A volta do presidente Costa e Silva a Brasília [depois de uma temporada de trabalho no Rio] deixou muito boa impressão em toda a área política do governo com mais acesso aos gabinetes palacianos. A impressão é a de que o presidente se sente fortalecido no meio militar após a última crise [com grandes manifestações de rua contra o governo], o que o anima, agora, a partir para entrosar-se com a área civil. O presidente, ao que parece, tem a convicção de que seu comando no âmbito militar é indiscutível, não obstante ninguém negue a existência de algumas divergências entre os militares. No geral e no fundamental, todos concordam, dizem os políticos governistas. Assim mesmo, o desafio na área política é relativo: os líderes arenistas vêm aconselhando prudência, inclusive à oposição. Entendem que é “muito arriscado” colocar mais lenha na fogueira. “O melhor é não colocar nem gravetos” — adverte um vice-líder, conceituado junto ao presidente da República. Esses líderes vêm seguidamente tentando demonstrar que o presidente quer uma abertura democrática, por estar convencido, finalmente, de que seu governo não vai às mil maravilhas no setor político. Persiste, contudo, a desconfiança do dispositivo militar do governo quanto à classe política, à qual, obviamente, deveria ser confiada a missão dessa abertura. E os políticos sabem que não vai ser fácil readquirir a confiança dos militares. Mas líderes da Arena também advertiram a oposição — ou alguns de seus membros — para que não critiquem indiscriminadamente os militares. Argumentam que, assim, os militares como um todo se sentem acuados, e dificultam o desarmamento dos espíritos. E lembram que há grupos militares, apelidados duríssimos, que querem muito mais que um novo Ato Institucional. Se continuarem os ataques indiscriminados às Forças Armadas, perguntam, quem pode dizer que aqueles grupos não acabem por predominar? A sensação da base parlamentar do governo é de que este — e principalmente os militares — se mantêm em posição de expectativa. A crise, assim, ainda não terminou de todo. O que vier agora dependerá muito mais da reação do governo ao que considerar provocações do que a suas iniciativas propriamente ditas. O governo não quer endurecer, “mas isto não depende dele”, diz um porta-voz militar com assento no Congresso. Enquanto isso, o MDB está em crise. Os moderados estão muito receosos de encarar, mesmo em parte, as teses e o estilo de atuação da Frente Ampla. Na última reunião do gabinete executivo do MDB houve até um desentendimento entre o líder Mário Covas — que não é “imaturo” nem moderado — e o veterano senador Argemiro de Figueiredo [, ex-governador da Paraíba e já no seu segundo mandato no Senado]. Aconteceu, na realidade, uma tentativa de impedir que o gabinete se pronunciasse sobre a portaria do ministro Gama e Silva que baniu a Frente Ampla [o movimento em prol do pleno restabelecimento da democracia que reuniu dois tradicionais inimigos políticos, o ex-presidente Juscelino Kubitschek e o ex-governador Carlos Lacerda, a que se juntaria posteriormente o ex-presidente João Goulart, deposto pelo golpe de 1964], o que ocorreu afinal, por falta de quórum. Covas deixou a reunião, logo depois o senador Argemiro fazia o mesmo, finalmente saiu o deputado cearense Martins Rodrigues [secretário-geral do MDB] e o presidente Oscar Passos [AC] resolveu expedir nota em seu nome.   Agora os “imaturos” [apelido da ala mais à esquerda do MDB], juntamente com outros setores mais agressivos do partido, estão dispostos a iniciar a dinamização a legenda, a começar pela Comissão de Mobilização Popular. Os principais vultos do MDB sabem que ou o partido vai ao povo ou acaba. Argumentam que o MDB tem bons estatutos e poderia ser um partido de vanguarda, em condições normais. Acontece que é muito heterogêneo: inclui gente que é oposicionista por convicção, outros porque não tiveram vez nas Arenas regionais, outros por discordarem dos rumos que a Revolução tomou. Exemplo destes últimos são o padre Godinho [SP] e Adolfo de Oliveira [RJ], que foi o último líder da UDN na Câmara e hoje aparteia com energia os discursos de seu ex-liderado Ernani Sátiro – agora líder do governo. 
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O MDB também sofre de um mal de nascimento: foi criado para ser oposição. Não é um partido, é a oposição, mesmo quando, nos municípios, é governo. Foi criado de cima para baixo, juntando deputados e senadores sem incluir as bases. É chegada pois a hora de ir ao povo pelo menos para saber o que ele pensa. Mário Covas confessou um dia desses: “Às vezes vou para casa me perguntando se o povo em nome do qual muitas vezes eu falo pensa o mesmo que eu”. E acrescentava: “É disso que o MDB precisa, ir ao povo, saber o que ele realmente quer e pensa para poder falar em nome dele”.  Mário Covas, Martins Rodrigues, Paulo Macarini, de Santa Catarina [vice-líder do MDB], todo o brain trust do MDB chegou a uma solene conclusão: o MDB não representa a oposição brasileira, pouco ou nada significa para ela. Então, que ao menos aja em consonância com as correntes oposicionistas, já que não as pode liderar. Mas dificuldades surgem de toda parte, principalmente do sistema e do governo. Paulo Macarini conta, por exemplo, que a portaria do ministro da Justiça sobre a Frente assustou todo mundo no Interior. Em Santa Catarina, seu Estado, disse que quase ninguém agora tem coragem de ir às reuniões do MDB, pois espalhou-se a notícia de que quem for a concentrações políticas vai preso. Outros deputados trouxeram de seus redutos eleitorais as mesmas informações. Há, inclusive, casos de renúncia de candidatos a prefeito do MDB em várias cidades. A dinamização do MDB, todos sabem, não é trabalho fácil. Mas os mais lúcidos concordam num ponto: é o único caminho. (Reportagem de Ricardo Setti publicada a 13 de abril de 1968 no Jornal da Tarde, de São Paulo, sob o título original de “Costa de volta, um sinal de força”)

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