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Cinco cidadãos norte-americanos e uma mulher brasileira confessaram ontem, no Departamento Federal de Segurança Pública [o DFSP era um órgão federal que se transformaria na Polícia Federal], em Brasília, integrarem rede de contrabandistas de minerais atômicos, revelando ainda possuírem 37 campos de pouso clandestinos no Brasil, localizados em Goiás, Minas Gerais, Amazonas, Pará, Roraima e Amapá.

Autoridades militares que acompanham o caso afirmaram que a evasão de minerais atômicos – cassiterita e tantalita – e metais preciosos feita pelo bando “é verdadeiramente impressionante, causando prejuízos mensais ao País da ordem de bilhões de cruzeiros”. Revelaram ainda as autoridades que cinco dos aeroportos clandestinos têm condições para operação – inclusive de quadrimotores.

Os detidos

Entre os contrabandistas presos figura um ex-senador [estadual] dos Estados Unidos, Sam Sexton, banqueiro e advogado em Fortsmith, no Estado do Arkansas, cuja esposa foi presa e depois solta pelo DFSP. Foram ainda detidos estando incomunicáveis: Joe McCutcheon, químico-farmacêutico; Joe Truehill e Darwin Corbin Mandell, piloto e co-piloto; Ralph Dial, proprietário de uma empresa em Belo Horizonte, e a brasileira [de qualificação não informada pelas autoridades] Wilma Zenkovitch Kositsine.

Esquecimento deu prisão  

A permissão de pouso para um B-26 [bombardeiro da II Guerra Mundial adaptado para fins civis], que por esquecimento, deixou de ser transmitida do aeroporto Santos Dumont [no Rio de Janeiro] para o aeroporto de Brasília, provocou a prisão dos contrabandistas, por ordem direta do chefe do DFSP, general Riograndino Kruel.

O avião procedia da Guiana Holandesa [futuro Suriname] e pousaria no aeroporto Santos Dumont; entretanto o piloto desviou-se da rota por falta de teto e terminou descendo em Três Marias [MG], de onde resolveu seguir para Brasília. Antes pediu ao aeroporto Santos Dumont que se comunicasse com as autoridades de Brasília, o que não ocorreu, fazendo que o avião – de tipo inusual – e os passageiros despertassem as suspeitas das autoridades militares. Após inspeção da aeronave, verificou-se que ela tinha completo laboratório para análise de minérios.

Na Guanabara

A prisão dos contrabandistas ocorreu no sábado. Logo em seguida foram todos levados para a Guanabara, onde, no domingo, um amigo de Ralph Dial comunicou o fato à Embaixada dos Estados Unidos. Na terça-feira os diplomatas norte-americanos localizaram os detidos na unidade do I Exército, aquartelada na rua Barão de Mesquita, na Tijuca, sem, contudo, conseguirem avistar-se com eles. Depois de promessas das autoridades militares de que a permissão seria concedida no dia seguinte, isto é, após duas tentativas que o cônsul norte-americano fez junto às autoridades para avistar-se com os contrabandistas. Mas por ordem do general Riograndino Kruel todos os implicados  foram transferidos para Brasília. 

Ontem, o Itamaraty informou à Embaixada dos Estados Unidos que o chefe do DFSP receberia os funcionários diplomáticos às 15 horas, na Capital Federal, mas que os contrabandistas estão incomunicáveis e com prisão preventiva decretada.

Relatório a Costa e Silva

Após o depoimento, os contrabandistas foram levados á presença do general Kruel, em seu gabinete, dois de cada vez, mantendo contato com as autoridades diplomáticas norte-americanas que ali se achavam – o cônsul em Brasília, sr. J. A. Lafrennière, e um assessor. Os detidos disseram ter recebido bom tratamento no quartel da Base Aérea de Brasília ao qual foram recolhidos logo após a decretação da prisão preventiva, anteontem, por ordem do juiz Waldir Meuren, de plantão na 1ª Vara Criminal de Brasília. O B-26 que os conduzia foi lacrado e é mantido sob custódia da Diretoria de Aeronáutica Civil. 

O depoimento da quadrilha foi tomado pelo delegado Jesuan de Paula Xavier, do DFSP, auxiliado por dois oficiais da FAB, que funcionaram como intérpretes.

Em encontro mantido ontem com o ministro Costa e Silva, da Guerra, o general Riograndino Kruel relatou o encaminhamento da questão, recusando-se durante todo o dia o chefe a fazer declarações à imprensa sobre os fatos apurados. Afirmou Kruel que se fornecesse informações mais precisas prejudicaria diligências ainda em andamento em diversos pontos do País. Essas diligências são conduzidas por agentes do DFSP e pelos serviços secretos do Exército e da FAB. 

“Dossier”

Adianta-se que as autoridades militares, que já há algum tempo vinham investigando o contrabando de minério, dispõem de farto dossier, tendo o chefe do DFSP se prontificado a receber os jornalistas hoje, em hora a ser marcada, para prestar amplos esclarecimentos sobre o caso. Sabe-se, ainda, que além de minérios atômicos e metais preciosos,  os contrabandistas ainda traficavam pedras preciosas, e traziam dos Estados Unidos, principal fonte onde colocavam o contrabando, uísque e outras mercadorias de fácil aceitação no Brasil.

(Reportagem de Ricardo Setti, de Brasília, publicada no jornal O Estado de S. Paulo a 26 de fevereiro de 1966 sob o título original de “Confessam culpa os contrabandistas”].

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