O Congresso Nacional foi reaberto há pouco mais de um mês [após seu fechamento compulsório pela Junta Militar que governo o país após a doença que afastou o presidente Costa e Silva, com a saúde ainda crítica]. Mas o que os congressistas fizeram em seu benefício e em benefício da consolidação democrática nesse período? A resposta pode encontrada neste artigo.

O senador Gilberto Marinho [Arena-GB, presidente do Senado e do Congresso] vai encerrar depois de amanhã o mês e pouco de trabalhos do Congresso neste ano, e se algum deputado ou senador se lembrar de fazer uma autocrítica do que foi o Legislativo nesse período, a conclusão não vai ser nada edificante. Um conhecido jornalista escreveu há dias que, no Congresso, só está jogando o segundo time.

É a pura verdade. O primeiro time deixou o campo – a maioria compulsoriamente, os demais pendurando as chuteiras por conta própria. Não cabe aqui analisar as convicções ideológicas ou a atuação política de uns e outros. A verdade é que esse resto de Congresso está muito aquém da missão que o próprio regime, por meio de seu representante mais categorizado – o presidente da República – pretende lhe delegar: ser o poder civil e voltar a influir, a médio prazo, nas decisões fundamentais do governo.

O despreparo do atual Congresso para assumir seu papel pode ser notado em vários planos, a começar pelos pequenos detalhes. E foi mais ou menos isso que o deputado Veiga Brito [Arena-GB] disse ontem, durante reunião no gabinete executivo da Arena. Veiga Brito falava da Arena, que o partido não tem condições de influir no governo e muito menos o governo vai ouvir a Arena, se as coisas continuarem no pé em que estão. Mas o que ele disse se aplica muito bem ao Congresso e aos políticos.

Comecemos pelos pequenos detalhes. Na Câmara, por exemplo, ninguém demonstra ter a intenção de contribuir para restaurar o prestígio do Congresso. A massa de anônimos que toma assento no plenário, com raras e honrosas exceções, parece ter ainda como preocupação básica a meia hora que o Legislativo tem no programa A Voz do Brasil. Fora disso, é uma sucessão monótona e infindável de homenagens e louvores ao governo, em vários setores.

A sessão de ontem, por exemplo, foi uma boa amostra. Tomemos alguns exemplos: o deputado Milton Brandão elogiou o ministro Fábio Yassuda, da Indústria e Comércio. O deputado Floriano Rubim elogiou a inauguração da rodovia que liga Vitória a Uberaba. O deputado Leonardo Mônaco elogiou o deputado Rondon Pacheco, novo presidente da Arena. O deputado Erasmo Martins Pedro – do Mdb – elogiou os assessores parlamentares dos ministros militares. O deputado Paulo Abreu elogiou a Revolução, de um modo geral, e o atual governo, de maneira especial. O deputado Adílio Viana – outro do Mdb – elogiou o governo pela recente modificação nos critérios da correção monetária. E isso tudo só na primeira parte da sessão. Salvou-se o contundente discurso que, mais tarde pronunciou o deputado Paulo Brossard.

No Senado, o clima varia um pouco. E já é suficiente para mostrar a qualquer observador que é a única Casa do Congresso onde se pode ouvir – nem sempre, diga-se – algum pronunciamento sério e autorizado sobre os rumos que o País está tomando ou deva tomar. Mas ontem o dia não foi dos melhores: a sessão foi ocupada por pronunciamentos sobre a[chamada] Intentona Comunista de 1935, tema que levou à tribuna pelo menos um de seus frequentadores pouco assíduos, o senador Paulo Torres [Area-RJ]. O discurso, contudo, não foi suficiente para manter o interesse do senador Benedito Valadares [Arena-MG] que, no meio do Plenário, dormia a sono solto. Da Mesa, discretamente, o presidente mastigava um chocolate.

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Reprodução da matéria publicada © Reprodução

A maior importância política do Senado atualmente não decorre de seu todo, que pouco difere do da Câmara, mas por atitudes isoladas de alguns senadores, como o sr. Josaphat Marinho [MDB-BA], que por isso mesmo estão em visível processo de marginalização. Outro é o sr. Milton Campos [Arena, ex-ministro da Justiça], que se mantém em Minas Gerais numa espécie de exílio político voluntário.

Nos episódios mais relevantes, o Congresso também mostra que não quer assumir seu papel. É o caso da eleição da Mesa do Senado, que se supõe ser assunto da economia interna da Casa. É verdade que a Constituição restringiu consideravelmente as atribuições do Congresso, mas não a ponto de impedir que cada casa eleja, soberana e livremente, sua Mesa diretora. É um direito básico, elementar, e do qual o Senado acabou de abdicar. Como? Permitindo que o senador Filinto Muller levasse ao general Médici [eleito indiretamente presidente a 25 de outubro passado] uma lista de quatro senadores, para que um fosse escolhido presidente do Senado. O Senado sequer se manifestou sobre o nome de sua preferência, limitando-se a si mesmo como não tinha feito até agora, desde a Revolução de 1964.

A escolha do senador João Cleofas [Arena-PE, ex-ministro da Agricultura de Getúlio Vargas], contudo, deverá ter ao menos um resultado positivo: acabar com o famoso “sistema” do Senado, que transformou a Casa, há longos anos, num feudo de única e exclusiva propriedade de um grupo de políticos. Mas o Congresso, como instituição, não vai lá bom das pernas. Temeroso e apelativo, sem eco na opinião pública, não sabendo o que fazer e para onde ir, limitando-se a agradar por todas as formas ao governo, como vai o Congresso impor-se ao nível mínimo para o diálogo com o Executivo?

(Post de Ricardo Setti, de Brasília, publicado originalmente sob o título “Como vai o Congresso até agora” no Jornal da Tarde, de São Paulo, a 28 de novembro de 1969)

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