O senador Daniel Krieger [RS], presidente da Arena, garantiu ontem, em inflamado discurso [com o rosto vermelho], que “as instituições serão mantidas” – resposta ao não menos inflamado pronunciamento do senador Mário Martins [MDB-GB] sôbre as ocorrências da Guanabara [com novos choques entre estudantes e a polícia]. Pouco depois, em conversa com jornalistas, o senador Filinto Muller [MT], líder da Arena, declarava não ter qualquer informação sôbre uma decretação do estado de sítio, acrescentando que, em sua opinião, não há justificativa para a medida. Diga-se, contudo – a bem da verdade – que a palavra dos líderes governistas no Senado não tranquiliza a área política, a qual se encontra na inegável expectativa de que vão ocorrer fatos extraordinários. A desinformação em que continuam os principais políticos do governo em muito contribui para aumentar a tensão. Um dêles confessava aos jornalistas que “continua ninguém sabendo absolutamente nada”, em especial, sôbre a reunião do Alto Comando [do Exército]. Na seara do MDB, considera-se que os boatos sôbre a edição de um nôvo ato institucional, como decorrência de uma eventual – e agora parecendo improvável – recusa da licença para processar o deputado Márcio Moreira Alves [por  um de dois discursos pronunciados em setembro considerado ofensivo às Forças Armadas] faz parte de uma campanha para amedrontar o Congresso.
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Márcio Moreira Alves: o alvo (Foto: @Projeto Portinari)
Paralelamente, entende-se que o próprio impasse criado com os discursos do deputado, especialmente o primeiro deles, integra uma manobra de minorias militares radicais, em busca de um pretexto para medidas de exceção, cujo estuário certo seria a ditadura pura e simples. Em ambiente dessa dramaticidade, é evidente que os choques entre policiais e estudantes só fazem intensificar a apreensão e multiplicar os informes alarmistas. Quanto a estes, entende o deputado [do Ceará] Martins Rodrigues [ex-ministro da Justiça e hoje secretário-geral do MDB] que o govêrno só sairá da legalidade se desejar “o completo arbítrio”, uma vez que a atual Constituição e as leis oriundas do govêrno passado lhe conferem suficientes instrumentos de repressão.
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Reprodução da matéria publicada © Reprodução
Outros políticos, como o senador Mem de Sá [Arena-RS, ex-ministro da Justiça do governo Castelo Branco], consideram que, embora não vendo motivos para o estado de sítio, a providência seria bastante para evitar o apêlo a soluções extrajudiciais e extraconstitucionais, como a edição de atos institucionais. O senador Mem de Sá pensa que o estado de sítio tem como consequência mais eficaz, para o govêrno, o silêncio completo da imprensa. Entende que isso evita que os fatos, por mais graves que sejam, tenham repercussão. Mas Mem de Sá acha que, uma vez decretado o sítio, “não mais sairíamos dele”, como durante o govêrno [do presidente Arthur] Bernardes [1922-1926]. A desinformação leva os políticos – inclusive governistas – a concluir que, na reunião do Alto Comando, decidiu-se “não abrir mão” da punição ao deputado Márcio Moreira Alves. Não é outra a informação, por sinal, que trazem dos círculos militares os parlamentares com transito na área. Diante disso, a oposição considera que os grupos radicais, por meio de medidas com a farta distribuição de cópias do discurso do deputado nas casernas, nada mais fazem do que açular a oficialidade legalista em prol de seus objetivos. Para atingir êsses objetivos – dizem os oposicionistas – o que tais grupos querem é criar condições para que não se “abra mão” mesmo da punição a Márcio. Aumenta o número de discursos que, de maneira indireta, defendem o sacrifício do mandato do deputado carioca. É o caso, por exemplo, do que fêz ontem o senador Dinarte Mariz [Arena-RN]. Como ilustração do seu teor, basta citar a advertência do  senador Eurico Rezende [Arena-ES] [que não perde uma oportunidade para a ironia] ao senador Daniel Krieger, quando Dinarte se dirigia para a tribuna: — O Dinarte vai pedir um nôvo ato institucional. É melhor você segurá-lo pelo paletó. Os políticos estão pouco a pouco reeditando a já citada figura do “boi de piranha” para o caso Márcio. O que a muitos preocupa, porém, é que talvez um boi só não seja suficiente para que a boiada atravesse o rio incólume. (Artigo de Ricardo Setti, de Brasília, para o Jornal da Tarde, de São Paulo, publicado a 25 de outubro de 1968)

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