(Este artigo foi publicado no hoje extinto Jornal da Tarde a 11 de novembro de 1968, mostrando como foi premonitório o então vice-presidente Pedro Aleixo, um civil conservador que, no entanto, não estava envolvido em qualquer tratativa para que fosse baixado o tenebroso Ato Institucional número 5, pouco de um mês depois, a 13 de desembro do mesmo ano, que mergulhou o país em seu período ditadorial mais escuro.
Tanto é que, em agosto do ano seguinte, com o derrame sofrido pelo então marechal-presidente Costa e Silva e seu afastamento do cargo, Aleixo foi impedido de assumir o cargo, o que foi feito por uma junta militar composta pelos então três ministros militares.)
Se onde há fumaça, há fogo, o sr. Pedro Aleixo está vendo uma, ou outro. Provavelmente está vendo fumaça, o que aliás não seria privilégio seu, nos dias que correm. E por quê?
Explicando: o vice-presidente da República e presidente do Congresso, de discrição e mutismo providenciais, especialmente quando conversa com jornalistas, fez no último fim de semana uma longa análise da história constitucional brasileira, terminando por abordar o problema dos atos institucionais.
Suas declarações fogem ao seu comportamento normal. O vice-presidente disse que se falar, no presente momento, em Ato Institucional, “é falar-se em tentativa de mudança, por meio violento, da Constituição, no todo ou em parte, ou da forma de governo por ela adotada”.
Portanto, “quem quer que, fora do processo legislativo consagrado na Constituição em vigor, pretende mudar, no todo ou em parte essa Constituição, somente poderia fazê-lo usando uma medida de força, que, vale dizer, somente incorrendo na sanção estabelecida pra quem, segundo o disposto no artigo 22 do decreto que define os crimes contra a segurança nacional e a ordem política e social, tente mudar, por meio violento, a Constituição ou a forma de governo por ela adotada”.
E quem tem falado, ultimamente em Ato Institucional?
O senador Dinarte Mariz (Arena-RN) e o deputado Clóvis Stenzel (Arena-RS) [tidos como porta-vozes de setores militares considerados “duros”]. Pelo menos, são os que têm falado abertamente, e não é de hoje. Sabe-se que em outras áreas, inclusive em algumas áreas militares, o assunto tem sido cogitado. A quem se dirige, pois, a advertência do vice-presidente civil?
É uma pergunta que somente a ele cabe responder, embora o sr. Aleixo possa admitir que a advertência seja genérica. Não é a este ou aquele, mas a todos.
Mas estaria o vice-presidente ameaçando de enquadramento na Lei de Segurança Nacional o senador Dinarte Mariz, o deputado Clovis Stenzel ou alguns militares exaltados?
Não, pois o sr. Pedro Aleixo se mostra benevolente: “É perfeitamente compreensível” – diz – “que muitos dos que falam em Ato Institucional não estejam devidamente advertidos de que, na atualidade, não se pode usar um recurso que se adotou durante o período em que se estava institucionalizando a Revolução de 1964”.

Não obstante a compreensão, o sr. Pedro Aleixo está apreensivo. Pelo menos é o que se pode julgar pelas suas declarações: “Mas se quem fala em Ato Institucional está querendo revelar que sabe que se tenta mudar a Constituição por meio que não é o que a Constituição estabelece, então está noticiando a existência de alguma conspiração que procura pôr em risco a atual ordem política e social”.
As declarações do vice-presidente levaram alguns setores políticos a julgar que, realmente, está se passando algo grave. Caso contrário, como se explicaria que o também presidente do Congresso saísse de seu mutismo de meses para verberar, ainda que indiretamente, as notícias de novo Ato Institucional?
Apesar de seu entendimento sobre o assunto, o vice-presidente não quer aparecer como contrário ao prosseguimento dos “objetivos e inspirações da Revolução de 1964”.
Diz o sr. Pedro Aleixo: “Concordamos em que a Revolução continue, concordamos em que ela não tenha uma data certa para ser considerada finda e extinta”. Porém, continua afirmando que “desde quando foi encontrada uma fórmula que, além de uniforme e harmônica, representa os ideais e princípios da Revolução, a Revolução somente se pode realizar mediante processos institucionalizados num documento que estrutura a ordem política, social e econômica da Nação”. Em poucas palavras, na Constituição de 1967.
Mostrada a posição do vice-presidente, é possível extrair-se pelo menos uma conclusão: em caso de mudança de regime, com a eventual decretação de um Ato Institucional, não haveria lugar para o sr. Pedro Aleixo.
(Post de Ricardo Setti, de Brasília, publicado a 11 de novembro de 1968 no Jornal da Tarde, de São Paulo, sob o título original de “Novo Ato, fumaça ou fogo?”