Começa a dar resultados a espetacular operação policial, dirigidas por magistrados das cidades de Milão e de Reggio Calabria, que envolveu 3 mil agentes e carabinieri italianos em julho passado deste 2010 e resultou na prisão de 304 pessoas ligadas à ‘Ndrangheta, a máfia calabresa, inclusive seu chefe, o capo Domenico Oppedisano, de 80 anos.

Com frieza e ironia típicos, ao ser levado no banco traseiro de um veículo dos carabinieri, na ocasião, Oppedisano baixou o vidro da janela, sorriu para os jornalistas e cumprimentou-os com vagar e solenidade, tirando o chapéu que invariavelmente usa.

Todos estão sendo processados por assassinato, tráfico de drogas, tráfico de armas, extorsão e agiotagem.

Fatura 44 bilhões de euros — A operação resultou no desmantelamento de nove “clãs” da ‘Ndrangheta, e se chegou à conclusão de que a máfia da região da Calábria, no sul da Itália, principal gestora do tráfico mundial de cocaína, fatura anualmente inacreditáveis 44 bilhões de euros (quase 150 bilhões de reais, 10 bilhões mais do que o BNDES tem para investir em 2011). Já se sabe que os criminosos de alguma forma controlam, só na Itália, 160 empresas.

Também se conhece melhor como se organiza a máfia calabresa. Do que pôde transpirar das investigações, sabe-se que não é formada por “clãs” autônomos, como se imaginava, mas que opera com uma estrutura vertical, à maneira da Cosa Nostra, a máfia (propriamente dita) da Sicilia.

Debaixo de Oppedisano, atuam os grupos “comarcais”, de ampla área geográfica de atuação, aos quais se subordinam as chamadas ‘Ndrinas, quadrilhas locais – de uma cidade, de uma pequena província. As ‘Ndrinas, ou clãs, são semelhantes às famiglias da Cosa Nostra, mas diferem em um importante detalhe: são constituídas de famílias verdadeiras, o que, nas palavras de um magistrado que investiga o caso, transforma a ‘Ndrangheta “na máfia mais impenetrável de todas”.

Segundo os juízes de instrução da investigação, “o coração e o cérebro” da ‘Ndrangheta estavam em Reggio Calabria – cidade de 180 mil habitantes 500 quilômetros ao sul de Roma, de frente ao Mar Jônico e bem na ponta da “bota” que é a Itália –, de onde estendia (e certamente ainda estende) tentáculos para o restante da Europa, as três Américas e até a Austrália.

Milão, onde foram encarcerados 180 dos suspeitos, seria uma espécie de capital financeira da organização criminosa.

O alcance dessa faceta do crime organizado pode ser medido pelo fato de que, entre os 304 presos sendo investigados, há um dirigente político da Lombardia – região cuja capital é Milão –, dirigentes de empresas construtoras, empresários de outros ramos, advogados, um biólogo, quatro oficiais dos carabinieri e um professor.

Mas os políticos italianos e os especialistas no crime organizado não estão propriamente soltando rojões com a prisão. Sabem que, infelizmente, a Ndrangheta está inserida no tecido social da região desde o século XIX e emprega muita gente numa região desfavorecida e que criminosos cruéis e implacáveis como seus integrantes são glamurizados pela cultura popular, começando por Hollywood — o que em nada, absolutamente, contribui para combatê-los.

Glamuraziação do crime: cartazes enaltecendo os mafiosos servem até como murais para decoração (Foto: @Reprodução)

Há quem localize a ‘NDranghetta logo após a unificação da Itália em 1861. Estudiosos apontam que nasceu de bandos locais de criminosos e de antigos grupos de briganti (salteadores das montanhas), que se organizaram em estruturas de tipo mafioso na carente Calábria, hoje menos do que naquela época, mas ainda com os menores índices de desenvolvimento entre as 20 regiões italianas

O grupo criminoso começou a se consolidar com mais vigor no final do século XIX e início do século XX, extorsão, sequestro, contrabando e se infiltrando na máquina pública para obter contratos de obras. Depois da II Guerra Mundial (1939-1945), com a Itália arrasada e o desemprego em níveis altíssimos, os criminosos incluíram em seu cardápio para os rendosos tráfico de armas e, sobretudo, de drogas, a ponto de, a partir dos anos 70 e principalmente dos 80, virtualmente controlar grande parte do tráfico internacional de cocaína para e Europa, em consórcio com cartéis latino-americanos.