de manhã em contato com seu cliente, disse que “é inconcebível que a este estágio de desenvolvimento em que se encontra a humanidade ainda se cometam atos de tanta crueldade e barbárie”. O sr. Penna Marinho mostrou-se profundamente impressionado com as torturas de que foi vítima seu cliente, depois de conversar demoradamente com Hipocrates no posto médico do BGP. Nos próximos dias, quando estiver em melhores condições físicas, Hipocrates deverá receber a imprensa para prestar declarações.
Prisões e prova
Por outro lado, aguarda-se para os próximos dias a prisão de mais implicados no caso por parte do DFSP, que está realizando diligências em sigilo. Segundo se soube, a Polícia Federal está de posse de documentos que incriminam o deputado Luiz Bronzeado, inclusive uma carta assinada por ele e pelo delegado Egberto Assunção, em que teria ficado acertada a divisão do dinheiro, produto da venda do diamante, caso essa pudesse ser feita. Apurou-se, ainda, que os sequestradores do [cidadão] grego obtiveram diversos documentos falsos no Instituto Nacional de Identificação.
Ficou, ainda, esclarecida a origem das cartas do grego para sua esposa que o delegado Assunção tinha em seu poder, as quais se vinham constituindo em provas de que Hipocratis tinha fugido da prisão e se encontrava em Montevidéu, no Uruguai. O delegado conseguiu, por coação, que Hipocratis escrevesse diversas cartas a sua esposa, afirmando que havia fugido e se encontrava em Montevidéu.
Quando viajou para a capital uruguaia, a fim de supostamente prosseguir nas diligências para encontrar o diamante, o delegado Assunção, que já tinha, então, o grego em seu poder, expediu as cartas pelo correio, interceptando-as, posteriormente, ao chegarem elas a Brasília. As cartas, assim, serviram, durante certo tempo, como uma das provas, perante o próprio DFSP, de que o grego havia efetivamente fugido.
Hipocratis Takapoulos tem acusado, também, a esposa do delegado Assunção de haver participado de suas torturas e espancamentos, o que entretanto ainda não foi confirmado oficialmente.
“Habeas corpus”
O Tribunal de Justiça do Distrito Federal declarou-se incompetente para julgar o “habeas corpus” impetrado em favor do delegado Egberto Assunção, preso preventivamente sob a acusação de haver torturado Hipocratis Basile Takapoulos.
A petição de “habeas corpus” apontava o general Riograndino Kruel, diretor-geral do DFSP, como a autoridade coatora. O Tribunal decidiu que somente a Justiça Federal era competente para julgar tal recurso.
Por outro lado, novo “habeas corpus” em favor do delegado Egberto Assunção foi impetrado, desta vez no Supremo Tribunal Federal, sob a alegação de que era ilegal a prisão preventiva a que está submetido o paciente.
(Matéria de Ricardo Setti, de Brasília, publicada no jornal O Estado de S. Paulo em 15 de junho de 1966 sob o título original de “Sequestro: delegado nega acusações”)