Não é todo mundo que notou, mas um crescente número de prefeituras está paralisando ou diminuindo seus serviços em protesto contra a queda no valor de repasses de dinheiro federal e da arrecadação de impostos estaduais que as beneficiam. Isso deveria ter feito acender um sinal amarelo no Congresso e em outras instâncias do poder para um problema importante da Federação brasileira: o número de municípios cuja arrecadação própria é pequena, irrelevante ou nula, e que dependem, para sobreviver, quase exclusivamente das transferências do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), constituído de parcelas de dois impostos federais – o de renda e o sobre produtos industrializados.
Em São Paulo, o Estado mais rico do país, 80% dos 645 municípios têm no FPM sua principal fonte de receita. No também rico Paraná, é pior: 83% dos 399 municípios vivem quase exclusivamente do fundo. No país todo, embora não haja estatísticas atualizadas, estima-se que o percentual dos 5.650 municípios sem gás próprio seja ainda maior.
O caso das 26 cidades do Vale do Ivaí, no Paraná, que decretaram moratória de dois meses para fornecedores e outros credores deu início ao movimento de protesto dos municípios. Agora, 579 cidades de São Paulo devem declarar ponto facultativo e a suspensão da maioria dos serviços à população nesta terça, 5, bem como promover manifestação na sede da Assembléia Legislativa, na capital. A Associação Mineira dos Municípios, que congrega 853 cidades, dá os primeiros passos para uma marcha a Brasília. Há movimentações em outros Estados.
Essa situação traz novamente à tona uma proposta que especialistas volta e meia defendem: a inclusão, na Constituição, de dispositivos draconianos condicionando a criação de novos municípios, inclusive a exigência de um percentual mínimo, mas consistente, de arrecadação própria.
Desde a entrada em vigor da Constituição de 1988, cerca de mil novos municípios foram criados no país – na esmagadora maioria por exclusivo interesse político e de políticos, sem condições de sobreviver com as próprias pernas, mas dotados, claro, de prefeito, vice-prefeito, Câmara Municipal, secretarias e funcionalismo. Uma grande fonte de problemas e um grande ralo de dinheiro que têm escapado ao debate nacional e para os quais Brasília tem fechado os olhos. Essa festa absurda precisa acabar.
O passaporte de Maluf
O episódio em que o ex-prefeito paulistano Paulo Maluf teve que dar explicações às autoridades financeiras da França sobre gordos depósitos em sua conta bancária em Paris trouxe à tona, entre outras, uma questão menor, mas que nem assim deixa de ser pertinente: por que raios Maluf – para todos os efeitos um ex-isso e ex-aquilo na política e, portanto, cidadão comum – carrega no paletó um passaporte diplomático?
Dos bandidos para a polícia
Há coisas que são tão óbvias que ninguém faz – até que alguém faz. É o caso da lei estadual n° 14.561, aprovada pela Assembléia Legislativa de Minas Gerais no ano passado, sancionada no começo de janeiro pelo governador Aécio Neves (PSDB) e posta agora para funcionar na prática.
Ela permite que armas sem registro apreendidas de bandidos sejam devidamente legalizadas e transferidas para a polícia.
Teoricamente, assim, Minas pode escapar da sina de outros Estados, que apreendem milhares de armas, muitas delas de excelente qualidade, deixam-nas mofando em depósitos – dos quais muitas são desviadas para a bandidagem – até chegar o dia da próxima e rara solenidade em que, com o OK do Exército, elas serão destruídas.
Fashion news
O ministro extraordinário da Segurança Alimentar, José Graziano, ameaça retirar do da Educação, Cristovam Buarque, a taça de titular do colarinho mais caótico da Esplanada dos Ministérios.
Ponto cortado
Dessa vez, parece que valeu. Houve insinuações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, anúncio do ministro Antônio Palocci, da Fazenda, e ameaças insinuadas pelo ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, de que poderia haver desconto de dias parados para dezenas de milhares de funcionários públicos federais em greve há três semanas contra a proposta de reforma da Previdência. Pouca gente acreditou, baseado na leniência com que governos tratam servidores grevistas, mesmo estando eles à margem da lei. Mas o desconto – embora sobre o salário de agosto, quando a greve poderá ter terminado – foi finalmente decidido.
Trata-se de fenômeno raro. Greve de funcionário, no Brasil, embora não autorizada em lei, é muitas vezes sinônimo de férias: o servidor para de trabalhar, a população deixa de ser atendida e, findo o movimento, lá está o salário do grevista, depositado direitinho no banco. Bem diferente do que sucede na iniciativa privada, em que a greve – com bem sabe o ex-líder sindical Lula – é um confronto de forças que traz riscos e, quase sempre, conseqüências para os dois lados. Para o trabalhador, corte de salário, quando não de emprego.
No caso do funcionalismo, o deixa-pra-lá começou a ser revisto a partir do começo do primeiro mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso. Veja-se o artigo 1° do decreto n° 1.480, de 3 de maio de 1995, assinado por FHC: “Até que seja editada a lei complementar a que alude o art. 37, inciso VII, da Constituição, as faltas decorrentes de participação de servidor público federal, regido pela Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, em movimento de paralisação de serviços públicos não poderão, em nenhuma hipótese, ser objeto de: I – abono; II – compensação; ou III – cômputo, para fins e contagem de tempo de serviço ou de qualquer vantagem que o tenha por base.”
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A senadora Heloísa Helena (PT-AL), a “Passionária das Alagoas”, é militante da turma dos mascadores de chicletes no Congresso.
Juízes, greve e concessões
A ameaça de greve de juízes estaduais, do Trabalho e militares contra a reforma da Previdência pode estar murchando como resultado de frenéticas articulações em marcha. Elas se estendem em várias direções e envolvem grande número de interlocutores.
Em resumo, podem resultar no abandono de duas reivindicações: a de que os magistrados que ingressarem na carreira após a reforma se aposentem com vencimentos integrais, iguais aos que embolsavam na ativa, e a de que os futuros juízes, ao vestir o pijama, tenham aposentadoria idêntica aos vencimentos dos colegas em atividade.
Como os demais funcionários, os juízes já ganharam, nas negociações no Congresso, o direito à aposentadoria integral e à paridade de vencimentos para os que estão na carreira. Em troca de ceder naqueles dois pontos, podem adicionalmente vencer a batalha para que os desembargadores dos Tribunais de Justiça estaduais subam dos 75% dos vencimentos de ministro do Supremo Tribunal Federal (equivalentes a 12.879 reais), previstos na proposta de reforma do governo, para 90,25% (15.496,65 reais).
Um eventual acordo implicaria na aceitação, pelos magistrados, de que fundos de pensão complementem a aposentadoria dos futuros juízes acima dos 2.400 reais do teto de vencimentos para todo o funcionalismo fixado pela proposta de reforma.
Ficaria com a Viúva
Mesmo que haja acordo para evitar a greve de magistrados nas linhas gerais descritas na nota anterior, as preocupações do governo com o Judiciário não terão terminado. A disputa seguinte, no âmbito da reforma da Previdência, será pelo tipo de fundo de pensão complementar a ser criado futuramente por lei complementar ou mesmo lei comum.
O governo, de olho nas contas públicas, deseja que sejam fundos com contribuição definida – ou seja, em que a soma das contribuições mensais feitas ao longo da vida pelo magistrado, de um lado, e por seu empregador (União ou Estados), de outro, é que vai determinar o valor da futura complementação de aposentadoria.
Os magistrados querem o bem-bom dos fundos de benefício definido – ou seja, o juiz já saberia de antemão quanto iria receber quando aposentado, mesmo que a soma das contribuições, ao final do processo, fosse insuficiente para bancar seu contracheque. Nesse caso, a diferença seria arcada pelo velho e bom Tesouro.
Não é comigo
Pode ter algo a ver com a rebelião do Judiciário contra a reforma da Previdência, pode não ter. Mas o fato é que o governo começa discretamente a tirar o time da iniciativa de promover a reforma da Justiça – uma das cinco prometidas pelo presidente Lula. Ministros, como o da Previdência, Ricardo Berzoini, começaram a dizer que a reforma do Judiciário, como também a reforma política, será feita “pelo Congresso”.
Nem um voto
Defensor de drásticas mudanças nos sistemas de aposentadoria e pensões do país que, diz ele, quebrarão o Brasil se não forem enfrentados com coragem, o deputado Roberto Brant (PFL-MG) – ex-ministro da Previdência (2001-2002) e presidente da Comissão Especial da Câmara sobre a reforma previdenciária – está decepcionado com os rumos das mudanças defendidas pelo governo.
Ele chegou a dizer que, depois de o governo ter cedido na manutenção da integralidade e da paridade de vencimentos entre funcionários da ativa e aposentados para os atuais servidores, a reforma de Lula “morreu”. Mas admite:
– A reforma que eu gostaria mesmo de ver implantada não teria um único voto na minha comissão.
A comissão que Brant preside tem 38 integrantes.
Moral
Aliás, o deputado Roberto Brant tem autoridade moral para dizer, como tem dito, que não aceita um regime especial de previdência para os juízes: é filho de desembargador.
Não é só o nome
O nome do programa de 2,5 bilhões de reais do BNDES para iniciar a renovação da frota de caminhões do país – o Modercarga – não se inspirou por acaso no do Moderfrota, programa semelhante introduzido ainda no governo FHC para a área de tratores agrícolas. Desde que a equipe do governo eleito tomou contato com o programa, ainda nos tempos da transição, o Moderfrota começou a ser elogiado sem rodeios como exemplar.
Agora, gente da área técnica do governo reconhece que a ele se deve boa parte do espetacular desempenho da área agrícola neste 2003.
Vem aí a autonomia do BC
Vai depender da aprovação das reformas tributária e da Previdência, e, se aprovadas ambas, do tamanho da vitória do governo na Câmara dos Deputados e no Senado.
Mas podem anotar: passando as duas reformas, e passando bem, o governo vai em frente ainda este ano com sua proposta de autonomia operacional do Banco Central.
Vale lembrar que, para colocar em pé a autonomia, amaldiçoada pela esquerda petista e por outros setores da base governista no Congresso, é necessária maioria absoluta – metade mais um dos votos dos 513 deputados e 81 senadores –, bem menos difícil de obter do que a maioria qualificada de três quintos exigida para alterações na Constituição.
Números irrelevantes
O edifício Patriarca, ex-sede do falido grupo Matarazzo e futura sede da Prefeitura de São Paulo, no centro da capital, tem 27.800 metros quadrados
Números relevantes
A assinatura residencial de telefone fixo subiu 136% em São Paulo desde a privatização do sistema Telebrás, em 1998 – quase três vezes a inflação para o consumidor no período, medida pelo IPCA, que foi de 49%.
Chamar o crime pelo nome
Da praga nacional de chamar o crime, eufemisticamente, de “violência” não escapa nem uma entidade que tem prestado grandes serviços à comunidade em São Paulo justamente no combate aos infratores do Código Penal – o Disque-Denúncia, mantido por entidades privadas.
Cartazes do serviço espalhados por toda parte com o telefone para denúncias (0800 156315) vêm acompanhados do slogan: “Vamos acabar com a violência”.
As fitas de FHC
Já começou a ser feita a transcrição das fitas de áudio em que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso gravou, ao longo de seus oito anos de governo, impressões sobre o exercício do cargo e seu dia-a-dia no Palácio do Planalto.
FHC diz que não pretende examinar o material depois de concluído o trabalho. “A tentação de corrigir é muito grande, mas fazer isso seria indevido”, acha. Ele tenciona futuramente delegar a alguém, ainda não definido, a tarefa, e também não se decidiu ainda a que finalidade – municiar um livro, ficar acessível a futuros pesquisadores – o material se prestará.
Tanto as fitas como as transcrições ficarão sob a guarda do Instituto FHC, organização não-governamental fundada pelo ex-presidente e que terá sede num andar de um edifício no centro de São Paulo, com vista para o Vale do Anhangabaú, onde funcionava o tradicional Automóvel Clube. A futura sede está em obras, que inclui um sistema de ar-condicionado necessário à conservação de livros e documentos.
Restô
Por falar em FHC, o ex-presidente adicionou um novo restaurante a sua lista de prediletos, nos pousos que faz em São Paulo entre suas constantes viagens internacionais.
É o restaurante do exclusivo hotel Emiliano, na elegante região dos Jardins.
In vino veritas
O Unibanco está distribuindo a determinado grupo de clientes um DVD com os cinco programas realizados pelo jornalista Renato Machado para a série “Reserva Especial”, do canal pago GNT.
A série, que volta e meia é reprisada pelo GNT, consiste numa viagem pelas principais regiões produtoras de vinhos e os melhores châteaux da França. Os programas têm excelente qualidade jornalística. Além dela, dá gosto constatar como Machado saboreia o objeto de atenção de seu trabalho, ficando visivelmente mais feliz à medida que as jornadas prosseguem.
Grisalhos anos rebeldes
Está à venda na Rua Condessa de São Joaquim, no velho bairro da Liberdade, em São Paulo, o casarão assobradado que por mais de 60 anos abrigou a Pensão do Abelardo.
Lá, no remoto ano de 1966, conviveram, morando em quartos com banheiro coletivo, entre outros, os estudantes Marcos, José Dirceu e Celso. O primeiro se tornaria, logo em seguida, o cantor Marcos Roberto, da Jovem Guarda, mergulhando mais tarde no anonimato. O segundo, depois de um trajeto que incluiu ser líder estudantil, preso político, exilado em Cuba, banido pela ditadura, clandestino no Brasil e deputado federal, viria a ser o atual chefe da Casa Civil da Presidência da República, José Dirceu de Oliveira e Silva. O terceiro, José Celso de Mello, é há 14 anos ministro do Supremo Tribunal Federal.
Disseram
De Armand Jean du Plessis, o cardeal Richelieu (1585-1642), por 18 anos ministro e homem-forte do governo do rei Luís XIII na França:
– É preciso ouvir muito e falar pouco para agir bem no governo de um Estado.