Cercado das dores de cabeça inerentes a quem governa o Brasil, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva desfrutará, nos próximos dias, do gosto de exercitar o poder do cargo em um de seus mais altos graus, ao designar três novos membros para o Supremo Tribunal Federal (STF), órgão-chave no funcionamento da democracia brasileira.
O tribunal é composto por onze ministros, que o presidente nomeia depois de escrutínio e aprovação pelo Senado. Nomeando três novos deste mês até o final de maio – quando se aposentam, por atingirem a idade-limite de permanência no cargo, três dos atuais ministros –Lula terá em mãos a chance rara, na história republicana, de moldar grandemente o Supremo à feição de sua gestão, sobretudo levando-se em conta que, até o final de seu mandato, em janeiro de 2007, dois outros ministros vão-se retirar.
Dos presidentes democráticos, nenhum terá nomeado mais membros do STF do que Lula. Apenas José Sarney (1985-1990) chegou aos mesmos cinco. Seguem-se Juscelino Kubitschek (1956-1960), que pôde nomear quatro, assim como Fernando Collor (1990-1992). Getúlio Vargas designou 21 nos dezenove anos em que ocupou o poder, em duas passagens – mas só dois como presidente eleito pelo povo (1951-1954).
Em 113 anos de República, apenas 153 brasileiros foram honrados com a ascensão ao STF, o que o torna um clube menos exclusivo apenas do que o dos cidadãos que ocuparam a Presidência: 39, se incluirmos os membros de duas juntas militares (1930 e 1969). Dois dos 39 presidentes foram, antes, ministro do STF – Epitácio Pessoa (1919-1922) e José Linhares (1945-1946). Todos os demais ocuparam, antes de lá chegar, funções importantes na vida pública. Dezenas dão nome a avenidas, ruas e praças pelo Brasil afora – do Barão de Lucena a Barata Ribeiro, Viveiros de Castro ou Herculano de Freitas.
Três dos 11 juízes se aposentam até o final do mês que vem
Um ministro do Supremo é um poderoso ente do Estado. Excluindo-se o presidente da República, nenhum outro funcionário, eleito ou não, entre os milhões de União, Estados e municípios, tem a sua importância. Junto com seus colegas, ele decide diretamente sobre a vida de centenas de milhares de brasileiros, e suas decisões afetam todos os 170 milhões. Julgam causas de bilhões de reais. E resolvem, em última instância e sem apelação, o que está certo ou errado e o que pode ou não ser feito – inclusive pelo Congresso e pelo presidente –, à luz da Constituição.
Para os planos de Lula, o Supremo é peça-chave. As indispensáveis reformas que o presidente promete implementar inevitavelmente vão ter sua validade jurídica questionada e acabarão passando pelo crivo da corte.
Sobre nomes, Lula tem recebido todo tipo de sugestões, palpites e pressões. Mas o presidente e o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, elaboraram critérios para a escolha. Gênero? (Há apenas uma mulher no STF, nomeada por FHC). Pode até ser considerado, mas não é fundamental. Aspecto racial? (Jamais houve um ministro negro). A mesma coisa: seria até bom, mas não é o que vai decidir. Juiz de carreira, ou um jurista de fora? Tanto faz.
O essencial, segundo os parâmetros traçados por Bastos e Lula, é que os novos ministros sejam sintonizados com o “espírito de mudança” que o novo governo acredita estar impulsionando. Ou seja, vai-se privilegiar, nas escolhas, nomes que pertencem a correntes jurídicas menos ligadas ao rigor formal, ao duro e rijo texto dos códigos, e que sejam capazes de levar em conta, no exercício do cargo, a realidade social e econômica do país.
O perfil desejado dos novos ministros é esse. Poderemos conferir em breve.
(Artigo de Ricardo Setti, de São Paulo, publicado a 9 de abril de 2003 em sua coluna “De Olho no Poder” na revista EXAME)