Informações oficiais do Departamento Federal de Segurança Pública [precursor da Polícia Federal] finalmente esclareceram ontem pormenorizadamente o caso do sequestro do grego Hipocratis Takapoulos, sequestrado e torturado para ceder um diamante bruto que comprara de garimpeiros e informando estar em seu poder documentos que provam a participação do deputado federal Luis Bronzeado (ARENA-PB) no delito. Explica ainda em nota os motivos que determinaram a prisão do delegado federal Egberto Assumpção, seriamente implicado no sequestro do grego, comprador com cheques sem fundo do chamado “Diamante 007”, de [supostos] 450 quilates.
O caso
Inicialmente, detém-se a nota em esclarecer as origens do caso, lembrando que o [cidadão] grego travara, na segunda quinzena de outubro do ano passado, conhecimento com um cidadão de nome Isaac, o qual lhe possibilitou contato com o garimpeiro João Barbosa Sobrinho. Na casa deste, lembra a nota, Hipocratis veio a saber da existência de um grande diamante, manifestando interesse por sua aquisição. Acompanhava-o na ocasião, um sírio de nome Rachid, que se dizia conhecedor do negócio de pedras preciosas.
Após alguns contatos, ficou assentada a transação, pela qual o grego pagaria a quantia de quatro bilhões de cruzeiros, por meio de dois cheques de dois bilhões cada um. A transação foi efetuada numa sexta-feira, em hora tal que os cheques já não podiam ser levados à cobrança. No primeiro dia útil, segunda-feira, quando o garimpeiro foi descontá-los, verificou que o emitente não tinha fundos no banco.
“Nesse ínterim”, diz a nota, o grego e o sírio, certos de que seria arriscado tentar a venda no Brasil, arquitetaram a fuga para Montevidéu, no Uruguai, onde pretendiam colocar o fabuloso diamante por preço altamente compensador.
Não encontrando possibilidades de vender a pedra em Montevidéu, Hipocratis manifestou a disposição de ir tentar negócio em sua Grécia natal, tendo surgido, então, discordâncias no grupo sobre esse projeto. Hipocratis, mesmo assim, fugiu dos companheiros, tomando voando para Paris e daí para Atenas, onde chegou a 8 de novembro. Os outros, que tinham ficado em Montevidéu, sem demora seguiram para a Grécia.
Investigações
Dado o alarme pelo garimpeiro lesado, começaram imediatamente as investigações para a localização do grupo de intrujões, primeiramente a cargo da Polinter [organização policial que chegou a existir no Brasil, ecarregando-se, em certos casos, de investigações criminais que se estendiam além das fronteiras estaduais e das respectivas polícias] e, em seguida, por intermédio da Interpol [Organização Internacional de Polícia Criminal, fundada em 1923 e que continua existindo]. Incumbiram-se dessas investigações o delegado Egberto Assumpção Pacheco Nogueira e o comissário Edson Lasmar, que lançando mão de diversos recursos, conseguiram atrair e prender Hipocratis ao desembarcar no Rio, em 21 de dezembro.
E continua a nota oficial do DFSP: “Nesta Capital, foi Hipocratis recolhido ao quartel da Polícia do Exército, de onde o retirou o delegado Assumpção nos primeiros dias de janeiro deste ano, para diligências. O atual inquérito veio esclarecer que na rodovia Brasília-Goiânia seus condutores simularam um sequestro, a fim de transportarem-no para uma fazenda, situada nas proximidades de Luziânia [GO]”.
A direção geral do DFSP, entretanto, na mesma ocasião foi informada pelo delegado Assumpção de que o grego fugira, quando da realização da diligência de reconhecimento. Nessa altura, ao que tudo indica, teriam começado as bárbaras sevícias [nota: o Estadão vedava a seus jornalistas que utilizassem a palavra “tortura” para significar “tortura”] infringidas a Hipocrates. Burlando a vigilância de seus sequestradores, o grego terminou, contudo, por escapar, apresentando-se no quartel da Polícia do Exército.
Fazenda do deputado
Preso novamente pelo delegado Assumpção, Hipocratis foi reconduzido à Fazenda Morro Vermelho, de propriedade do deputado federal Luiz Bronzeado e dali, levado pelo mesmo delegado para Franca, no Estado de São Paulo, em viagem que se estendeu até Pelotas, no Rio Grande do Sul, com passagem pelas cidades de São Paulo e Santos, sempre sob o regime de torturas.
Em Pelotas o delegado Assumpção, usando indevidamente o nome do DFSP e sua condição de autoridade federal, confiou a custódia de Hipocratis ao 7º Batalhão de Guardas, enquanto se dirigia a Montevidéu, com o objetivo de localizar a pedra ou, pelo menos, reconstituir os passos do grego naquela capital. Hipocratis permaneceu no 7º Batalhão de Guardas até 16 de fevereiro, dia da volta do delegado Assumpção.
Viagens
Recomeçando o roteiro de turismo e torturas, de Pelotas levou seu prisioneiro, em automóvel, para São Paulo e desse Estado, na mesma condução, para Belo Horizonte, seguindo finalmente para Brasília. Hopocratis quase sempre tinha que viajar dentro do porta-malas do automóvel.
Conduzido para a Fazenda Morro Vermelho, foi ali submetido a novas torturas e, premido pelo sofrimento, teria afirmado encontrar-se o diamante em Atenas, com um seu patrício de nome Demostenes. Daí haver o delegado Assumpção tomado a iniciativa de dirigir-se à Grécia, em companhia do auxiliar de Polícia Federal Romeu da Silva Pereira, em diligência que não teve êxito.
Hipocratis, porém, continuava desaparecido, segundo informações reiteradamente prestadas à direção geral do DFSP pelo delegado Assumpção, que encenava diversas e repetidas diligências, para sua localização.
Informações ao STF
Nesse ínterim, o advogado de Hipocratis, Inezil Penna Marinho, impetrou no Supremo Tribunal Federal pedido de “habeas corpus” em favor do seu constituinte. Solicitadas, à direção-geral do DFSP, as informações para o julgamento da medida, foi determinado ao delegado Assumpção que fornecesse os esclarecimentos necessários.
O delegado Assumpção deu, por escrito, os esclarecimentos que lhe foram pedidos, afirmando, nessa oportunidade, encontrar-se Hipocratis foragido, não obstante “todos os esforços” que empreendia para recapturá-lo.
Visto em Goiânia
Enquanto se acreditava nas informações do delegado Assumpção sobre as diligências que realizava, uma pessoa cujos traços coincidiam com os de Hipocratis foi vista sendo embarcada, algemada, num pequeno avião em Goiânia, vindo a saber-se, mais tarde, que teria sido levada para a fazenda de Clovis Barbosa, um dos filhos do garimpeiro. Soube-se, também, da presença desta mesma pessoa na Fazenda Tamanduá, pertencente ao deputado Luiz Bronzeado.
Esse fato compeliu a administração do DFSP a convocar o delegado Assumpção, dando-lhe ciência do que vinha chegando ao seu conhecimento, de modo, inclusive, a orientá-lo. As diligências deveriam ser processadas na companhia do diretor da Divisão de Operações, o qual, acompanhado do delegado Assumpção, dirigiu-se, então, à Fazenda Tamanduá, de onde, confirmada a informação, retornou para buscar reforços que lhe possibilitassem a efetiva recaptura de Hipocratis.
Voltando, porém, àquele local, o diretor da Divisão de Operações teve a surpresa de encontrar a fazenda abanonada, nela não mais achando Hipocratis, constatando-se, em seguida, o suspeitoso desaparecimento do delegado Assumpção. As circunstâncias tornaram evidente, a partir daí, sua ativa participação no sequestro do grego.
O inquérito
Nesse ínterim, a esposa do grego solicitava à direção-geral do DFSP, a instauração de inquérito policial para apurar responsabilidades, pretensão que foi de imediato deferida pelo diretor-geral, determinando-se, concomitantemente o afastamento do delegado Assumpção, como medida de cautela.
Dois dias após o delgado comparecia ao DFSP sendo-lhe, nessa ocasião, determinado que entregasse documentos pertinentes ao inquérito. O delegado Assumpção se comprometeu a atender, mas não o fez, pois “maliciosamente entregou documentos forjados”, ardil logo desmascarado pelo diretor da DOPS, que conhecia os originais.
Prisão
Tal deslealdade, que traria obstáculos ao prosseguimento do inquérito, foi comunicada ao diretor-geral, que se encontrava no Estado da Guanabara, aplicando-se ao servidor faltoso a pena de suspensão por trinta dias, e, face à gravidade da falta, a conversão em detenção disciplinar por vinte dias.
Por outro lado, outras ocorrências de extrema gravidade chegavam ao conhecimento do DFSP, tais sejam a ida para o estrangeiro do agente auxiliar de Polícia Federal Romeu da Silva Pereira, em companhia do deputado Luiz Bronzeado, viagem essa autorizada pelo delegado Assumpção, sem prévia ciência e consentimento de autoridades superiores.
Em Atenas
Em razão desses pormenores, o general Riograndino Kruel, diretor-geral do DFSP, solicitou que a organização de Polícia Internacional Criminal, em Atenas e Roma, efetuasse a prisão dos falsos agentes. Recebeu o Departamento, logo depois, notícia de que agentes da polícia brasileira tentaram assaltar a residência da família de Hipocratis, fugindo à aproximação da polícia grega, em tempo alertada.
Despachos telegráficos posteriores informaram que o deputado Luiz Bronzeado já empreendera viagem de regresso, via Roma. Realmente, a 5 deste mês, Bronzeado se encontrava em Brasília, esforçando-se por avistar-se com o delegado Assumpção, não tendo conseguido.
Localização
Por determinação do diretor-geral do Departamento, o delegado Walmores Victorino Barbosa instaurou inquérito policial e o agente federal Firmiano Pacheco Arruda iniciou a investigação para descoberta do local onde tinha sido escondido o grego e, com ele, seus sequestradores.
Após sete dias foram localizados o grego e seus carcereiros na Fazenda Água Fria, Município de Santo Antônio do Descoberto [GO]. No momento, achavam-se no local o proprietário da fazenda, advogado Francisco de Assis Neves e o também advogado Severiano Farias Filho, patrono do garimpeiro, além de um médico do Serviço Público, chamado para medicar o grego. Lavrado o flagrante dos sequestradores, estes foram recolhidos ao quartel da Polícia Militar e Hipocratis à Polícia do Exército.
Termina a nota esclarecendo que as investigações prosseguem “com o máximo rigor, visando a total elucidação do caso”.
Deputado defende-se
O deputado Luiz Bronzeado, por sua vez, divulgou nota esclarecendo sua posição no caso, afirmando que, ao ter conhecimento de que o grego fora deixado em sua fazenda, manifestou, de pronto, sua contrariedade pelo fato, solicitando aos agentes federais a imediata remoção do preso. Esclarece também ter sido convidado a defender os interesses do garimpeiro Barbosa Sobrinho, razão pela qual esteve em Atenas, “para um entendimento amigável com a família do grego, em cujo poder, se supunha, estaria o diamante roubado”.
Prisão preventiva
O juiz Waldir Meuren, da 2ª Vara Criminal de Brasília, decretou a prisão preventiva do delegado Egberto Assumpção e dos srs. José Alencar Teixeira, Romeu da Silva Pereira, Clovis Barbosa de Faria, João Barbosa Sobrinho e Jasan Barbosa de Faria, envolvidos no processo do “Diamante 007”.
Conforme o despacho do juiz, encontra-se também implicado no caso o deputado Luís Bronzeado, razão pela qual será encaminhado à Câmara um pedido de licença para processá-lo. O juiz Waldir Meuren também indeferiu o pedido de relaxamento da prisão preventiva dos advogados Severiano Faria Filho e Francisco de Assis Neves, implicados no caso.
Amanhã o Tribunal de Justiça do Distrito Federal deverá examinar o pedido de “habeas corpus” impetrado em favor do delegado Egberto Assumpção, principal acusado do processo.
(Reportagem de Ricardo Setti, de Brasília, publicada a 14 de junho de 1966 no jornal O Estado de S. Paulo, sob o título original de “DFSP esclarece caso do grego; deputado implicado”)